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24/11/2002
-
03h46
da Folha de S.Paulo
Fome no Brasil não se combate apenas com cartões magnéticos e vales, mas com biotecnologia e pesquisa. A opinião é do economista Jeffrey Sachs, da Universidade Columbia, para quem o presidente eleito do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, deveria procurar grandes companhias de biotecnologia, como a Monsanto, e dizer:
"Quero erradicar a fome no Brasil. Não nos veja apenas como um mercado. Em vez de empurrar tecnologias americanas que podem não ser apropriadas para o país, trabalhem com nossos cientistas para descobrir as necessidades distintivas e os desafios específicos do Brasil. Há um enorme campo a ser explorado".
Sachs é diretor do Instituto Terra, um centro de estudos na Columbia destinado a buscar um "futuro sustentável para os pobres". Ele assessora o secretário-geral da ONU, Kofi Annan, na obtenção das metas do milênio das Nações Unidas, que incluem melhor acesso a água, saneamento, energia, saúde e alimentação.
Folha - 'Fome Zero' pode ser um projeto realizável ou é apenas um lema de efeito político?
Jeffrey Sachs - Lula está certo ao fazer do Fome Zero a prioridade de seu governo. É um objetivo válido, que pode ser obtido. Mas depende de uma boa estratégia. Uma solução seria melhorar a produtividade agrícola, especialmente dos agricultores pobres. Trata-se de uma questão de tecnologia, know-how e melhor infra-estrutura. Seria inteligente para o Brasil investir em mais pesquisa agrícola. Não apenas para garantir a segurança alimentar, mas também a competitividade internacional. Felizmente, o Brasil tem uma agronomia forte e uma ecologia científica, das quais pode desenvolver boas políticas.
Folha - Lula diz que o Brasil produz alimentos em volume suficiente e que o problema está na renda. Além disso, seu partido é contra a produção de alimentos transgênicos. O sr. concorda com ele?
Sachs - Creio que a agrobiotecnologia deveria ser parte de um conjunto de estratégias que o Brasil pode introduzir para erradicar a fome. Seria um grande erro, em minha opinião, descartar novas formas de conhecimento. O Brasil precisa não só melhorar as tecnologias tradicionais, aprimorando as variedades de sementes, a fertilidade do solo e a produção, como também investir nas novas. Creio que os EUA, a China e a Índia farão grandes avanços em novas tecnologias baseadas em genética. O Brasil poderia estar entre os líderes mundiais nessa área.
Folha - A União Européia exerce desde 1998 uma moratória de fato sobre novas aprovações de produtos geneticamente modificados. Essa moratória está bloqueando exportações norte-americanas de milho (US$ 300 milhões) e impedindo a introdução novos produtos dos EUA no mercado europeu. O Brasil é o único grande exportador agrícola do hemisfério que ainda mantém-se (oficialmente) livre de transgênicos. Por que deveríamos abraçar os transgênicos e perder a Europa como mercado?
Sachs - Não creio que o Brasil possa ficar de fora da revolução biotecnológica agrícola simplesmente por medo de perder a Europa. Os europeus terão de acordar para esse assunto. Sua posição é dogmática, não científica.
Folha - Dogmática ou não, a posição européia pode render dólares e um mercado cativo para os produtores brasileiros num momento em que é essencial elevar exportações.
Sachs - Não estou dizendo que o Brasil precisa converter toda sua produção agrícola tradicional em produção transgênica. É preciso haver testes, proteções e, principalmente, segregar os alimentos não transgênicos para fins de rotulagem e para garantir exportações à Europa. É possível fazê-lo.
Folha - A posição que o sr. defende é geralmente associada aos interesses de corporações americanas, como a Monsanto, que trava uma batalha judicial no Brasil para introduzir um de seus produtos transgênicos mais lucrativos. O sr. poderia citar um único motivo por meio do qual a sociedade brasileira poderia lucrar tanto com essa tecnologia quanto a Monsanto?
Sachs - Os benefícios obtidos pelos consumidores e produtores americanos são conhecidos: resistência a pestes e uso reduzido de pesticidas. Mas reconheço que as necessidades do Brasil nessa área possam ser diferentes, devem ser examinadas no contexto nacional. Tenho trabalhado intensamente com a Monsanto no último ano para ver como a agrobiotecnologia pode ser usada em benefício dos pobres ao redor do mundo. Faço questão de dizer que meu trabalho com a companhia tem sido de forma não-remunerada. Essas tecnologias oferecem avanços reais contra a fome e a desnutrição. Pode-se, por exemplo, aprimorar o valor nutricional dos alimentos, como no caso do "arroz dourado", enriquecido com beta-caroteno, um precursor da vitamina A. Mas entendo a questão da soberania. O Brasil deveria procurar companhias como a Monsanto e declarar: "Quero erradicar a fome. Não nos veja apenas como um mercado. Em vez de empurrar tecnologias americanas que podem não ser apropriadas para o país, trabalhem com nossos cientistas para descobrir as necessidades distintivas e os desafios específicos do Brasil. Há um enorme campo a ser explorado _por exemplo, na produção de uma safra resistente às secas periódicas do Nordeste. Além disso, as pestes no Brasil são diferentes das americanas".
Folha - Ao dizer que os agricultores pobres do Brasil devem ser ajudados com o objetivo de elevar a produção agrícola e combater a fome, o sr. defende um modelo baseado em pequenas propriedades ou a reforma agrária no Brasil?
Sachs -Não estudei suficientemente a necessidade de uma reforma agrária no Brasil. O que posso dizer é que vários países que buscaram a reforma agrária acabaram se afundando num debate contencioso sobre o direito à propriedade e produziram fuga de capitais e conflito político. O Brasil deve ter esses precedentes em mente. No entanto, com ou sem reforma agrária, os pobres brasileiros precisam ajuda urgente. Essa ajuda pode vir na forma de um melhor acesso à educação, à saúde e aos alimentos.
Sachs sugere que Lula procure empresas de biotecnolia
MARCIO AITHda Folha de S.Paulo
Fome no Brasil não se combate apenas com cartões magnéticos e vales, mas com biotecnologia e pesquisa. A opinião é do economista Jeffrey Sachs, da Universidade Columbia, para quem o presidente eleito do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, deveria procurar grandes companhias de biotecnologia, como a Monsanto, e dizer:
"Quero erradicar a fome no Brasil. Não nos veja apenas como um mercado. Em vez de empurrar tecnologias americanas que podem não ser apropriadas para o país, trabalhem com nossos cientistas para descobrir as necessidades distintivas e os desafios específicos do Brasil. Há um enorme campo a ser explorado".
Sachs é diretor do Instituto Terra, um centro de estudos na Columbia destinado a buscar um "futuro sustentável para os pobres". Ele assessora o secretário-geral da ONU, Kofi Annan, na obtenção das metas do milênio das Nações Unidas, que incluem melhor acesso a água, saneamento, energia, saúde e alimentação.
Folha - 'Fome Zero' pode ser um projeto realizável ou é apenas um lema de efeito político?
Jeffrey Sachs - Lula está certo ao fazer do Fome Zero a prioridade de seu governo. É um objetivo válido, que pode ser obtido. Mas depende de uma boa estratégia. Uma solução seria melhorar a produtividade agrícola, especialmente dos agricultores pobres. Trata-se de uma questão de tecnologia, know-how e melhor infra-estrutura. Seria inteligente para o Brasil investir em mais pesquisa agrícola. Não apenas para garantir a segurança alimentar, mas também a competitividade internacional. Felizmente, o Brasil tem uma agronomia forte e uma ecologia científica, das quais pode desenvolver boas políticas.
Folha - Lula diz que o Brasil produz alimentos em volume suficiente e que o problema está na renda. Além disso, seu partido é contra a produção de alimentos transgênicos. O sr. concorda com ele?
Sachs - Creio que a agrobiotecnologia deveria ser parte de um conjunto de estratégias que o Brasil pode introduzir para erradicar a fome. Seria um grande erro, em minha opinião, descartar novas formas de conhecimento. O Brasil precisa não só melhorar as tecnologias tradicionais, aprimorando as variedades de sementes, a fertilidade do solo e a produção, como também investir nas novas. Creio que os EUA, a China e a Índia farão grandes avanços em novas tecnologias baseadas em genética. O Brasil poderia estar entre os líderes mundiais nessa área.
Folha - A União Européia exerce desde 1998 uma moratória de fato sobre novas aprovações de produtos geneticamente modificados. Essa moratória está bloqueando exportações norte-americanas de milho (US$ 300 milhões) e impedindo a introdução novos produtos dos EUA no mercado europeu. O Brasil é o único grande exportador agrícola do hemisfério que ainda mantém-se (oficialmente) livre de transgênicos. Por que deveríamos abraçar os transgênicos e perder a Europa como mercado?
Sachs - Não creio que o Brasil possa ficar de fora da revolução biotecnológica agrícola simplesmente por medo de perder a Europa. Os europeus terão de acordar para esse assunto. Sua posição é dogmática, não científica.
Folha - Dogmática ou não, a posição européia pode render dólares e um mercado cativo para os produtores brasileiros num momento em que é essencial elevar exportações.
Sachs - Não estou dizendo que o Brasil precisa converter toda sua produção agrícola tradicional em produção transgênica. É preciso haver testes, proteções e, principalmente, segregar os alimentos não transgênicos para fins de rotulagem e para garantir exportações à Europa. É possível fazê-lo.
Folha - A posição que o sr. defende é geralmente associada aos interesses de corporações americanas, como a Monsanto, que trava uma batalha judicial no Brasil para introduzir um de seus produtos transgênicos mais lucrativos. O sr. poderia citar um único motivo por meio do qual a sociedade brasileira poderia lucrar tanto com essa tecnologia quanto a Monsanto?
Sachs - Os benefícios obtidos pelos consumidores e produtores americanos são conhecidos: resistência a pestes e uso reduzido de pesticidas. Mas reconheço que as necessidades do Brasil nessa área possam ser diferentes, devem ser examinadas no contexto nacional. Tenho trabalhado intensamente com a Monsanto no último ano para ver como a agrobiotecnologia pode ser usada em benefício dos pobres ao redor do mundo. Faço questão de dizer que meu trabalho com a companhia tem sido de forma não-remunerada. Essas tecnologias oferecem avanços reais contra a fome e a desnutrição. Pode-se, por exemplo, aprimorar o valor nutricional dos alimentos, como no caso do "arroz dourado", enriquecido com beta-caroteno, um precursor da vitamina A. Mas entendo a questão da soberania. O Brasil deveria procurar companhias como a Monsanto e declarar: "Quero erradicar a fome. Não nos veja apenas como um mercado. Em vez de empurrar tecnologias americanas que podem não ser apropriadas para o país, trabalhem com nossos cientistas para descobrir as necessidades distintivas e os desafios específicos do Brasil. Há um enorme campo a ser explorado _por exemplo, na produção de uma safra resistente às secas periódicas do Nordeste. Além disso, as pestes no Brasil são diferentes das americanas".
Folha - Ao dizer que os agricultores pobres do Brasil devem ser ajudados com o objetivo de elevar a produção agrícola e combater a fome, o sr. defende um modelo baseado em pequenas propriedades ou a reforma agrária no Brasil?
Sachs -Não estudei suficientemente a necessidade de uma reforma agrária no Brasil. O que posso dizer é que vários países que buscaram a reforma agrária acabaram se afundando num debate contencioso sobre o direito à propriedade e produziram fuga de capitais e conflito político. O Brasil deve ter esses precedentes em mente. No entanto, com ou sem reforma agrária, os pobres brasileiros precisam ajuda urgente. Essa ajuda pode vir na forma de um melhor acesso à educação, à saúde e aos alimentos.
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