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17/11/2008 - 09h48

Imunidade trava ações contra embaixadas

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FERNANDA ODILLA
da Folha de S.Paulo, em Brasília

Tramitam na Justiça do Trabalho mais de mil ações contra consulados, embaixadas estrangeiras e organismos internacionais no Brasil. São, em sua maioria, faxineiras, jardineiros, motoristas e consultores que pleiteiam indenizações referentes a benefícios trabalhistas e previdenciários. Mesmo com sentenças favoráveis, os trabalhadores dificilmente vão receber os direitos assegurados.

O juiz do Trabalho Rubens Curado, do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), disse que o acordo é a única forma de ver os direitos transformados em dinheiro. Segundo ele, Estados estrangeiros e organismos internacionais não são obrigados a executar as sentenças, graças à imunidade assegurada por convenções internacionais.

"É o famoso ganha, mas não leva", disse Curado. Ele admitiu que acordos recentes foram conquistados graças a piquetes e acampamentos durante quase dois anos nas portas das representações diplomáticas. Decisões de primeira instância de penhorar bens e contas de embaixadas têm sido derrubadas com freqüência pelo TST (Tribunal Superior do Trabalho).

Ainda assim, não pára de crescer o número de processos trabalhistas. Há hoje mais de 800 ações em aberto contra organismos internacionais, em especial órgãos da Organização das Nações Unidas, de acordo com o Departamento Trabalhista da Procuradoria Geral da União, órgão da AGU (Advocacia Geral da União).

Contra embaixadas, o último levantamento contabilizou 194 processos em 2005. Portugal tinha o maior número de processos: 79 reclamações trabalhistas. O número registrado hoje é quase o dobro do contabilizado entre 1995 e 2000, quando o TST listou 630 ações trabalhistas contra embaixadas e organismos internacionais.

"Se a lei fosse boa, não estaríamos nessa situação", disse Raimundo Medeiros, 64, que ganhou indenização de R$ 87 mil referentes aos 17 anos que trabalhou para a Líbia e espera estar vivo quando o valor for pago. A faxineira Clemir Bispo contou que não cabem mais recursos para receber R$ 17 mil da embaixada da Espanha, que, depois de se recusar a executar a sentença, deu início a um processo de negociação.

A reclamação do jardineiro Norberto Evangelista da Costa, 38, é a mesma. "O dia da indenização nunca chega", disse Costa, que espera há mais de dois anos um acordo com a embaixada de Camarões para receber R$ 110 mil que a Justiça do Trabalho lhe concedeu.

A demora em receber uma indenização de R$ 570 mil, sem juros, fez o economista Rudi Braatz recorrer à Corte Interamericana de Direitos Humanos contra uma das agências da ONU. "O governo brasileiro ignora essa situação", afirmou Braatz, que durante sete anos cumpriu jornada exatamente igual aos seus colegas concursados dentro do Itamaraty.

Ao deixar o emprego na embaixada do Gabão, o motorista Cristiano Souza, 33, descobriu que não havia um centavo de Fundo de Garantia do Tempo de Serviço depositado. Além de não ter os direitos trabalhistas assegurados, os funcionários brasileiros do Gabão relatam episódios nos quais foram alvos de chacota e preconceito. "Eu era praticamente um prisioneiro. Muitas vezes, dormia na embaixada mesmo", afirmou Souza. Procurada, a embaixada do Gabão não respondeu.

Raimundo Oliveira, presidente do Sindnações (Sindicato dos Trabalhadores em Embaixadas, Consulados e Organismos Internacionais), critica a atitude do Itamaraty. Ele reclamou também da lentidão do Ministério Público do Trabalho. Segundo Oliveira, denúncias contra 50 embaixadas e 17 organismos protocoladas no Ministério Público em 2004 só agora começam a ser apuradas.

"Conseguimos convencer a maioria das embaixadas a assinar carteira. Mas muitas não pagaram benefícios retroativos", disse Oliveira, que se reuniu na semana passada com o Ministério Público do Trabalho para traçar uma estratégia contra o descumprimento da lei.

Outro lado

As embaixadas que se dispuseram a falar sobre as ações trabalhistas que respondem na Justiça brasileira reclamam da complexidade da legislação do Brasil. Os organismos internacionais, por sua vez, informam que contratam com base em regime próprio, distinto das leis nacionais. Ambos recorrem à imunidade garantida por convenções internacionais para se recusarem a pagar indenizações pleiteadas.

Para a embaixada da Indonésia, a lei no Brasil "é muito complexa e favorece muito o empregado". A embaixada, por meio de nota, informa que pagou todos os direitos e benefícios ao faxineiro Juraci Alves. Mesmo que a decisão da Justiça do Trabalho seja favorável a Alves, vai alegar imunidade para não pagar o trabalhador.

Fidele Wamba, conselheiro da embaixada de Camarões, reclama da postura dos trabalhadores que acionam a Justiça contra o país africano. "Essas pessoas estão de má-fé", disse, referindo-se Norberto Costa, Afonso Leite e todos os outros que esperam um pagamento de indenização. Wamba é contra acordos. Segundo ele, os ex-funcionários não reclamavam quando recebiam em dólares. "Quando nos levam à Justiça, nos defendemos. Agora falam em negociação. Deixa [a ação] correr", disse.

As representações estrangeiras têm alterado a forma de pagar os funcionários brasileiros. Antes, dispunham de um valor fixo em dólar, sem distinguir férias, hora extra e outras contribuições.

Situação diferente é a dos organismos internacionais, em especial os ligados ao sistema das Nações Unidas, de acordo com José Tubino, coordenador do sistema no Brasil. Segundo ele, os contratos seguem regime jurídico próprio, com benefícios diferentes dos previstos na legislação brasileira.

Além disso, ele disse que o sistema ONU tem imunidade garantida por normas escritas. "Não resta alternativa senão solicitar aos órgãos do governo brasileiro que informem ao Poder Judiciário sobre suas imunidades".

Sem informar a quantidade, Tubino disse que o número de funcionários reduziu bastante depois que o sistema ONU assinou termo para mudar a forma de contratação. "O sistema foi abusado pelos usuários", admitiu, referindo-se a grande quantidade de contratos para servir nos ministérios brasileiros.

 

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