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26/01/2003 - 16h56

Leia a entrevista concedida por Lula no Fórum de Davos

da Folha Online

Após discursar no 33º Fórum Econômico Mundial, em Davos (Suíça), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva respondeu a perguntas de participantes do encontro.

A entrevista foi mediada pelo diretor-gerente do fórum, José Maria Figueires, e divulgada pela Secretaria de Imprensa e Divulgação do Palácio do Planalto.

Lula começa a entrevista falando das prioridades para solucionar o problema da fome.

"O dado concreto é que nós não podemos ficar assistindo, no mundo contemporâneo, no milênio em que toda a humanidade quer a paz, a países e mais países gastando bilhões e bilhões de dólares em armamentos ou, muitas vezes, gastando dinheiro em coisas que não são prioridade.

E nós olhamos os países do terceiro mundo, sobretudo na África, na América Latina, e nós percebemos que milhões e milhões de mulheres e crianças morrem porque não conseguem comer as calorias e as proteínas necessárias.

Se o mundo detém tecnologia, se o mundo detém terra, se o mundo detém capacidade de produzir alimento para toda essa gente, a pergunta que se faz é: por que não cumprimos com a nossa missão de seres humanos e damos aos outros a oportunidade de, pelo menos, comerem três vezes ao dia?

É um desafio para o Fórum de Davos, é um desafio para os governantes do mundo inteiro, é um desafio a colocarmos a sensatez para funcionar, ao invés do individualismo de cada um de nós.

Pergunta: O senhor mencionou a importância do Fórum de Porto Alegre. E nós concordamos que não há mais avanços porque os fóruns não se comunicam. Como podemos integrar as idéias, as questões e as propostas de Porto Alegre a Davos?

Presidente: Eu não sei como é que nós iríamos fazer para que os dois fóruns se entendessem. A única coisa de que eu tenho certeza é que se ficarmos, no Fórum Social Mundial, reunido em Porto Alegre e vocês aqui, no Fórum Econômico, reunidos em Davos, sem conversar, chegaremos a um novo milênio fazendo as mesmas coisas e discutindo somente entre aqueles que concordam conosco, seja aqui ou seja em Porto Alegre.

Eu penso que está na hora de todos nós darmos uma demonstração de que temos coragem e de que queremos criar, de verdade, um mundo novo. Eu penso que está na hora de os representantes do Fórum de Davos conversarem com os representantes do Fórum de Porto Alegre, que o ano que vem não será mais em Porto Alegre, será na Índia.

Mas, vocês vão perceber que tem muita coisa em comum. Isso é como numa negociação simples, entre um empregador e um sindicalista. Parece que as distâncias são enormes, mas, quando se sentam na mesa para negociar, a gente percebe que tem vários pontos que precisam apenas ser melhor ajeitados, para que a gente possa colocar a política para andar.

Eu estou convencido de que é plenamente possível, pelo que eu conheço, do Fórum Social Mundial, e pelo que eu conheço do Fórum aqui, por leitura, se sentarem em torno de uma mesa, tem muita coisa em que, para surpresa de vocês, haverá concordância entre os dois fóruns.

Pergunta: É uma alegria muito grande a gente estar vendo aqui, no Fórum de Davos, a consolidação do diálogo, isso que o senhor está dizendo. Acho que isso é importante para o mundo, e o senhor está representando essa consolidação, nesse momento. Parabéns.

Eu sou um empreendedor, em Brasília, um dos três jovens brasileiros participantes, esse ano, da reunião, como um dos global leaders for tomorrow. Eu acho importante o senhor partilhar com todos os presentes, os amigos, aqui, de todo o mundo, um pouco mais sobre esse novo contrato social, esse pacto social brasileiro, que está lá, agora, sob o seu comando. Obrigado.

Presidente: Antes, eu queria dizer que uma semana antes de eu vir aqui, no Brasil, se tentou criar uma certa confusão entre a minha presença em Porto Alegre e a minha presença aqui.

E eu disse aos companheiros de Porto Alegre as razões pelas quais eu viria aqui. E é engraçado, porque, se tinha 70 ou 80 mil pessoas lá, todos eles me aplaudiram quando eu disse que vinha a Davos defender os interesses das pessoas que acredito representar no meu país e em outras partes do mundo.

E isso é um pouco do contrato social que nós queremos criar, no Brasil. Eu fui eleito Presidente, não por méritos pessoais, não como resultado da minha inteligência, mas muito mais pela elevação do grau de consciência política da sociedade que eu represento e, sobretudo, dos setores mais oprimidos da sociedade.

Mas, se não fosse a capacidade de interlocução que nós criamos, com vários setores empresariais, possivelmente nós não teríamos ganho as eleições. É importante lembrar que o meu Vice-Presidente é um grande empresário que tem 17 mil funcionários e exporta 60% de tudo o que ele produz no Brasil. E é uma pessoa com quem eu tenho uma afinidade extraordinária, nos tratamos como companheiros, efetivamente companheiros.

E isso possibilitou que, durante o processo de campanha, nós tivéssemos conversas com banqueiros; tivéssemos conversas com empresários, grandes, pequenos e médios; tivéssemos conversas com os grandes proprietários de terra. E colocássemos, numa mesa de negociação, banqueiros e bancários, fazendeiros e trabalhadores sem-terra, grandes empregadores com desempregados.

Nós fomos construindo uma coisa que nos deu uma base para um Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, com a participação de muita gente, de vários setores da sociedade.

E isso permitiu a nós descobrir o seguinte: nós vamos estabelecer um novo contrato social. O que é isso? É tentar fazer o ajuste que precisa ser feito, nas relações entre a sociedade brasileira. É costurar um pacto social, não pensando cada um na sua corporação, mas que o Brasil precisa de uma chance. O Brasil precisa de que, em algum momento, cada um de nós deixe o nosso egoísmo dentro de uma gaveta e demos uma chance ao Brasil para que ele possa crescer. Porque o Brasil não pode continuar sendo um gigante adormecido. E, se Deus quiser, nós vamos acordá-lo, para que ele seja respeitado como precisa ser, no mundo inteiro.

Pergunta: Como o Presidente acha que o Brasil fará para pagar as dívidas, se serão necessários novos empréstimos. Enfim, como lidar com a situação de dívidas e de financiamentos internacionais, para se chegar a essa solução, a esse novo contrato social? O que fazer, em relação às exportações, como aumentar as exportações e acabar com o protecionismo?

Presidente: A primeira coisa que eu acho importante é que o que eu mais fiz, na minha vida, foi negociar. E eu acredito que os países ricos sejam duros, na defesa da sua política protecionista, mas acredito, também, que nós não devemos ceder a essa dureza dos países ricos. E vamos brigar.

E pode ficar certo que muitos amigos meus, Presidentes de outros países, vão perceber que, a mesma dureza com que eu fiz sindicalismo no Brasil, construí um partido político e cheguei a Presidente, eu vou ter nas nossas relações internacionais.

Nós não aceitamos a idéia de que o livre comércio só valha para os países em desenvolvimento, pobres. É muito importante que os países ricos acabem, de uma vez, com toda essa política protecionista, para que a gente possa disputar, em igualdade de condições.

Por que não adianta investirmos em tecnologia, não adianta investirmos na produção de grandes técnicos, porque, na hora em que vamos vender os nossos produtos, as barreiras tarifárias estão impedindo que os nossos produtos cheguem aos mercados consumidores.

E nós vamos fazer isso. Pode ficar certo, nós temos consciência de que com todas as dificuldades que estamos enfrentando agora, no começo, e não são pequenas, em nenhum momento eu deitei desanimado, achando que as coisas são difíceis. Até porque eu nunca tive nenhuma experiência fácil na minha vida. Eu fui comer pão, a primeira vez, com sete anos de idade.

Eu sou de uma terra onde, se as pessoas não morrem até completar um ano de idade, já é um milagre. E eu não morri, cheguei a Presidente da República. E podem ficar certos que vocês vão ouvir falar muito de um Presidente briguento e que defende os interesses da sua Nação.

Eu quero respeitar o direito de todo o mundo, mas quero que os outros também respeitem o direito do Brasil. Não queremos ser tratados como cidadãos de segunda categoria. Queremos ser tratados em igualdade de condições. Porque respeito é bom, nós damos e gostamos de receber.

Ao encerrar, Lula disse:

Presidente: O fantástico é eu voltar para o Brasil e meus companheiros do Fórum Social Mundial perceberem que estou voltando inteiro, ninguém comeu nenhum pedaço de mim.

E, também, é importante eu sair daqui, e mesmo aqueles participantes do Fórum de Davos que não estão aqui, também terem a confiança de que o Lula não comeu nenhum pedaço deles.

E, aí, está colocada a possibilidade de um encontro entre os dois povos.


  • Com Agência Brasil


    Veja também o especial sobre os fóruns globais
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