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19/01/2003 - 04h21

Petista pode fundar nova globalização, diz filósofo

TIAGO AGUIAR
da Folha de S.Paulo

István Mészáros, 72, filósofo húngaro, é um dos maiores pensadores da esquerda contemporânea. Radicado na Universidade de Sussex, na Inglaterra, desde 1991, trabalhou com o também húngaro Georg Lukács. Mészáros participará do Fórum Social Mundial (FSM), em Porto Alegre, onde fará palestra no dia 24, primeiro dia de conferências, na mesa "Contra a Militarização e a Guerra".

O filósofo é um crítico da globalização nos moldes do Consenso de Washington, o receituário neoliberal. Para ele, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve ser o fundador de um novo modelo.

Autor de "Para Além do Capital" (2002), uma releitura de "O Capital", de Karl Marx (1818-1883), Mészáros defende negociações multilaterais e diz que o desenvolvimento do Brasil dependerá de uma radical ruptura com as práticas adotadas.

A "responsabilidade fiscal" buscada por Lula, segundo ele, não será empecilho para o cumprimento das promessas sociais.
Sobre política, Mészáros diz que a democracia na América Latina ainda não está estabelecida.

No Fórum Social Mundial, ele lançará o livro "O Século 21: Socialismo ou Barbárie?", pela Boitempo Editorial.
Leia trechos da entrevista:

Folha - O que o fato de Lula ser um político de esquerda representa para o Brasil e a América Latina?
István Mészáros
- Sem dúvida, a eleição de Lula é um evento da maior importância. Isso não pode ser negado nem pelas forças conservadoras que se opuseram a ele. Mas o verdadeiro significado da vitória de Lula será revelado quando ele desapontar as expectativas dos seus novos "apoiadores", que se aliaram a ele na tentativa de impor políticas conservadoras: os liberais.

Folha - O que o sr. acha das comparações que foram feitas entre Lula, Fidel Castro e Hugo Chávez?
Mészáros
- As comparações servem para sublinhar que a América Latina precisa de uma profunda, realmente radical, mudança. Quando se fala de Lula, Fidel e Chávez, não se pode deixar de mencionar [Salvador" Allende, que também tentou introduzir mudanças radicais no seu país [Chile], e morreu na tentativa. Aqueles que não entendem a necessidade de mudanças continuarão ignorando os líderes que se formam. Mas esses líderes continuarão aparecendo até que as razões sociais e históricas que os criam sejam resolvidas.

Folha - Como o sr. considera que devam ser conduzidos o comércio e as relações políticas entre Brasil e Estados Unidos?
Mészáros
- Os formuladores das políticas americanas continuam a pensar que o modo correto de levar essas relações é impondo uma "dependência estrutural" aos vizinhos. E isso não é um fenômeno recente. Por quase todo o século 20, os EUA viram a América Latina como o seu "quintal".

Naturalmente houve mudanças, mas basta ler as memórias de Henry Kissinger para perceber que os "benefícios" do Norte são meramente "táticos" para que o status quo seja mantido. A negociação deve continuar sendo perseguida, mas com uma redefinição de metas para buscar uma "igualdade substantiva" entre as partes.

Folha - Lula é o terceiro presidente eleito pelo voto direto após o regime militar. Qual a sua opinião sobre a consolidação da democracia no Brasil e na América Latina?
Mészáros
- Quando você me pergunta isso, lembro de Mahatma Gandhi. Quando lhe foi indagado o que ele achava da civilização ocidental, Gandhi disse que "seria uma boa idéia". Infelizmente, democracia no continente ainda está no patamar de "seria uma boa idéia".

Folha - Existe um ditado em política que diz que o poder funciona como um violino: você pega com a esquerda, mas realmente o toca com a direita. Lula pode ir para o centro durante o mandato como uma forma de assegurar a governabilidade e a reeleição?
Mészáros
- Não esqueça que existem verdadeiros artistas que podem tocar instrumentos, inclusive um violino, com a mão esquerda. A marca de políticos de estatura, como Lula, é que eles podem enfrentar adversidades e perseguir um objetivo com tenacidade, apesar das tentações que os empurram na direção contrária dos compromissos originais.

Folha - Quais os caminhos para o Brasil se desenvolver?
Mészáros
- É sabido, e agora até mesmo abertamente admitido, que as teorias e práticas do passado para remediar o subdesenvolvimento no Terceiro Mundo falharam. É ingênuo pensar que a ajuda do capital dominante mundial será a solução. O desenvolvimento do Brasil dependerá de uma radical ruptura com essas teorias e práticas.

Folha - Lula prometeu responsabilidade orçamentária e compromisso com as causas sociais. Como ele fará progresso nas duas áreas?
Mészáros
- Não acho que essa seja uma questão de uma coisa ou outra. Pelo contrário, estou convencido de que a idéia de responsabilidade orçamentária sem comprometimento com causas sociais é uma contradição em termos. O que é necessário é uma mudança estrutural, que se torna uma impossibilidade a priori se impusermos as imposições de responsabilidade orçamentária do FMI ao compromisso com as causas sociais. Devemos nos convencer de que a chave para alcançar a "responsabilidade orçamentária" é promover as condições sociais necessárias ao progresso.

Folha - O sr. acredita que Lula possa fundar um novo modelo, diverso do Consenso de Washington?
Mészáros
- Eu realmente espero por isso, pois o chamado Consenso de Washington não é de forma alguma um consenso. Ele representa a internalização das forças dos seus representantes mais importantes. O presidente pode iniciar um processo de mudança. Lula pode realmente dar uma importante contribuição à forma coletiva de resolver esse problema [a representatividade de poucos].

Folha - Lula pode seguir um caminho similar ao das administrações de Tony Blair, na Inglaterra, ou de Lionel Jospin, na França, adotando políticas ortodoxas para manter a governabilidade?
Mészáros
- Dificilmente. Seguir os passos de Blair e Jospin só pode causar problemas em vez de promover governabilidade. Alienando as esquerdas, Jospin deu um corpo para o fantasma de Le Pen [o candidato ultra-direitista derrotado no segundo turno por Jacques Chirac" e acabou em terceiro lugar na corrida presidencial. Na Inglaterra, todas as recentes eleições dos sindicatos têm dado vitória a candidatos radicais. Aqueles apoiados por Blair têm sido sistematicamente derrotados.

Folha - Na sua opinião, quais devem ser as prioridades de Lula?
Mészáros
- Lula iniciou a sua Presidência anunciando uma guerra contra a fome, o que demonstra a importância que o presidente dará aos problemas sociais. Mas será necessário que o governo marque uma posição firme na questão das dívidas para não ter suas mãos atadas por pressões do FMI [Fundo Monetário Internacional].

Folha - Na sua opinião, quais são os principais riscos ao governo?
Mészáros
- Eu posso pensar em duas fontes de preocupação. A primeira: instabilidade social proveniente de um desapontamento das expectativas populares. A segunda: um bloqueio da economia mundial devido a uma guerra que saia do controle e que leve a um "fechamento" catastrófico do comércio mundial.

Folha - Qual a importância do Fórum Social Mundial?
Mészáros
- É enorme. Os corpos sociais se unindo em um fórum social mundial são catalisadores para a criação de uma ordem social alternativa que, de outro modo, seria inconcebível.

Folha - O sr. irá participar do FSM. Quais as idéias que pretende apresentar e defender no encontro?
Mészáros
- Pretendo falar sobre o maior problema do nosso tempo: o perigo de uma guerra surgida das contradições insolúveis do imperialismo global hegemônico. O Fórum Social Mundial tem um papel vital na mobilização popular contra esse perigo.

Folha - Quais são os grandes desafios às idéias da esquerda no futuro próximo?
Mészáros
- A esquerda precisa se recuperar da derrota sofrida pela implosão das sociedade de estilo soviético. A ordem estabelecida, sob o controle do capital, encontra-se em profunda crise estrutural. O papel histórico da esquerda socialista é elaborar e instituir uma alternativa viável. A estrada para essa alternativa pode ser bastante difícil. Mas eu acredito que ela está mais próxima hoje do que em qualquer outro momento.

Veja também o especial Governo Lula
 

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