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30/10/2002 - 07h34

PT quer dar alimento a 2 milhões em 2003

LIEGE ALBUQUERQUE
da Folha de S.Paulo

O projeto do PT de "segurança alimentar" pretende acabar com a fome de até 2 milhões de famílias no primeiro ano de governo do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva. Para isso, deverá lançar cupons de R$ 50 a R$ 150 para compra de alimentos.

Essa será a prioridade da anunciada Secretaria Nacional de Emergência Social. Um dos cotados para titular é o economista José Graziano da Silva, 53. Professor de economia agrícola na Unicamp (Universidade de Campinas), ajudou a coordenar a campanha petista e é um dos assessores mais próximos de Lula.

Graziano falou ontem sobre a implantação, por meio da secretaria, de parte do Projeto Fome Zero, lançado na campanha de Lula. "Precisaremos da ajuda de toda a população, de todos os Betinhos da vida." Leia a seguir a entrevista.

Folha - Quais dados o PT usa para medir o número de pessoas que passam fome no país?
José Graziano da Silva
- Trabalhamos com o conceito de insegurança alimentar, que é a situação da pessoa pobre cuja renda não consegue assegurar a alimentação adequada. O nosso número estimado, com base na Pnad [Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios] de 2001, é de quase 10 milhões de famílias, ou cerca de 46 milhões de pessoas.

Folha - Serão 10 milhões no primeiro ano sem fome no Brasil?
Graziano
- Não, pretendemos dar alimentação pelo menos para 20% dessas famílias, ou até 2 milhões no primeiro ano. Sabemos que não é fácil. A meta é, em quatro anos, atender esses 10 milhões.

Folha - Para 2003, há outras definições dentro do Fome Zero?
Graziano
- A outra ênfase é o primeiro emprego, serão 400 mil jovens no primeiro ano. Vamos também discutir e detalhar melhor outros programas previstos no projeto de governo, apoio à agricultura familiar, reforma agrária, manter [os programas] Bolsa-Escola e renda mínima. Aqui uma diferença importante: o renda mínima é para quem tem renda zero. O programa de cupons do Fome Zero é outro.

Folha - É um complemento de renda para a família?
Graziano
- Sim. Queremos assegurar que o gasto mínimo em alimentação tenha um valor. O crédito deverá ser de R$ 50 a R$ 150, para a família que comprovar a renda inferior a R$ 76 per capita para a alimentação.

Folha - Como garantir que os cupons sejam realmente usados para alimentação? Haverá fiscalização?
Graziano
- Há uma grande alarde com essa idéia do desvio. Nos Estados Unidos, onde há esse programa de cupom, o desvio é inferior a 1%. Eles descentralizam, há fiscalização da comunidade local. E também mostram que não é uma esmola, é um direito. Você forma uma consciência de cidadania: dá um vale-alimentação para a mãe, e ela não vai deixar o marido pegar e tomar cachaça. E há o grande benefício da informática, não dá para violar um cartão.

Folha - Então serão como cartões magnéticos?
Graziano
- Sim, e todo mês recarrega o valor. E lá no supermercado haverá uma lista do que pode ser comprado com o cartão. Pretendemos fazer uma coisa regionalizada, além de uma lista de produtos básicos. Os produtos serão os mesmos da cesta básica, para não permitir compras de produtos de luxo. No município que não tiver possibilidade de implantar o cupom eletrônico, vamos fazer tíquetes de papel, com troca de cor mensal. Contaremos com a ajuda da sociedade e de ONGs para fiscalizar.

Folha - E esse cupom poderá ser usado em qualquer lugar?
Graziano
- Não, haverá um cadastramento prévio, voluntário, de mercados e supermercados. Para entrar no cadastro, terão de cumprir determinadas condições: ter uma lista de produtos, manter os preços. E vão receber a maquininha dos cartões.

Folha - O sr. falou que o governo Lula pretende recriar o Consea (Conselho Nacional de Segurança Alimentar, criado por Itamar Franco em 94 e extinto no começo do governo FHC). As queixas de um dos participantes, o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, era que as reuniões que deveriam ter nove ministros nunca aconteciam.
Graziano
- E o que ia, que era o do Planejamento, vivia brigando com o Betinho porque não acreditava no conselho.

Folha - Vão recriar mesmo não tendo dado certo?
Graziano
- Nossa avaliação não é que não deu certo, mas que não houve interesse do governo. O Consea -no período em que funcionou como prioridade política, pouco tempo- deu resultados. Mas depois diluíram as atribuições do Consea no Comunidade Solidária. Nossa tentativa de recriar o Consea é para dar participação à sociedade civil organizada, precisamos dos Betinhos da vida. O programa de combate à fome não é do governo, precisamos de voluntários, das ONGs. É uma cruzada contra a fome.

Folha - A deputada Angela Guadagnin disse que o PT deverá usar os dados do Comunidade Solidária do "mapa da indigência" para basear o Fome Zero.
Graziano
- Sim, não pretendemos perder tempo fazendo novas listas, novos diagnósticos. Os dados existentes permitem localizar a fome por região, por cidade. Vamos verificar listas de pessoas que vivem nessas áreas, com as prefeituras e os Estados, cruzar dados o mais rapidamente possível.

Folha - Já há regiões prioritárias?
Graziano
- A idéia de uma secretaria emergencial é a partir da idéia da seca no Nordeste. Mesmo que comece a chover em novembro, em janeiro vamos ter gente perdendo parte da safra ou produção. Lá é mais emergente, será uma das prioridades. Mas há outros pontos, de regiões metropolitanas, como São Paulo.

Folha - Há projeto de restaurantes populares?
Graziano
- A idéia é de parceria com as prefeituras, de estudar isenções de impostos e incentivos fiscais às prefeituras que implantarem restaurantes populares.

Folha - São programas que podem ser acusados de assistencialistas ou populistas. Não há temor dessas críticas?
Graziano
- Vamos correr esse risco. Pretendemos que a participação da sociedade civil minimize possíveis desvios do cupom. Achamos que haverá gente que pode querer se aproveitar disso, mas contamos com o apoio da população para fiscalizar. Há o risco das críticas e do mau uso [dos cupons].

Folha - O sr. falou que estima que implantar os cupons, as máquinas, vá custar R$ 5 bilhões no primeiro ano. O dinheiro vai sair de onde?
Graziano
- Do Fundo de Combate à Pobreza, no orçamento há dinheiro para isso. Esse é o custo, mas tem o benefício. Vai gastar com alimentação, vai ter benefícios: diminuir os gastos na saúde, por exemplo.

Folha - Mas o fundo da pobreza, segundo o governo, já está alocado para programas sociais.
Graziano
- Hoje os R$ 4,5 bilhões que tem lá [no fundo] é metade para Bolsa-Escola. Mas temos no orçamento cerca de R$ 45 bilhões, também já alocados, para programas sociais. Nós achamos que dá para evitar superposições de gastos, por exemplo. Por mês, o fundo recebe R$ 2 bilhões da CPMF. Se não conseguir remanejar muito, não vamos conseguir 2 milhões de famílias no primeiro ano, um pouco menos.

Folha - O PT vai manter a CPMF, prevista para acabar em 2004?
Graziano
- Esperamos arrumar recursos de outro lugar. Essa questão de dinheiro é de prioridade política. Pode faltar para muita coisa. Mas a idéia do presidente eleito é que a prioridade política é o combate à fome. Pode faltar recursos para ampliar estradas, mas não para isso. Quando o cobertor é curto você puxa do lado e descobre do outro.

Folha - Há outros programas no Fome Zero. Todos deverão ser implantados?
Graziano
- Sim. Na questão da reforma agrária a primeira coisa é fazer um levantamento dos assentamentos. Há muita controvérsia.

Veja também o especial Governo Lula
 

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