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30/10/2002 - 08h13

A única opção realista para a economia do Brasil: a menos pavorosa

MARTIN WOLF
do "Financial Times"

Caro presidente eleito Lula, permita-me lhe oferecer tanto congratulações quanto comiseração. Em sua quarta tentativa, o senhor foi eleito presidente do Brasil por uma imensa maioria. Mas sua vitória veio em um momento de crise econômica. O que o senhor fizer e disser ao longo dos próximos meses determinará não só o seu destino mas também o destino de seu partido, de seu país e talvez até mesmo o da América Latina, na década vindoura.

Seu predecessor obteve grandes realizações, especialmente a eliminação de uma inflação muito alta. Mas o senhor herda agora uma crise de dívida, muito agravada pela falta de confiança que os investidores demonstram no senhor. Para compreender suas opções, o senhor precisa começar pela posição que lhe foi legada.

A dívida líquida do setor público brasileiro explodiu, de 30% do Produto Interno Bruto (PIB) em 1994 para 42% às vésperas da desvalorização cambial do começo de 1999, e chegou a 59% em agosto último. Como aponta John Williamson, do Instituto de Economia Internacional, em agosto 42% da dívida interna do país estava denominada em dólares, 8% era corrigida pela inflação e 37% estava vinculada à taxa de juros do overnight do Banco Central. O mais importante é que 80% da dívida pública líquida e 70% da dívida pública bruta brasileira é doméstica. Uma moratória sobre essa dívida, portanto, devastaria a economia de seu país.

Uma dívida elevada, boa parte dela vinculada a moedas estrangeiras, e majoritariamente detida por instituições domésticas, taxas de juros em disparada e uma taxa de câmbio em queda profunda representam uma combinação letal. E a situação é agravada pelo virtual desaparecimento do crescimento econômico: a previsão de consenso mais recente é de crescimento de 1,1% este ano. Mas mesmo com um crescimento de 4%, o nível de dívida atual só seria estabilizado, levando em conta o superávit fiscal (o saldo anterior aos pagamentos juros) planejado pelo governo da ordem de 3,75% do PIB, caso as taxas reais de juros ficassem abaixo dos 10,25%. Hoje, as taxas reais sobre empréstimos em moeda estrangeiras são duas vezes mais altas.

Assim, o que o senhor pode fazer? Sua primeira alternativa seria aceitar que as pessoas que detêm o dinheiro não confiam no senhor, dar de ombros e decretar uma moratória. Mas isso criaria uma gigantesca confusão. O sistema financeiro seria devastado, o crédito se esgotaria e a economia despencaria a uma profunda recessão. A alternativa seria decretar moratória só da dívida externa, combinada à adoção de controles de câmbio, mas isso causaria inadimplência do setor privado brasileiro, que está endividado no exterior. O crédito comercial desapareceria. A economia do país ficaria sob estado de sítio.

A segunda alternativa seria aderir aos planos acertados com o Fundo Monetário Internacional (FMI) quando o Brasil obteve um crédito de US$ 30,4 bilhões em setembro. Mas em recente depoimento diante do Congresso dos Estados Unidos, Michael Mussa, ex-economista chefe do Fundo, condena essa posição como "um compromisso insustentável". Como ele aponta, "o mercado está bem ciente do programa existente com o FMI, e claramente considera que ele seja inadequado".

A terceira alternativa seria muito mais ousada. O senhor dispõe, no momento, de uma autoridade única. O senhor poderia afirmar -porque é verdade- que as maiores vítimas de uma recessão induzida por uma moratória são os seus próprios partidários. Em um país com carga fiscal relativamente elevada (mais que o dobro da argentina), deve ser possível elevar o superávit fiscal primário planejado para os 6% do PIB, como fez a Turquia, sem prejudicar os pobres. O custo econômico de um aumento dessas dimensões no superávit seria bastante inferior ao de uma moratória.

O seu governo precisaria convencer as instituições domésticas a rolar a dívida a taxas razoáveis de juros. E deveria persuadir os países desenvolvidos a solicitar que seus bancos fizessem o mesmo, como aconteceu no caso da Coréia do Sul, em 1998. Seria preciso que o senhor selecionasse uma equipe de profissionais respeitados. É lastimável que o senhor tenha decidido não reconduzir o esplêndido Armínio Fraga à presidência do Banco Central.

O crescimento retornará, estimulado pela grande virada que agora começa a se fazer sentir na conta corrente brasileira, que entrou em superávit no terceiro trimestre, com, aumento de 40% nas exportações ante o trimestre anterior. Com a confiança renovada, surgirão taxas de juros mais baixas e uma taxa de câmbio mais favorável. Mussa acredita que o senhor precisará de um pacote de financiamento externo muito maior. Ele fala em US$ 100 bilhões a US$ 120 bilhões, dado o tamanho da economia de seu país. É bastante improvável que apoio nessa escala seja obtido.

O senhor herda um país desprovido de recursos. A única questão é de que maneira responderá a isso. Pode escolher a moratória e enfrentar as consequências posteriores. Pode manter o rumo definido pelo seu predecessor, que provavelmente conduzirá a uma moratória. Ou pode fazer da restauração da confiança nas finanças brasileiras a sua prioridade suprema. O senhor deveria escolher a última alternativa, não porque é uma boa escolha mas porque é a menos pavorosa. É preciso fazer do Brasil um país de crescimento estável e finanças públicas sólidas. Só com base nisso o senhor poderá ajudar os pobres. Governar é escolher. Escolha bem.
Sinceramente, Martin Wolf.

Martin Wolf, ex-economista do Banco Mundial, é colunista do "Financial Times".

Tradução de Paulo Migliacci


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