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29/11/2002 - 21h00

Leia a íntegra do discurso do presidente Fernando Henrique Cardoso

da Folha Online

Leia a íntegra do dicurso do presidente Fernando Henrique Cardoso de despedida, feito nesta sexta-feira no Palácio do Planalto:

"Quero, em primeiro lugar, ao iniciar esta reunião do nosso ministério, agradecer muito profundamente os trabalhos realizados por todos os senhores. E estendo os agradecimentos aos milhares de pessoas que trabalham sob a liderança dos senhores e das senhoras.

Acho que, como é sabido, ninguém faz nada sozinho. Nem eu, nem os senhores, nem a senhoras. Nós todos dependemos de um conjunto de ações. E eu nunca me cansei de louvar o funcionalismo brasileiro. Eu acho que, se há alguma coisa que nós devemos ressaltar, é o fato de que o Brasil dispõe de um aparelho de Estado que foi se formando no decorrer dos séculos, até, eu diria, se aperfeiçoando.

Teve seus momentos de dificuldade, mas se manteve sempre com capacidade técnica ou competência e permite que o Brasil tenha suas decisões, não apenas tomadas ao nível mais alto, mas implementadas. E os que trabalhamos aqui, em Brasília, e certamente noutras partes do Brasil também, sabemos o quanto há de devoção no trabalho de milhares de pessoas.

É só ter um pouco mais de experiência da vida política e administrativa do Brasil, para perceber que horas a fio, às vezes tarde da noite, os gabinetes estão com as luzes acesas, as pessoas estão trabalhando.

Isso não é aplicável a generalidades. Certamente aqueles que conduzem a máquina administrativa brasileira têm sentido de responsabilidade. De modo que estamos já quase ao final do mandato. Eu queria deixar registrado meu agradecimento, não apenas ao governo, aos ministros, ao gabinete, mas ao conjunto daqueles que trabalharam esses anos todos pelo país.

Quero dizer, também, que, nesses oito anos em que fui presidente da República -e sou presidente da República- contei com a colaboração de dezenas de ministros. Naturalmente todo presidente que inaugura seu mandato imagina que vai até o fim com aquela mesma equipe. Mas, rapidamente, percebe que a vida é mais complexa do que os nossos desejos. Mas muitos trabalharam comigo.

Muitos dos que deixaram de trabalhar, por vários motivos, são pessoas que deixaram uma marca forte na administração. De modo que meus agradecimentos se estendem também àqueles que não estão presentes nesta nossa reunião de ministério, mas que em outras oportunidades estiveram aqui conosco e batalharam com muito afinco.

Hoje, esta reunião é para dar-lhes conhecimento deste trabalho, deste livro, que todos já receberam, que é uma espécie de resumo sintético -embora o livro seja grosso- das ações que foram empreendidas no Brasil nesses oito anos. E algumas delas, a bem da verdade, começaram antes desses oito anos.

Naturalmente nunca se deve esquecer que não se faz nada a partir do zero. Há sempre uma tradição, às vezes a ser modificada, às vezes a ser mantida, às vezes a ser amplificada.

O fato é que seria incorreto imaginar que o que se fez, nesses oito anos, fez-se a partir do dia primeiro de janeiro de 95. Não, antes já havia esforços, antes já havia transformações. Alguns dos alicerces do que veio a ser depois a estabilização da nossa economia já estavam lançados, alguns até bem fincados e muitos de nós já havíamos trabalhado também em governos anteriores para que os resultados pudessem ser obtidos.

Este livro -repito- resume uma série de informações e realizações do governo. Eu não quero me referir, nesta manhã, aos números que aqui estão, são imensos e numerosíssimas as afirmações baseadas em gráficos, em dados, que dão substância às afirmações que são feitas. Eu queria, talvez, hoje, me concentrar mais nos aspectos qualitativos das transformações ocorridas, do que nos quantitativos.

Inúmeras vezes eu tenho sido perguntado e tenho tido uma certa dificuldade, e até mesmo resistência psicológica para responder, qual terá sido o legado do nosso governo. Porque legado, por um lado, é um pouco presunçoso, supõe-se que se deixa algo e que esse algo vai permanecer. E, segundo, supõe-se que um círculo se encerrou, pelo menos o círculo pessoal.

Eu acho que aqui há muitas pessoas que trabalharam para o conjunto de realizações, e vão continuar trabalhando em diversas etapas da sua vida e em diversos níveis da vida brasileira. E eu próprio me incluo entre aqueles que, embora não mais no nível governamental e nem sequer no nível da vida política, eleitoral, espero estar, ainda por algum tempo, enquanto puder, com energia, ativo na discussão dos temas do Brasil, dos temas internacionais.

Então, por isso eu tenho certa dificuldade em responder à questão do que se deixa. Mas se pensarmos em termos do que o povo brasileiro fez e naquilo a que nós pudemos dar curso, às aspirações do povo brasileiro, eu diria que, talvez a marca mais forte do que está sendo consolidado por este governo tenha sido a plena realização da democracia no Brasil.

Isso, para mim, é condição inicial e tem uma solidez, uma vez mantida, maior mesmo do que o outro ponto importante, que foi a estabilização da economia. Mas eu acredito que o fortalecimento das instituições democráticas é a marca mais forte do que os brasileiros fizemos nesses últimos anos.

A história é longa, eu não preciso repetir. Muitos de nós participamos dessa história. Não é o caso de repetir. Mas a verdade é que foi possível, de alguma maneira, transformar, eu diria até que em cultura cívica a aspiração da democracia. A democracia como um valor. Não é um valor do Estado, não é um valor de um partido, é um valor de um povo. É toda uma sociedade que aprendeu a conviver na liberdade. Porque democracia implica a convivência, não só a liberdade.

Implica o estabelecimento das regras que permitem exatamente esta convivência na liberdade. E essas regras são muito amplas, algumas delas são regras que se estabilizam em instituições. Algumas se codificam em leis, outras são práticas e costumes. A verdade é que, no conjunto, este clima de liberdade que se estabeleceu no Brasil, ao longo das décadas, frutificou. E frutificou de uma maneira que me parece que é sólida.

No passado alguns autores clássicos brasileiros se referiam à democracia como uma planta tenra, que precisava ser cuidada, precisava ser regada com muita atenção. Sempre é conveniente cuidar delas, mas eu diria hoje que já não é uma planta tão tenra. Eu não sei se chega a ser um carvalho firme mas, de qualquer maneira, é uma sibipiruna, que também disputa com o carvalho a possibilidade de ser uma planta bastante fincada no solo e cuja sombra permite que se viva com mais felicidade. Eu acho que isso importante.

Mais importante que tudo foi que, nesses anos todos, nós aprendemos a conviver dentro da liberdade e criando instituições que assegurem os direitos. Os direitos da cidadania: facílimo falar e dificílimo exercê-los. De exercê-los com tranqüilidade.

Poucas sociedades serão tão demandantes como a sociedade brasileira. Isso é fruto, de um lado, das carências, às quais já me referirei. Mas, de outro lado, do fato de que esse clima de liberdade permitiu que cada cidadão se sentisse no direito, que tem, de cobrar, de exigir. Evidentemente, essa cobrança, essa exigência, se faz em vários níveis também. Sempre se fez no Brasil. Mas, muitas vezes foi coibido.

Primeiro, que se faz pela mídia, que é uma maneira muito ativa. Nossa mídia é combativa, sempre foi. Desde o 'Correio Braziliense' no século 19.

Sempre foi combativa. E desde antes. Mas, muitas vezes, houve tentativas de coerção. Coerção que, nos momentos de autoritarismo, era direta. Mas, nos momentos de democracia era indireta. Via suborno, via insinuações, via pressões, via telefonemas, via pedido para que afastasse este ou aquele.

Posso lhes assegurar que, durante esses anos todos em que tenho exercido funções públicas, jamais tomei o telefone para reclamar ou para pedir a quem quer que fosse que deixasse de fazer isso ou aquilo, ou para pedir que exaltasse isso ou aquilo do nosso governo.

Creio que, ao assim proceder -e tenho certeza de que esse procedimento foi seguido pelo governo, na medida em que a conduta presidencial é uma conduta que, de alguma forma, imprime a marca de um governo- isso permitiu que houvesse esse clima de absoluta liberdade. Melhor, de expressão absoluta dentro da liberdade. Por certo aqui e ali pode ter havido abusos. Mas o abuso maior é impedir a liberdade de manifestação de pensamento.

O abuso aqui e acolá pode até, às vezes, magoar a um ou a outro, muitas vezes é bem justo, mas o próprio processo da liberdade e da prática democrática acaba por corrigir e acabar, embora num momento em que alguém é atingido -e quantas vezes eu fui- as pessoas percam, naturalmente, o sentido de comparação e de proporção.

Com o tempo todos aqueles que se habituam à vida política dentro da liberdade aprendem também a dar o devido valor à boa crítica e a colocar à margem a insinuação que é maldosa e que tem como fundamento o interesse e não a busca de uma solução para um problema mais adequado.

Acho que esse clima de liberdade que foi possível manter, que se expressou, disse eu, em primeiro lugar, em termos de uma liberdade de opinião, a mais ampla pela mídia, também se concretizou, e com muita força, no Congresso.

No Congresso Nacional, nos partidos, nos sindicatos, nas igrejas, nas organizações da sociedade civil de um modo geral. Acho que isso tem um peso muito grande.

A sociedade moderna é uma sociedade que funciona dentro da liberdade, não apenas em termos de um Estado de Direito, no sentido em que as regras estão definidas e aprovadas, não apenas sequer nas instituições que asseguram o exercício desses direitos. Mas que funcionem, também, através de uma vastíssima mobilização dos segmentos múltiplos da sociedade, através de organizações que não são governamentais, muitas vezes não são nem institucionalizadas porque são movimentos que nascem, pressionam e desaparecem.

Pois bem, nesses anos todos, nós aprendemos a conviver nessa pluralidade, que é o traço característico da democracia contemporânea. Essa pluralidade no Congresso se manifestou de uma maneira muito clara, muito viva, através da tribuna, através das comissões de inquérito, e a elas se aplica, também, o que disse sobre a mídia.

Muitas vezes não tem os objetivos mais nobres apregoados e pouco a pouco -até isso- o povo foi aprendendo a avaliar e saber o que realmente valia e o que era simplesmente uma manifestação política, não nego a validade dela, mas que não tinha objetivo de apurar fatos, senão o de criar situações políticas incômodas. Mas, apesar de tudo isso, com toda essa liberdade, nós fomos aprendendo a conviver e o povo foi aprendendo -creio eu- a discernir com mais clareza.

E o exercício pleno da democracia e da liberdade supõe precisamente isso, uma escolha, não liberdade se não houver possibilidade de uma escolha. E essa escolha, na medida em que não é consciente, tão pouco vale, em termos de um avanço da democracia.

Quanto mais essa escolha se faz através da compreensão efetiva do significado da escolha, dos condicionantes dessa escolha e dos eventuais resultados dela, melhor, do ponto do amadurecimento da sociedade. Mas o fato é que nós aprendemos no Brasil -isso, repito, vem de mais longe, mais foi se concretizando com mais força nesses últimos anos- a conviver também com essa sociedade que expressa a sua opinião das maneiras mais diversas e muitas vezes as menos convencionais.

O governo procurou o tempo todo reagir a essas manifestações com prudência, eu não gosto da palavra tolerância, mas com a compreensão dos seus limites como governo e da importância, eu diria, até civilizatória de deixar claro que o espaço de liberdade é o mais importante valor para que nós possamos construir uma sociedade mais justa. Eu acredito que este objetivo foi alcançado.

Acredito, também, que essa possibilidade de um clima de maior liberdade fez com que houvesse uma modificação de mentalidade, não apenas de mentalidade no sentido popular, das camadas mais cultas, também, mas no sentido do que o próprio governo aprendeu a ter de se explicar. Isso é importante na democracia.

Nós vivemos num regime presidencialista, num regime que requer, portanto, que o presidente da República e aqueles que representam o governo federal, o vice-presidente, os ministros, exerçamos a nossa função com muito afinco e dentro dos limites constitucionais, mas sem capitular àquilo que é próprio do regime presidencialista.

Mas neste regime presidencialista brasileiro, nós fomos parlamentarizando cada vez mais a relação do Executivo com o Legislativo, no sentido da prestação de contas. O fato de assumir a responsabilidade não nos exime de explicar por que, não nos exime de prestar contas.

Não creio que em outra época da nossa história tenha havido tantas convocações de ministros pelo Congresso Nacional, pelas várias comissões do Congresso Nacional, como nessa etapa de governo. Não creio que tenha havido.

Era possível, com as maiorias disponíveis, e o nosso governo teve um apoio imenso do Congresso, dispor de maioria, como também raramente se viu na nossa história. Essas maiorias nunca foram usadas para dizer: não convoca tal ministro. Ou, esse assunto não. Foi, eventualmente, pedido que não naquele momento, às vezes pelas razões do ministro, às vezes pelas razões políticas. Mas, o governo prestou contas. Prestou contas com muita regularidade.

Alguns dos ministros até assumiram aspecto de senadores, tantas vezes eles foram ao Congresso e com tal capacidade de diálogo parlamentar exerceram as funções que houve até uma certa similitude. Eu me dava ao gosto de vê-los na televisão, eu, que fui senador, e verificar que, às vezes, me parecia que o ministro era mais senador que alguns senadores.

De qualquer maneira, o que é importante ressaltar é o fato de que o governo prestou contas. Prestou contas o tempo inteirinho, como qualquer governo democrático deve prestar. E prestou contas não só ao Congresso Nacional. Prestou contas às várias instituições que requerem uma atenção do Governo.

Aprendemos, também, a conviver -não foi fácil- com alguns movimentos sociais bastante pouco afeitos à prática democrática. E aprendemos a não coibir, mesmo quando havia abuso. Dentro de um certo limite, naturalmente.

E, quando houve necessidade de colocar limites, esses limites, o quanto possível, foram postos com apelo à lei e não com apelo, somente, à ordem imposta, mesmo quando legítima a imposição. Foi pedida a reiteração de atos legais, para circunscrever eventuais abusos.

Isso não foi feito por acaso. Isso foi feito pela profunda convicção democrática que nos move. Profunda convicção. E, muitas vezes, foi até mesmo confundida com a falta de firmeza. Tal é a tradição do caudilhismo, no Brasil, tal é a tradição do mandonismo no Brasil, tal é a tradição do histrionismo no Brasil que, quantas vezes, a tolerância democrática foi confundida com a falta de autoridade presidencial.

Como eu tenho uma compreensão da História um pouco diferente daqueles que têm uma visão mais tradicional, eu nunca me aborreci, sequer, com essas percepções equivocadas do que seja o exercício do poder, numa democracia. Mesmo do poder presidencial forte, como é forte o nosso poder presidencial, pela nossa tradição presidencialista e constitucional.

Esse clima de liberdade, eu disse, penetrou, de tal maneira, na nossa mentalidade, que as decisões fundamentais, mesmo da nossa economia, passaram a ser tomadas com um grau de abertura à sociedade, como em raros momentos da nossa história.

Aqui estão, entre nós, alguns ministros, algumas pessoas que participaram, antes mesmo de eu assumir o governo, da discussão do Plano Real. Não preciso me referir ao Plano Real, aos seus êxitos -o livro conta- mas ao clima no qual ele foi feito.

Havia uma tradição que se chamava, na época, de 'pacotes'. Quantas vezes tive, como ministro da Fazenda, de responder à imprensa que não faríamos pacote algum. Todo mundo esperava um pacote, um diktat, quando a população seria surpreendida por uma decisão que, em certa circunstância, afetava até a sua poupança.

A nossa decisão foi outra. A nossa decisão foi de explicar ao país o que se faria para combater a inflação. E essa explicação teve um efeito extraordinário, porque motivou a população a aceitar as novas regras.

E um povo, como o brasileiro, que tem essa capacidade de compreensão tão rápida e que tem essa capacidade, diria patriótica,de, num dado momento, até mesmo fazer mais sacrifício, mais do que já faz -e é muito- para poder alcançar o resultado, permitiu que uma matéria tão complexa quanto a URV, de que muitos, talvez, já tenham até se esquecido, pudesse ser utilizada e explicada ao povo. E o povo entendeu. E nada foi feito de surpresa, foi dito quando e em que dia a nova moeda estaria circulando. Foi dito qual seria a diferença entre a antiga moeda e a nova moeda.

O mesmo aconteceu, mais recentemente, num episódio, este de contexto que poderia ter sido dramático, que foi a crise da energia onde, outra vez, a decisão do governo foi, uma vez que tinha havido uma incompreensão, da parte do governo, sobre certas questões que levaram, finalmente, a uma possibilidade de racionamento, explicar e pedir o apoio da população.

E explicar tudo. E, de novo, uma espécie de convergência de valores entre a mídia e o governo, porque valores não eram de defesa do governo, mas de defesa da economia nacional e do bem-estar do povo. Foi possível obter um apoio imenso a medidas que, em outros países, dificilmente se conseguiria, de uma auto-restrição do consumo, para que fosse possível superar uma crise grave.

Isso é conseqüência da democracia. Em regimes autoritários, não havendo a liberdade, não havendo uma mídia mobilizável por seus próprios valores e só mobilizável quando coincide a própria mídia com os interesses que estão sendo propostos, com as medidas que estão sendo propostas, não funcionaria. Funciona, quando há esta plasticidade nas estruturas sociais, nos mecanismos da sociedade, que se possa verificar que não existe, ali, manipulação, não existe ali interesse de um governo. O que existe ali é, realmente, a busca de um caminho para solucionar uma situação que afeta a todos.

Acho, portanto que, de novo, o fundamento da democracia foi essencial para as transformações que fomos conseguindo noutros setores. Mas é inegável que a estabilidade da economia foi, também, uma marca que, repito, vem do governo anterior, do presidente Itamar Franco, mas que se consolidou neste governo. Nunca se pode dizer, em matéria de economia, que está consolidado.

A economia requer, permanentemente, uma atitude de vigilância. Já outros famosos disseram que o preço da liberdade é a eterna vigilância. Também o preço da estabilidade é a eterna vigilância. A vigilância que requer, primeiro, de igual modo, na questão democrática, transparência.

Em segundo lugar, capacidade de conter os ímpetos naturais de realizações e de gastos justos, para obter um resultado de médio prazo que signifique a manutenção de um clima de estabilidade. Vêm juntas a estabilidade política e a estabilidade econômica. Eu diria que sem a estabilidade política nós não teríamos conseguido este tipo de estabilidade econômica. E sem essa estabilidade econômica tampouco se conseguiria a estabilidade política.

Um só exemplo: fui ministro da Fazenda antes da estabilidade. O nosso cotidiano era de greves, o nosso cotidiano era de protestos justos, de reivindicação salarial ou de reivindicação de transferência de recursos, como no caso do SUS, por exemplo, nos hospitais.

Três, quatro, cinco meses de atraso no pagamento. É impossível ter estabilidade política num clima em que não se tem um mínimo de condição de um horizonte para saber o que pode ser feito, do ponto de vista econômico e à tranqüilidade a que isso leva a quem está dando a ordem e a quem está recebendo recursos.

Não seria possível manter o clima de estabilidade política relativa, sempre tudo é relativo, se não houvesse, também, essa estabilidade econômica relativa. Portanto, se a democracia serviu de base para a estabilidade econômica, a estabilidade econômica é, por sua vez, condição para que nós tenhamos uma sociedade com esse grau de liberdade e com esse grau de demanda, com esse grau de carência, sem que disso resulte uma crise permanente nas instituições.

E podemos nos orgulhar, nós, brasileiros, de dizer que conseguimos ultrapassar as épocas em que, a cada instante, nós tínhamos, não apenas um mal-estar na sociedade, derivado, não só da situação objetiva, mas da incerteza do futuro e a falta de confiança nas instituições, como nopróprio sistema político, uma espécie de turbulência permanente, uma espécie de golpismo larvar, que era quase um substrato da nossa cultura política. Isso foi desaparecendo com o tempo.

Talvez o momento que tem se verificado com maior plenitude isso foi, recentemente, nas eleições e na transição democrática que nós estamos realizando e que, ganhando a oposição, o governo, ao invés de solapar as bases do governo futuro, prefere entregar ao governo futuro as condições para que ele continue, para que ele possa governar e fazer as modificações que parecer, a esse novo governo, convenientes, mas fazê-las a partir de um certo horizonte, o quanto é possível, de tranquilidade.

Estabilidade política, estabilidade econômica, transparência na gestão da coisa pública. Acho que esse aspecto vale tanto quanto os resultados objetivos do número de estudantes nas escolas, do acesso à saúde para um número maior de pessoas, do acesso à terra. Porque vem junto.

De transparência, democracia, estabilidade da economia e a possibilidade de começar a realizar os avanços sociais de que o Brasil carece. Pois bem, essa transparência está atingindo, dentro do setor público, do governo e do Congresso, um nível muitíssimo elevado.

Poucos países dispõem, como Brasil dispõe, de contas públicas tão visíveis como as nossas. Sob pena até mesmo de isso ser um risco, porque é mais fácil até especular, quando se sabe. Mas a mesma coisa quando em relação à crítica injusta, a especulação também cai mais facilmente, havendo mais números, mais números, mais números, mais transparência que permita destruir os jogos que se possam articular em detrimento do interesse da população e da economia do país.

O fato é que as nossas contas, hoje, são muito transparentes. Custou muito trabalho. Não tínhamos, sequer, contas. Isso veio de longe. Aqui, nesta mesa, há alguns que trabalharam em outros governos, que sabem que já no governo Sarney, se fez um esforço grande para separar a famosa conta movimento do Banco do Brasil, do Banco Central. Vem de longe. Ninguém deve imaginar que inventa a roda. E o pior é, quando a roda já está inventada, fazê-la quadrada. Esse é o risco maior.

O importante é ter a humildade para entender que é um processo. E que esse processo pode sofrer modificações de curso. Mas não deve ser negado o caminho já percorrido. Nós não começamos a transparência no meu governo, vem de antes. Certamente vem de outros governos. Fiz referência apenas a um fato, no caso do governo Sarney, na questão da separação da conta-movimento e da organização do Tesouro Nacional.

Pois bem, no governo Itamar Franco, nos momentos em que fui ministro da Fazenda e antes de mim outros foram, e antes fizeram esforços também, o que acontece? Nós começamos a tentar entender mais as intrincadas relações entre o Banco Central e o Tesouro Nacional, que não se conheciam.

Não se sabia nem quanto o Brasil realmente devia, a rolagem da dívida, em quanto tempo, sabia-se muito pouco, para não falar do Orçamento, onde o Congresso teve uma participação decisiva para permitir que o nosso Orçamento deixasse de ser uma peça de ficção para ser uma peça na qual às vezes a realidade é tão dura que alguns sonham e tentam colocar certos números que não compaginam com a realidade. Mas, de qualquer maneira, no seu caminho principal o Orçamento reflete, hoje, uma realidade. Não refletia.

Isso é uma construção que não aparece nos números, é uma construção que não se vê nas críticas, nem nos elogios, é uma construção do dia-a-dia, trabalhosa, mas que foi sendo feita.

Foi sendo feita e a reorganização das nossas contas, o que é a dívida, como se maneja essa dívida, quais são as condições para que todos saibam de que forma nós organizamos o nosso Orçamento. Tudo isso, hoje, tem regras. Talvez a regra que mais tenha encontrado eco na opinião pública, e com razão, tenha sido a Lei de Responsabilidade Fiscal. Porque ela, de alguma maneira, coroa o imenso esforço. E esse imenso esforço não é um esforço na União, é na Federação, é nos Estados, é nos Municípios.

Alguns, aqui, hão de se lembrar, quando o Ministro Clóvis Carvalho começou a negociação com o Ministro Pedro Malan, que não era Ministro então, ainda, passou a ser, de toda a negociação com os Estados. Nós não sabíamos sequer, nem os Estados sabiam, qual era o nível da dívida.

É preciso não esquecer que a Caixa Econômica Federal tinha paralisado a sua carteira, porque não havia aquele filete de recursos, que era oriundo das dívidas anteriores, que não eram pagas. Hoje, depois desse esforço imenso de reconstrução de todos esses fios que ligam os Estados, os municípios com os órgãos federais, começou a haver, de novo, um fluxo.

E desse fluxo resultou, e não fizemos tudo que quisemos, mas foram feitas dois milhões de casas com o financiamento da Caixa Econômica Federal. De zero passou-se a dois milhões.

É pouco. O déficit habitacional é maior. E toda vez que se compara o que falta, falta muito. Mas quando se olha para trás o que se tinha e o que se tem, andou-se. E se andou porque foi preciso reorganizar o conjunto do aparelho de Estado.

Eu diria, portanto, que ao lado da base democrática, do fato de nós termos, a partir daí, conseguido dar uma condição de estabilidade à nossa economia, à nossa moeda, à reconstrução desses mecanismos todos, isso permitiu também que houvesse, no Brasil, com um sentido de realidade, uma transformação no aparelho de Estado, na administração governamental. As famosas reformas do Estado.

Quantas vezes escutei críticas desassisadas de que o governo queria diminuir o Estado para das espaço ao mercado. Até uma palavra com a qual não concordei, chamada neoliberal, foi usada com insistência. É tanta insistência que alguns até acreditaram.

Na verdade, o que nós fizemos foi outra coisa; foi transformar o Estado para que o Estado tivesse apto a enfrentar a nova realidade. Só isso. Um Estado que tem se haver com uma sociedade que, pela liberdade das demandas existentes, exige muito na área social e que requer competência e competência específica para lidar com os novos fenômenos.

Estado que tem que encarar dimensões novas como o meio ambiente, dimensões novas como os direitos humanos, dimensões novas que não estavam previstas na nossa legislação e que não estavam sequer no substrato básico da nossa cultura cívica.

De 92 para cá, para mencionar a questão do meio ambiente, houve uma mudança radical. E menciono 92 de propósito, porque não foi de 95 ou de 96 para cá, vem de antes. Isso aqui não é resultado de dois mandatos, isso é conseqüência de muitas ações que vem de antes, também, e que nós não temos porque nos apropriar delas. É continuidade, 92 foi um marco com a reunião do Rio de Janeiro.

Hoje não há dimensão importante das decisões publicas brasileiras que não passe pelo crivo da pergunta: é qual é o efeito sobre o meio ambiente? Isso é novidade. Da mesma maneira que não havia Secretaria Nacional de Direitos Humanos.

Da mesma maneira que torturas sempre houve, o crime não era tipificado, o crime não era cobrado. Não posso dizer que não haja, por mais que isso me deixa constrangido, mas não tem de longe qualquer apoio por parte do Estado, senão que pelo contrário, tem a busca imediata de contenção, repressão.

Mas, mais do que isso, era importante, era simbólico, fazer com que aqueles que tivessem sido vítimas de outros tipos de violação dos direitos humanos, mas no plano mais especificamente político fossem, também, ressarcidos, fosse reintegrado, alguns já havia até sido. Mas, de qualquer maneira, para deixar bem claro, que, para nós, a anistia vale. E eu sempre fiz valer amplo senso para uns e para outros.

Nunca aceitei revanchismo como critério de decisão, assim como nunca tolerei a manutenção de nódoas do passado, não queria que se incorporasse à nossa cultura política a idéia da revanche, porque essa não constrói. O que constrói é precisamente uma visão efetiva de modificação das questões políticas num sentido construtivo, mudanças importantes no aparelho de Estado.

No âmbito dessas modificações na área dos direitos humanos, na área do Ministério da Justiça é preciso não esquecer que, embora fosse reivindicação antiga, pela primeira vez há cuidados específicos com certos setores da sociedade brasileira. Um é majoritário: as mulheres.

Não só temos a Secretaria Nacional dos Direitos das Mulheres, como tão importante quanto isso é a preocupação com a questão da igualdade de gênero, porque não se trata da mulher, é de gênero, o homem também tem que assumir isso como um valor democrático da igualdade, passou a ser também uma preocupação.

Preocupação que se traduziu, por exemplo, no Ministério da Saúde, na difusão de programas específicos sobre a saúde da mulher. Pode parecer que isso é uma banalidade, mas não é. Não havia esses programas, e esses programas foram implementados.

Valorização da mãe, nos programas sociais, no Programa da Bolsa-Escola, na distribuição dos recursos, para mostrar que a mulher, no Brasil, 25% das famílias brasileiras são chefiadas por mulheres e, infelizmente, as famílias mais pobres são geralmente as que estão no interior, sobretudo se for no Nordeste do Brasil, no campo, chefiadas por mulheres e negras. Portanto, nós não apenas cuidamos do gênero, mas também da raça, na luta contra o racismo, contra a discriminação racial.

De uma maneira persistente, até simbolicamente, fui lá, a Zumbi dos Palmares. Transformei Zumbi em símbolo nacional, herói da pátria. Tomamos medidas para devolver terra àqueles que viviam nos quilombos. Alguma terra foi devolvida.

O Itamaraty abriu suas portas a um programa especial para dar apoio aos negros que queiram entrar no Itamaraty. Serão poucos, são 20 bolsas. Mas não havia, era zero. E o sinal está dado, o sinal de que este Brasil se orgulha de ser multicolorido. É sinal de que este Brasil não aceita a discriminação contra a mulher, não aceita contra o negro, tampouco com o indígena.

E hoje se tem educação nas línguas indígenas. Nos temos cerca de 180 línguas indígenas diferentes -eu creio que sejam 186- línguas indígenas diferentes, 205 comunidades diferentes e 186 línguas, não temos educação em todas elas, mas temos em muitas delas. Uma das emoções maiores que tive foi em Iauaretê, que é uma fronteira do Brasil com a Colômbia, lá na Amazônia.

Fui a Iauaretê e ali tem uma população indígena, temos soldados, muitos deles, senão que a maioria, indígenas. E entrei na sala de aula. E lá se estudavam duas línguas, era o português, que é de todos nós, e o tucano, que é de alguns de nós, e se ensinava a alguns milhares de índios tucanos que aprendiam seu idioma. São sinais para mim tão importantes quanto alguns êxitos que tivemos na economia, que são sinais de que a Nação está se fortalecendo, são sinais de que nós estamos, realmente, construindo uma nação baseada em valores plurais e na crença da democracia.

Essas modificações no aparelho de Estado para tornar o Estado moderno, um Estado mais apto, como disse, a conviver com os desafios da economia moderna e da sociedade moderna, não significa um Estado menor nem maior, mas mais competente, mais ágil, mais aparelhado. Talvez o símbolo maior desse esforço de reaparelhamento de Estado tenha sido o avanço no que se chama E-government, quer dizer, a utilização dos meios eletrônicos para a gestão pública.

Aqui houve um esforço imenso. Esse esforço começa a ser reconhecido. Nós agora mesmo fomos classificados em primeiro lugar na América Latina em termos de utilização dos meios eletrônicos na gestão. E no conjunto começam a ser reconhecidos. Mas não importa que sejam reconhecidos, o que importa é que são os êxitos efetivos da absorção pelo governo, e não só do governo federal, em muitos Estados.

Notadamente em São Paulo tem havido uma utilização ampla dos meios eletrônicos, da Internet, da difusão da utilização dos computadores, para a gestão da coisa pública. São milhares de páginas que estão à disposição, na Internet, dos nossos programas governamentais. Milhares. Oferecemos cerca de 700 diferentes programas, dando acesso à população, às decisões, não só às decisões, mas à possibilidade de utilizar esse aparelhamento eletrônico para o exercício dos seus direitos.

Para se aposentarem, por exemplo, para enviar o seu Imposto de Renda, por exemplo. E por aí vai.

Quer dizer, essa modificação é importante. Essa modificação foi possível porque, nas transformações pelas quais passou o Estado brasileiro, houve uma radical diferenciação entre o que era função própria de Estado e o que não.

O que é função própria de Estado passou a ser muito mais viabilizado, porque nós demos mais recursos, é função própria do Estado, naturalmente, a garantia de acesso à educação, à saúde, aos programas de assistência social, à reforma agrária.

O gasto social usado está aqui. Nunca foi tão alto no Brasil. Nunca foi tão alto em termos do Orçamento nem per capita. Nunca foi na nossa história. As médias estão aqui. Isso foi possível, não só dotando de dinheiro, de recursos financeiros, mas modificando a estrutura do Estado, para que o Estado pudesse chegar lá, onde é necessário que chegue, nas áreas mais carentes, atendendo às populações mais pobres.

Modificamos muito todas as áreas de educação, de saúde, de assistência social, de reforma agrária. Modificar essas áreas significa cortar o clientelismo e significa diminuir, portanto, a influência direta das indicações e dos favores partidários na máquina de Estado. Caro custou e ainda não está completo. E não significa que os partidos não possam ter indicações, porque podem. A democracia é isso. A competência é que tem que vir junto com as indicações.

Os contratos de gestão, por exemplo, no caso do Ministério do Desenvolvimento Rural e Reforma Agrária, passaram a ser norma para a contratação dos funcionários que vão assumir a responsabilidade de certas áreas. Isso é uma modificação que não se mede em números, mas que se mede em termos da orientação, da mentalidade, da cultura que se está desenvolvendo. E isso foi feito em todos os ministérios.

A Previdência Social teve modificações profundas. Quanto tempo esperava alguém para obter sua aposentadoria? Quanto tempo espera hoje? A modificação é radical. E os benefícios aumentaram, em valor e no número de pessoas que são alcançadas. Para não repetir, porque já é mais conhecido o que aconteceu na educação ou o que aconteceu na saúde. Não está completo.

Na saúde, todo mundo se queixa, e com razão, porque são 170 e tantos milhões de brasileiros. Cobrimos, com os médicos de família e com os agentes comunitários, quantos? Cinquenta milhões em um caso, oitenta milhões em outro caso - metade. Mas não era nada. Era zero ou quase zero. Então, de novo, olhando para trás, o avanço é grande. Olhando para a frente, falta bastante. Mas o que falta pode ser feito, desde que se continue com essa mesma orientação de buscar focalizar o gasto e chegar aos que mais necessitam.

Aí se mudou muito a estrutura do Estado. Mudou-se no sentido de que também nós descentralizamos decididamente. E o governo federal, de alguma maneira, nessas áreas, recebe recursos via Imposto e transfere recursos. Transfere recursos maciçamente para os Estados e para os municípios. E, às vezes, diretamente para os municípios.

Um país do tamanho do Brasil, com mais de 5.500 municípios, não pode ser governado de Brasília. Preocupa-me quando as pessoas imaginam que, centralizando, resolvem. Não. Não resolve, centralizando. Eu sei que, descentralizando, pode haver até certa perda de eficiência momentânea, pode haver certo descontrole, pela falta de aparelho local, capaz de agir com maior propriedade.
Pode haver outro tipo de corrupção, menor, porque os recursos são menores. Pode haver. Pode haver perda de vantagem política para o governo, sobretudo para o presidente, porque tudo parece ter sido feito pelo prefeito ou pelo governador e não pelo presidente. Mas, que importa isso? O que importa é o Brasil avançar. E o Brasil avançou.

E, com o tempo, esses órgãos locais, sobretudo na medida em que a sociedade ficar mais ativa e pudesse interagir mais com os órgãos locais, controlar mais as comissões, por exemplo, na questão do Estatuto da Criança e do Adolescente, ou na questão relativa ao problema das escolas, com as Associações de Pais e de Mestres, ou na saúde, nos Conselhos de Saúde.

Na medida em que isso for acontecendo, vai levar décadas, está bem, mas um país, uma Nação se faz pensando no futuro, pensando na eternidade e não pensando no dia, apenas, de amanhã. As sementes estão lançadas para um novo Brasil. Para um Brasil muito mais articulado, a partir de suas bases, e que utilizem os recursos federais de uma maneira mais efetiva, atendendo as populações que precisam e descentralizando, e fazendo com que o controle local aumente.

No futuro, quem sabe, a mídia, ao invés de ter a fixação tão grande -e acho até bom isso- aqui, sobre o governo central, descentralize um pouco a sua preocupação, para ajudar, como ajudou aqui, ajudar na base, a modificação dos processos, o controle do olho da sociedade, a respeito do que está acontecendo nesses locais. Haverá isso. Leva mais tempo, leva menos tempo, mas haverá isso.

Mas se nós avançamos nessas áreas, se, na assistência social foi possível, pela primeira vez, enfrentar a questão do trabalho infantil, com o Peti, Programa de Erradicação do Trabalho Infantil. Se foi possível com o Loas, implementar o Loas, seja um programa para as pessoas idosas, cujas famílias não têm renda suficiente.

Se isso atinge mais de um milhão de pessoas, hoje. Se foi possível, efetivamente, com o Bolsa-Escola, atingir 9 milhões de pessoas. Se foi possível criar, com os meios eletrônicos, instrumentos para que essas coisas pudessem ocorrer. Se o Projeto Alvorada abriu esperança a uma boa parte da população mais pobre do Brasil. Se disso tudo derivou, como derivou, o fato de nós termos recebido, agora, um prêmio, que será entregue no dia 9 de dezembro, nos Estados Unidos, pelo reconhecimento das Nações Unidas que nenhum país, em matéria de desenvolvimento humano, avançou tanto quanto o Brasil, nesses últimos tempos.

Se tudo isso é verdadeiro -e é verdadeiro- nós não podemos esquecer, também, que, noutras áreas, nas áreas mais tradicionalmente chamadas 'duras', de governo, modificamos muita coisa. 'Duras', estou me referindo às áreas que têm interface com investimento. Na área de infra-estrutura e na área daquilo que, antes, era ação direta do Estado.

Se nós não tivéssemos modificado e criado as agências, que não são só para essas áreas, há agência, também, na vigilância sanitária, por exemplo, na questão das águas, que nunca tinha sido pensado, no Brasil, hoje há uma agência que define a questão das águas.

Portanto, há esses instrumentos, que são uma inovação no nosso Direito Público porque, na verdade, isso vem de uma tradição que não é a tradição do Direito Napoleônico, mas é uma tradição de outra espécie, é uma certa delegação do governo a um órgão que passa a ter uma independência, diante do próprio governo, portanto, difícil de ser assimilado pela cultura nacional do mandonismo: 'Não é possível que o presidente não mande'.

Mas é possível, desde que haja outro tipo de controle. Criamos as agências. E essas agências permitiram que aqui, ao invés de o Estado, pura e simplesmente, encolher, como gostariam os que são, realmente, neoliberais, o Estado atuasse com mais presteza, com mais competência e com mais vivacidade.

Isso vale para a telefonia. Isso vale para o petróleo. Isso vale para a energia elétrica. Enfim, isso vale para uma série de órgãos, como vale, agora, para as estradas, que nós modificamos, a agência começou a funcionar. Isso modificou a relação do Estado com os seus usuários e com os investidores. Modificou, não no sentido de que o Estado 'lava as mãos e deixa que o mercado opere'. Não!

Quando o mercado opera sozinho, ele concentra renda e ele nem sempre vai beneficiar a maioria. Modificou para que haja uma possibilidade de, na inexistência de recurso, em qualquer lugar do mundo, de Estado, capaz de suprir o que os investimentos requerem, que houvesse o apelo ao investimento privado. Mas esse investimento privado tem uma conotação pública, porque ele afeta o interesse da maioria.

E, portanto, o Estado tem obrigação de algum tipo de controle. Como tem obrigação de controlar a concorrência, no Cade, no Ministério da Justiça. Tem obrigação nessas várias áreas. E, com isso, o que que aconteceu? As privatizações, no Brasil, uma ou outra terá tido problema de êxito mas, na sua imensa maioria, permitiram um avanço considerável, ainda no momento em que o Brasil, fazendo um esforço para a estabilização da economia, tivesse que restringir, infelizmente, por falta de recursos, uma ação mais eficaz, no investimento direto público.

Apesar disso, não houve esmorecimento da ação no investimento, nas áreas vitais. Talvez o caso mais claramente de êxito tenha sido na telefonia, onde a privatização se fez com uma enorme vantagem para a multiplicação dos usuários e para o aumento do investimento.

Também, no caso da telefonia, é bom dizer que não se partiu do zero. A Telebrás foi uma grande obra de Governos aos quais me opus, mas que tiveram um sentido de necessidade nacional e que souberam que, em certas questões fundamentais, havia que atuar. E, na telefonia, o êxito foi muito grande. A Telebrás e a Embratel realizaram uma modificação importante. Só que o Brasil cresceu muito e os recursos públicos escassearam muito. Havia que dar um salto. Esse salto foi feito através da privatização.

Esta privatização, quando foi feita, o Brasil controlava, o governo federal controlava apenas 20% do total do capital das empresas telefônicas do Brasil. Esses 20% foram vendidos por 28 bilhões de dólares, o que, se multiplicar por 5, então vamos ter US$ 140 bilhões, o valor daquele momento. Talvez, hoje, o valor dessas empresas todas, eu não sei, não quero afetar mercados. Mas, os 28 bilhões foram um preço extraordinariamente elevado.

Não que nós tivéssemos cobrado o que não devíamos. Cobramos o que foi a leilão. Mas o momento foi favorável. O Tesouro ganhou. E o povo? Nós passamos de 3 milhões de telefones fixos para quase 50, ministro, milhões de telefones fixos. Em quantos anos? Cinco anos. Nós passamos de quase nada de telefone celular para 32 milhões -cada vez que encontro o Ministro das Comunicações aumentou um pouquinho- 32 milhões de telefones celulares. Ou seja, o Brasil dispõe, hoje, entre fixos e celulares, de oitenta e poucos milhões de aparelhos.

Envergonhava-nos ver a proporção entre telefones e população, entre telefones e famílias. Hoje, já estamos numa posição mais confortável. Em cinco anos! O investimento foi imenso. O governo não teria como fazê-lo.

Ou, poderia, mas, aí, nós não teríamos Peti, não teríamos Bolsa-Escola, não teríamos Bolsa-Alimentação, não teríamos Bolsa-Gás, porque teríamos que concentrar o recurso no investimento produtivo e não no investimento social.

Tomemos outra área, que é a área de energia, que é a mais crítica, talvez, porque sofremos um revés duro, em 2001, com a questão do 'apagão'. Ainda assim, durante este governo, nós fizemos o equivalente a, mais ou menos, duas Itaipu. Não é isso, Ministro? O equivalente de duas Itaipu. Através de quê? De dezenas de usinas hidrelétricas. Das que estavam paralisadas em 95, eram umas 18 ou 20, 15 estão concluídas.

Terei o prazer de, dentro de poucas semanas, ir a Tucuruí, para iniciar a máquina, fazer girar a máquina que está dobrando a produção em Tucuruí. Houve um aumento enorme da produção de energia elétrica. Ela esteve paralisada, sim, porque a Constituição de 88 mudou a forma de investimento e permitiu a concessão de serviços públicos. Ocorre que, entre 88, quando foi proclamada a Constituição e quando foi aprovada uma lei, da qual me orgulho, porque é minha, de concessão de serviços públicos, foi em 95.

Foi preciso eu ser ministro da Fazenda e presidente da República, para negociar firme com o Congresso e aprovar essa lei, que permitiu a retomada dos investimentos no setor de energia.

Então, se houve a paralisação que houve, foi antes. E o investimento em energia demanda tempo. Entre 95 e 2001, fizemos o equivalente a dois e meio Itaipus. Ou seja, em seis anos, a energia que foi gerada no Brasil equivale a nós termos construído duas vezes e meia Itaipu, que é a maior usina, até hoje, do mundo. Isso se fez com recursos que não são públicos, só. Ao contrário, alguns são, mas uma boa parte é recurso privado, pela mesma razão, de escassez de recursos públicos.

E as linhas de transmissão? O crescimento de linhas de transmissão é assombroso. E a interconexão das bacias. Não vou voltar à questão de 2001. Parte é erro nosso, do nosso sistema de alerta. É indiscutível. Só que nós mudamos. Reconhecemos o erro e mudamos o que havia de erro no sistema de alerta.

Parte foi a paralisação de investimento, e parte, naturalmente, foi a chuva que não veio e nós apostamos demais que Deus é brasileiro. Eu acho que ele é. Tanto é que não houve o apagão. É o primeiro caso de um apagão que não houve, porque o povo brasileiro conseguiu, através de medidas espontâneas, evitar que houvesse o blackout e que houvesse o corte de energia.

Refiro-me a isso, e o petróleo? E o petróleo, que nós, ao quebrarmos o monopólio, mantivemos a Petrobrás com o governo federal. Quantas vezes ouvi gritaria sobre o petróleo. Logo eu, que fui processado por defender a Petrobrás, em outras épocas.

Pois bem, o que aconteceu com o petróleo? Com a competição, com a abertura de novas bases de trabalho, formas de trabalho, a produção da Petrobrás dobrou, mais que dobrou, nesses anos. Dobrou. A Petrobrás produzia menos de 700 mil barris por dia. Hoje, está entre 1 milhão e meio, 1 milhão e 600 mil barris.

Nós ainda importamos, mas também exportamos. E, nos últimos meses, a relação exportação-importação é superavitária, porque nós exportamos gasolina, porque no fracionamento do óleo bruto nós produzimos mais gasolina do que necessitamos no Brasil, e menos diesel. Então, nós temos que importar diesel e exportamos gasolina. Em termos das nossas contas está equilibrado.

Dentro de muito pouco tempo nós vamos ter, realmente, uma posição ainda mais confortável, porque novos campos começam a ser postos em exploração, estão sendo descobertos. E a Petrobrás só ganhou, nesses anos todos, como empresa, transformou-se na maior empresa da nossa região e uma empresa competente e capaz de levantar recursos pelo mundo afora.

Então, também nessa área de energia, na área de petróleo, na área de telefonia o Estado mudou para suscitar um investimento que não fosse um investimento em detrimento do interesse nacional. Nem tudo são rosas, sempre é difícil.

Estou aqui contando algumas coisas e sei também das dificuldades, como mencionei algumas. E haverá muitas outras mais. Mas o fato é que houve uma transformação muito forte da estrutura do Estado, no modo como o Estado se organiza para que possa permitir que o Brasil entre nesse novo século, como está entrando, pisando firme e com capacidade de se defender, de defender seus interesses, com muita firmeza e com muita tranqüilidade.

Quero lhes dizer que, nessas áreas, até mesmo nas áreas mais difíceis, nas áreas de transportes, onde escasseou o recurso público, pelas contingências da economia e onde não foi possível buscar um investimento privado tão ativo, ainda assim. Se nós vimos o que foi feito em portos, só para mencionar os principais, portos cujos nomes não se pronunciavam porque não havia: Suape, Pecém, Sepetiba. Reforma total do Porto do Rio Grande, Porto de Cabedelo. Vários portos. E a lei dos portos? E quando era senador, era o sonho de alguns e pesadelo de outros.

Hoje, funciona a lei dos portos e o custo do transporte portuário do Brasil caiu. Sendo que alguns portos são competitivos já, mesmo a nível internacional. E era isso a lamentação cotidiana da questão dos portos.

E as estradas? Continuam ruins, é verdade. Mas estão melhorando bastante. Nós fizemos a duplicação da Fernão Dias, está terminando. A duplicação da 101 para o Sul do Brasil, vamos continuá-la, vamos chegar até lá, em Palhoça Osório. Vamos levar de Florianópolis para o sul. Vamos levá-la adiante. E já foi feita essa duplicação. A 364. É que o Brasil é imenso.

As estradas são imensas também, custam caro, mas estão sendo feitas. A 232, com a ajuda de Pernambuco. A da Paraíba, João Pessoa. E por aí vai. Lá no Acre, que nunca teve, está chegando agora. Espero ainda inaugurar o encontro entre o Brasil e o Peru, lá no Acre. Onde nunca, nenhum presidente da República jamais tinha sequer ido.

Hoje tem estrada. Precária. A chuva é difícil, paralisa, falta recurso, emperra aqui. O Tribunal de Contas, com razão, é rigoroso. Mas, mesmo nessa área, avançamos. Então, o Estado não se paralisou, não ficou paralisado, não ficou um Estado refém de mercado nenhum, ficou um Estado mais competente para, a despeito das rugosidades da vida, continuar avançando.

Não quero cansá-los, que já falei demasiado, mas queria mencionar esses aspectos que não estão nos números, estão na mudança das estruturas, da mentalidade e tudo o mais, e do senso de responsabilidade que nós temos que ter, sempre, na condução da coisa pública, não só na área econômica, mas em geral.

Quero me referir ao fato de que esta transparência alcançou o governo como um todo. Hoje, nós temos, aqui, a Ouvidoria Geral da República, a Controladoria da República, que exerce atividade cotidianamente. Críticas ou denúncias, numa sociedade aberta, são práticas cotidianas. Agora, o valor delas tem que ser pesado com muita cautela e com muita firmeza porque, muitas vezes, não se referem a fatos objetivos ou, muitas vezes, se referem sim, e aí tem que ser coibidos.

Hoje, está tudo na Internet. Houve denúncia, está na Internet, e qualquer brasileiro pode acompanhar para saber em que estágio está esta denúncia. É transparente. E porque é transparente, porque se fala mais, alguns pensam que aumentou a corrupção. É o contrário. Aumentou foi a consciência de que a corrupção não serve. E, portanto, tem que ser denunciada. E não houve um ato, um, de longe, do presidente, ou de quem quer que seja, no governo, para dizer: isso não apura. Nunca.

Para não falar noutras áreas que eu não quero deixar de mencionar que é a área que eu vou mencionar já, que é a área rural e a área produtiva. Só vou falar de mais duas questões. Dessas áreas e da questão do interesse da defesa nacional e da nossa política externa. Nas áreas produtivas que não as referidas por mim, na área agrícola, houve uma transformação completa.

Encontrei o Brasil -não encontrei, eu já estava, eu já tinha sido ministro, não estou culpando, portanto, ninguém -numa situação em que a nossa agricultura estava endividada, em que só se falava, quando eu fiz a campanha, em 94, da TR, juros e mais TR.

Hoje, a taxa de juros é de 8,74%. Desconfio que o ministro da Fazenda, nessa altura, deve achar que já está negativo. Eu mesmo desconfio. Se for para a pequena propriedade, para a agricultura familiar, é de 4,75%.

Fizemos o programa Moderfrota que permitiu uma modificação, a modernização do nosso equipamento agrícola com uma velocidade inacreditável. E o resultado está aí. Alcançamos mais de cem milhões de toneladas de grãos. Isso é grão. Mas e a cana e o café? Nós somos, hoje, de novo, primeiro em cana, primeiro em café, segundo em soja, segundo em frutas, terceiro em milho, eu creio. E por aí vai.

Talvez só um ou dois países, eu acho que um só, produz mais que o Brasil. Nós produzimos mais do que suficiente para alimentar a nossa população. Quando há fome, não é por falta de produto, é por falta de renda, ou má distribuição de renda.

Também modificamos a agricultura familiar. Não havia o conceito. A reforma agrária, os números estão aí. Gritem o que gritarem. A verdade é que nós fizemos, em oito anos, o dobro do que o Brasil fez em 30. Três vezes mais, diz o Ministro, do que o Brasil fez em 30, que foi quando começou processo de reforma agrária.

Mas não é só distribuir terra. Nós desapropriamos terra e pagamos, equivalente ao Estado do Paraná. Uma área equivalente ao Estado do Paraná, 20 milhões de hectares de terra. Nunca houve um alcance tão grande na História, salvo talvez com alguma revolução e matando gente.

Bom, aqui não só houve isso, como há o apoio à agricultura familiar. Que não havia. Era zero. Agora são alguns bilhões. Quatro bilhões de reais que são postos à disposição do agricultor familiar, com essas taxas de juros a que me referi. Vinte por cento da população economicamente ativa do Brasil continuam no campo, é preciso dar atenção a essa população.

A produtividade pode ser essa ou aquela, mas a produtividade que nos interessa é a da vida, viver melhor, essa população precisa de apoio. Pode reclamar, não importa, eles precisam de apoio. Ainda quando alguns exagerem na demanda, os que vão ser beneficiados pela demanda não estão exagerando, precisam do apoio.

Houve uma modificação muito grande na questão produção, a produtividade foi muito aumentada. Mas não pensem que foi só no campo. Não vou me referir, senão de passagem, como já fiz, algo que aconteceu no setor terciário, porque toda transformação, com a utilização dos meios de comunicação modernos e da Internet, produziu uma transformação enorme e o Brasil se beneficiou indiretamente da inflação porque os nossos bancos tiveram que, mais rapidamente do que outros, ter uma agilidade enorme.

Então, essa agilidade hoje no setor de serviços é muito grande também. Mas, no setor de indústria, quantas vezes ouvi que o Governo estava, por causa da política cambial do primeiro mandato, sucateando a nossa indústria. Não quero entrar nessa discussão cambial, que é delicada e não é o momento apropriado.

Mas, não apenas houve a necessidade de controlar a inflação via câmbio, como houve a necessidade, dada a abertura, de modernizar a nossa indústria. E o câmbio 1 por 1, ou quase 1 por 1 -nunca foi- facilitou a importação e a modernização da nossa indústria. Ela se reequipou.

Quando forem olhar o que foi importado, o que chama a atenção é o que menos conta, porque o grosso que foi importado foram máquinas e insumos industriais. Num primeiro momento, a indústria sofreu. Num segundo momento, ela reagiu. Ela reagiu e se modernizou. E o que antes parecia ser destroço, hoje, é glória.

Vejam a moda, vejam os têxteis, vejam os calçados, vejam a indústria de mobiliário, vejam a Apex, vejam o esforço de promoção comercial, de novo, ativado. E os grandes setores, acaso se desnacionalizaram? A siderurgia não tem grandes players nacionais? E a nossa siderurgia não cresceu? E ela não é competitiva? E não é tão competitiva que os Estados mais poderosos põem freio para evitar que ela penetre com mais força e ponha em risco, lá, os seus produtores, que têm menos capacidade competitiva? Não mudamos isso? E nós não exportamos aviões? E nós não exportamos telefone, hoje em dia -telefone celular?

E não estamos mantendo a nossa indústria de equipamentos, que podia avançar mais, a indústria de bens de capital, que só não avançou mais por causa das dificuldades do nosso entorno, porque, normalmente, a exportação era para esse entorno da América do Sul? E isso, por acaso, esses players, uma boa parte deles não é nacional? E não são nacionais os grandes players dos bancos? E não é estatal a maior quantidade de depósito público? E o Banco do Brasil não foi modernizado e hoje não é uma corporação que funciona sem interferência política e é ativa, grande e cresce? E a Caixa Econômica Federal não tem quase 100 mil funcionários, porque tem menos hoje, mas é mais ativa e não mudou sua estrutura e não tem seus escritórios de negócios e não está em situação financeira mais saudável? E os Correios não são uma grande empresa pública, uma grande corporação pública?

Esse é o nosso Estado. Não é um Estado desmilinguido. Não é um Estado que esteja se retraindo. Não. É um Estado que está transformado para servir melhor ao país. E, para servir melhor ao país, temos que ter a consciência dos nossos interesses. Essa consciência impõe que o Brasil tome em consideração as suas necessidades de defesa.

Não fizemos tudo que precisávamos fazer na área das Forças Armadas. Algo fizemos. Construímos o Ministério da Defesa, com o apoio das Forças Armadas. Modelo brasileiro, não modelo imitado. Levamos tempo definindo essa forma. Fizemos o Sivam, contra tudo que é CPI que inventaram. Hoje, os autores da CPI deviam...

Esse era o objeto da CPI: perguntar por que fizeram, se foi para atrapalhar o bem do Brasil. Está lá o Sivam, funcionando. Estamos, lá, da mesma maneira, tratando, agora, de ampliar a nossa capacidade com o VLS.

Continuamos fazendo. Estamos reequipando a nossa Força Aérea. Tomamos as decisões de reequipamento, num momento difícil para o Brasil. Mas as compras começaram a ser feitas. As nossas forças de terra, que são as mais numerosas, talvez não tenham tido o apoio necessário, mas o possível. E os comandantes sabem que eu, pessoalmente, tenho me empenhado para conseguir que haja um atendimento mais adequado. Não é ainda, mas não deixamos de olhar com muita atenção essas questões.

Não deixamos de olhar com atenção para a nossa Marinha. Conseguimos, de toda maneira, mantê-la em condições de operação, como as nossas forças de terra e de ar. E a questão dos transportes para as forças de terra, que sempre foi uma questão que me impressionou bastante, hoje, com o apoio dado à Aeronáutica e com o apoio dado, mais recentemente, para a compra de equipamentos de transportes das Forças de terra, estamos melhorando a condição de operação dessas Forças. Criamos o Gabinete de Segurança Institucional, para separar aquilo que é questão de Estado, inclusive com a Abin, cuidando das questões políticas. Também foram um avanço o Ministério da Defesa e o Gabinete Institucional.

Precisamos, certamente, no futuro, olhar com mais carinho -carinho significa recursos- para o reequipamento. Mas, graças ao espírito que existe nas nossas Forças Armadas de patriotismo e de profissionalismo, que não canso de louvar, a despeito de tudo, a capacidade operacional se mantém.

A capacidade de responder aos desafios necessários para que mantenhamos a nossa cabeça erguida está mantida. Isso tudo implica uma política externa, que é de defesa. Nós definimos a política de defesa. As nossas Forças Armadas... E a definição não foi militar. Foi do governo e foi do Congresso. Existe uma política de defesa.

Nós não temos nenhum ímpeto agressivo, mas somos um país grande, de costas grandes, de território imenso, fronteiras dificilmente cuidáveis. São quantos mil quilômetros de fronteira? Dezesseis mil quilômetros de fronteira terrestre e 8.500 de fronteira marítima. Os Estados Unidos e o México têm 3 mil quilômetros de fronteira.

Os jornais noticiam, a cada instante, que essa fronteira é furada pelos contrabandistas, pelos narcotraficantes. Três mil. Nós temos 16 mil, mais 8 mil; 25 mil, somando as frações, de quilômetros. É muito difícil. Isso não implica que nós, pela dificuldades, devamos cruzar nossos braços. Não vamos cruzar os nossos braços. Mas o fato é que precisamos dar uma atenção maior.

Eu disse, outro dia, que, assim como coube a mim a responsabilidade histórica de enfrentar a questão da inflação, caberá ao novo governo a responsabilidade histórica de levar adiante uma política de segurança mais ativa na questão de narcotráfico, na questão do crime, e assim por diante. Não quero eximir a nossa responsabilidade.

O Ministério da Justiça sabe os esforços que foram feitos, até mesmo porque não havia nem sequer, por exemplo, a tipificação do crime de lavagem de dinheiro no Brasil. Não havia a capacidade de controlar, como hoje tem, pela Coafi, os fluxos de recursos que podiam ser postos de um lado para o outro no Brasil.

Mas o fato é que essa questão é uma questão de interesse permanente do Brasil e vamos ter que continuar na segurança interna e na segurança externa. E isso vai requerer também um afinamento, que sempre houve, entre o conjunto dessas forças e a questão da política exterior do Brasil, a questão da nossa política externa.

Todos sabem qual foi o ritmo que dei à política externa. Falam de diplomacia presidencial. São contingências do mundo contemporâneo. Com o telefone, com os transportes rápidos, os chefes de Estado têm que se encontrar, assim como os Ministros das áreas mais sensíveis têm que estar em contato permanentemente, porque, queiramos ou não, o planeta se tornou mais próximo, tornou-nos mais próximos uns dos outros, graças a essas modificações tecnológicas.

A questão do Brasil, hoje, é uma questão não apenas de reafirmar o Mercosul -isso está fora de discussão-, de avançar na questão da América do Sul.

E a nossa discussão com os nossos vizinhos andinos vai muito bem. Espero, ainda, assinar um acordo-quadro de relacionamento entre o Mercosul e os países andinos, ainda, se for possível, neste ano. Em algumas áreas, com acordos bilaterais com o México, com o Chile, agora, com o Peru, estão avançando, estão andando.

Alguns já estão feitos. Mas não podemos nos isolar do mundo, porque o mundo não só existe, como somos parte dele. O relacionamento com a China nunca foi tão bom. No relacionamento com os novos mercados da Índia, nunca tivemos nada. Agora temos.

O relacionamento com os países árabes, também. A posição do Brasil foi sempre uma posição de busca de relacionamento a todos os lados do mundo e nunca nos deixamos levar pelas visões maniqueístas, nem nunca deixamos de dar a devida atenção àqueles que são do nosso hemisfério, àqueles que vivem na nossa América Latina.

Nunca aceitei isolar Cuba. Nunca aceitei isolar Cuba. E não foi preciso. Todos respeitaram a posição do Brasil. Nunca ninguém fez qualquer pressão sobre mim ou sobre o governo a respeito de decisões que eu tenha tomado em política externa, ainda quando elas não tivessem sido aquelas sustentadas pelos países mais poderosos ou pela maioria.

Isso, sem arroubos verbais, retóricos, de crítica, mas com uma noção da importância do Brasil, com a noção da nossa importância histórica.

E, da mesma maneira com que assim agimos, agimos com relação ao caso da Palestina, agiremos de acordo com o caso do Iraque. E sempre repudiamos o terrorismo e vamos continuar a repudiar -eu, pelo menos- porque isso não tem nada a ver com objetivos generosos de política. Tem a ver com uma distorção do que é a política.

E, nesse caso, o Brasil foi o primeiro a pedir a utilização do Tratado Interamericano de Defesa, porque isso é o que nos dá a nossa autoridade moral, no mundo. É que nós não somos 'seguidistas', nem de um lado e nem de outro. Nós somos 'seguidistas' dos nossos valores e dos nossos interesses.

Esses interesses se manifestam não apenas nos grandes problemas políticos internacionais, mas no cotidiano da defesa da nossa economia.

Nunca o Brasil reclamou tanto, na Organização Mundial do Comércio, como agora, e nem no GATT. Nunca. Nunca houve tantas questões levantadas por nós, em defesa da nossa economia, contra quem quer que seja: Estados Unidos, Canadá, União Européia, Japão. Quem quer que seja.

E nós não tínhamos, sequer, a competência jurídica, no passado, para fazer a defesa dos nossos interesses. Agora, começamos a tê-la, e não só o governo, os empresários também. E estabelecemos, sempre, um canal de comunicação com os empresários para que possamos, efetivamente, defender os interesses, que não são deles só, são do Brasil. Quando sejam deles só, problema deles; quando é do Brasil, problema nosso, também. Até mesmo uma política mais ativa, para permitir a exportação. Não entrarei em detalhes.

O governo nunca se furtou a fazer, não diria as pressões, mas as informações necessárias para que os nossos produtos possam alcançar mercados de terceiros países.

Essa política externa não é minha, é nossa. Nossa, que eu digo, é da história do Brasil, é uma tradição do Brasil. Uma política de independência, de crença n
 

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