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28/10/2002 - 19h40

Começa a briga entre os radicais e os moderados do PT

FABIANA FUTEMA
da Folha Online

A chamada ala radical do PT já deu sinais de que a trégua dada para os "moderados" do partido está com os dias contados. No primeiro pronunciamento político do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, representantes da ala radical, como o deputado federal Ivan Valente (PT-SP), prometeram cobrar do futuro governo petista compromissos históricos do PT. Mas representantes dos moderados afirmaram à Folha Online que os radicais que não estão autorizados a falar pelo PT.

Segundo Valente, o capital financeiro não deve ser a prioridade do governo petista. "Lula foi eleito pelo sentimento de mudança da classe trabalhadora, ou seja, foi eleito para viabilizar um momento que combate a concentração da renda, da riqueza, da terra e do poder. Isso significa que de alguma forma, o grande capital financeiro não será o grande beneficiado do governo Lula. Pelo contrário, perderá no governo de Lula."

No entanto, Valente disse que essa inversão de valores não significa uma ruptura com o capital internacional. "Não significa hostilizar o mercado, mas que o governo tem uma prioridade, que é mudar. E precisa sobrar recursos para o social, fazer investimentos em educação pública, saúde, moradia, criar condições que melhorem a qualidade de vida do povo brasileiro."

As idéias de Valente contradizem as últimas declarações da ala moderada do PT, que tem, entre seus representantes, o presidente do partido, José Dirceu, o coordenador nacional do programa de governo, Antonio Palocci, e o assessor econômico, Guido Mantega.

O deputado federal é do grupo do PT "Força Socialista", que posicionou-se contra à aliança com o PL na reunião do diretório nacional, em março de 2002, chegando a redigir um documento criticando as negociações. O grupo defende ideais marxistas-leninistas. Os grupos de esquerda representam cerca de 32% do poder no Diretório Nacional do PT, dominado pela Articulação, grupo moderado.

Todos eles passaram os últimos dias da campanha eleitoral reafirmando ao mercado que Lula não realizaria nenhuma mudança brusca na condução da política brasileira e cumpriria todos os contratos internacionais e a Lei de Responsabilidade Fiscal.

As declarações da ala moderada ajudaram a acalmar o mercado financeiro e a baixar a cotação do dólar, reduzir o risco-Brasil e elevar a Bolsa nos dias que antecederam a eleição de Lula

Mas os radicais do PT têm um posicionamento contrário às idéias defendidas pelos moderados. Defendem, inclusive, a rediscussão do último acordo assinado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso com o FMI (Fundo Monetário Internacional) .

Um representante da ala moderada, que preferiu não ser identificado, disse que Valente e outros radicais têm uma visão ultrapassada do FMI. "Eles ainda têm uma visão ideológicado FMI dos anos 80. Não sabem da dimensão dos problemas do país e precisaremos dos US$ 24 bilhões do FMI em 2003. Faremos políticas para romper com essa dependência nos anos seguintes, mas no primeiro ano, o FMI será fundamental para o governo."

Segundo a ala moderada, o rompimento dos compromissos com o FMI provocariam resultados contrários às expectativas dos radicais. "Sem o dinheiro do FMI, teremos uma crise de dimensões enormes, fuga de capitais, aumento do desemprego e desaceleração do crescimento."

A ala moderada não acredita que repercussões como as feitas por Valente possam surtir efeito negativo no mercado. "Ele [Valente] fala uma coisa, mas depois o Palocci ou o Dirceu vão lá e o contradizem. Reafirmam os compromissos internacionais. Os radicais não terão poder no governo de Lula."

Para Valente, o cumprimento das metas impostas pelo FMI vão inviabilizar as metas de crescimento e desenvolvimento econômico, geração de emprego e políticas sociais do programa de Lula.

"Ao anunciar a Secretaria de Emergência Social, [Lula] mostra que tem uma prioridade e ao mesmo tempo reconhece cumprimento de contratos. E isso é uma dificuldade. Então haverá esse conflito. O povo vai começar a entender que o cumprimento de todos os contratos feitos por FHC vão inviabilizar condições de mudança, de distribuição de renda e riqueza", disse o deputado federal.

No entanto, Valente afirmou que a esquerda do PT não pretende que o governo de Lula rompa definitivamente todas as relações com o FMI. "Falamos de rompimento com essa política econômica e não com o FMI. Não foi o empréstimo do FMI que resolveu o problema da crise e da especulação financeira. A especulação continua. Sei que nas últimas duas semanas foram torrados US$ 1,7 bilhão desse empréstimo para acalmar o mercado. O que precisa mudar é essa lógica de emprestar para rolar mais dívida para o mercado. Não existe empréstimos para investimento produtivo."

Para o deputado federal, Lula tem legitimidade para mudar essa relação com o FMI. "A coligação de esquerda tem crédito na sociedade e construiu um imaginário de mudança social no eleitorado. Tem legitimidade para implementar mudanças. Lula não foi eleito para servir ao capital financeiro. Foi eleito para assumir compromissos com os pobres e excluídos do país."

Valente não enxerga a possibilidade de cumprir os contratos com o FMI e as promessas sociais feitas ao povo sem um conflito no governo petista. "Existe um conflito de interesses claro. O mercado, a mídia, o capital financeiro internacional, o governo norte-americano pressionarão para acomodar o PT na mesma direção do governo FHC. Mas haverá um movimento de baixo para cima por mudanças sociais. A vitória de Lula tem um enorme impacto nacional e internacional. É a idéia que chegou a vez do povo."

Trégua
Valente deixou claro que, pelo menos por enquanto, os radicais do PT continuarão dando uma trégua para a ala moderada do PT. Mas o tempo da trégua dependerá das ações tomadas pela futura equipe de Lula. "O PT é um partido dinâmico, as decisões se recolocam com novas propostas. Não é uma trégua, mas é claro que existe um crédito a Lula e ao seu governo e nós daremos. Mas o PT nasceu para mudar a sociedade brasileira, para simbolizar a esperança de mudança e queremos que o governo Lula faça isso."

Alianças
O deputado federal da ala radical também criticou a aliança feita com o PL, partido do vice-presidente eleito José de Alencar. Ontem, no seu primeiro pronunciamento oficial, Lula fez uma série de elogios ao vice José de Alencar, a quem chamou de companheiro.

"A criação das alianças, particularmente o PL, não foi responsável pela vitória de Lula. A principal responsável é o sentimento de mudança do povo brasileiro, que quer mudança no modelo econômico, desconcentrar renda, riqueza e poder. E Lula simbolizou isso durante 22 anos e o povo acreditou nessa esperança e é para essa prioridade que o PT deve se voltar", disse Valente.

Para Valente, o PL não está alinhado ao programa do PT. "O PL é um partido que não tem tradicionalmente um programa ideológico claro. Apesar do nome liberal é formado por uma bancada evangélica."

Ele contesta, inclusive, o espaço que será dado para o PL no futuro governo de Lula. "É claro que o PL quer reivindicar cargos e tem legitimidade para isso. Não sabemos qual é o espaço que eles querem e se há se esse espaço. O ministério tem de ser formado por pessoas que tenham integridade, capacidade, compromisso social e é isso que tem aparecer na definição do ministério."

Leia mais no especial Eleições 2002

Veja também o especial Governo Lula
 

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