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28/05/2003 - 07h06

Não cometerei erro em política, diz Lula

CLÓVIS ROSSI
da Folha de S.Paulo, em Brasília

Em sua primeira conversa prolongada com jornalistas brasileiros no Brasil, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva exibiu tão formidável confiança nele mesmo que chegou a afirmar não vai cometer "nenhum erro em política, interna ou externa".

Mais: "Vou fazer o jogo político como jamais foi feito nesse nosso mundo velho de guerra".

A autoconfiança que permeou toda a conversa de cerca de 90 minutos explodiu quando Lula já estava de pé, junto à grande mesa redonda de seu gabinete, no qual se reuniram 11 jornalistas credenciados para acompanhar a viagem do presidente a Evian (França), para a reunião do G-8, ou de veículos que têm credenciados. Lula havia conversado com jornalistas brasileiros uma única vez, em Davos (Suíça).

A conversa de ontem, como a anterior, foi sem gravadores ligados, mas sem restrição para que todas as declarações fossem reproduzidas e todos os assuntos fossem abordados.

O único momento em que o presidente esboçou irritação foi quando a Folha perguntou por que o gênero "Lulinha paz e amor" só estava sendo quebrado em relação aos "mal chamados radicais, que defendem posições históricas do partido".

Ao terminar a conversa, perto de 20h, o presidente, de terno marrom claro e camisa azul, orgulhou-se de ter perdido 6 ou 7 quilos desde que assumiu, graças a um rígido programa de condicionamento físico.

Contou que, todo dia, acorda às 6h, anda 4.200 metros, sempre com a mulher, Marisa, e "com um companheiro massagista".

Leia abaixo o resumo da conversa, por temas tratados:

PLANO CONTRA A FOME

Lula diz que "alguma coisa precisa acontecer" em relação ao problema da fome. Defende algum tipo de organismo multilateral, "que pode ser a FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura)", para cuidar do tema.

Depois de ter lançado proposta idêntica no encontro anual 2003 do Fórum Econômico Mundial, em Davos, Lula conversou sobre o assunto com muitas lideranças, em busca de "um leque de apoio e solidariedade", na medida em que acha que a proposta "não pode ser apenas do presidente do Brasil".
Completa Lula: "Precisa da cumplicidade do mundo, senão cai no vazio".

FUNDO PARA INFRA-ESTRUTURA

O presidente defendeu também a idéia de constituir um "fundo de investimentos em infra-estrutura" para facilitar a integração física da América do Sul.

"Não tem político brasileiro que não tenha falado em integração do continente, mas raríssimas coisas foram feitas", atacou, embora ressalvando os passos dados por seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso, em relação à Venezuela.

A tese de Lula é usar os bancos nacionais e regionais de fomento para promover obras de integração física da região. "Sem integração física, não há comércio e, sem comércio, não há desenvolvimento", afirmou.

Ainda sobre integração, disse que Brasil e Argentina jamais tiveram, antes, a possibilidade de ter tão boas relações como agora, "sem vaidade e sem disputa (de liderança)".

Rejeitou o rótulo de "líder da região", colado nele pelo presidente venezuelano Hugo Chávez. "Ninguém se auto-indica líder. Ou vem de forma natural ou não acontece", acha.

Mas acredita também que a liderança do Brasil será natural. "O Brasil sempre foi muito respeitado, mas tratou a América do Sul com desdém, porque tinha coqueluche pela Europa."

ALCA

"O Brasil vai participar da negociação, em defesa de sua indústria e de sua soberania", afirmou.

Mas deixou claro que a prioridade para o Brasil é muito mais a América do Sul do que a Alca (Área de Livre Comércio das Américas).

Primeiro, ao dizer que a pior proposta dos Estados Unidos, na negociação da Alca, foi para o Mercosul. "Os EUA querem negociar seus temas sensíveis na Organização Mundial do Comércio, mas negociar os temas sensíveis para o Brasil na Alca. Se manda uns para a OMC, tem que mandar os outros também", afirmou.

O presidente citou o alto custo, nos EUA, para fabricar álcool combustível a partir do milho. "Por que não compram da gente? Para gerar emprego no campo para eles próprios", respondeu ele mesmo. "Não podemos viver da ilusão de que vão abrir mão daquilo que beneficia seus produtores", completou.

Aproveitou para anunciar que o Brasil está fazendo gestões junto ao governo japonês para vender álcool combustível, aproveitando o dispositivo do Protocolo de Kyoto que determina a adição de certa porcentagem de álcool à gasolina. "Se o Japão adicionar 10% de álcool à gasolina, já dá 50% de todo o álcool que o Brasil produz", calculou.

MST
O presidente pediu cuidado ao se acusar o MST de praticar atos de violência.

"O MST não pode ser acusado de tudo o que acontece [no campo]", afirmou. E comparou: "Assim como uma associação de jornais não pode ser culpado por tudo o que os jornais fazem em todo o Brasil, o mesmo acontece em relação ao MST, que é um movimento nacional e às vezes fica sabendo pelos jornais desse ou daquele ato".

Voltou a defender "reforma agrária tranquila e pacífica", admitiu "exageros aqui e ali", mas pediu que não se responsabilizasse "a totalidade nem dos sem-terra nem dos fazendeiros".

O presidente disse que a prioridade no momento é transformar em "áreas altamente produtivas" os assentamentos já existentes, "80% dos quais estão em situação delicada".

Mas, cobrado sobre a velocidade a ser adotada na reforma agrária, respondeu: "Não é Fórmula 1. Não estamos preocupados com velocidade, mas em fazer [a reforma] de maneira muito criteriosa".

Prometeu para "logo, logo" um pacote sobre reforma agrária, sem antecipar uma data.

Disse também que não vai mudar a medida provisória que impede desapropriação de áreas invadidas (reivindicação do MST), mas que tampouco pensa em utilizá-la.

JUROS

O presidente repetiu a tese que já havia exposto em entrevista em Cuzco (Peru), segundo a qual os juros altos são "da economia herdada". A redução dos juros virá, mas "não de forma prematura" e, sim, "no momento político escolhido".

Defendeu o Banco Central por ter resistido às pressões para reduzir os juros na reunião da semana passada. "Se atendesse à gritaria de "baixa, baixa" dos editoriais e dos colunistas, passaria a ceder a qualquer pressão", comentou o presidente.

Mas, ao mesmo tempo, admitiu que a redução dos juros "é um desejo coletivo. Do Palocci ao Meirelles, do José Alencar ao Lula, do Gushiken ao Vicentinho, do Vicentinho ao Clóvis Rossi, todos querem baixar os juros".

Mas disse que a queda só virá quando "tivermos a certeza de que a inflação vai cair definitivamente".

Depois, comentou que o problema maior não é a taxa Selic (a de referência, usada nos títulos públicos), mas os juros reais cobrados de pessoas físicas e jurídicas. "A economia real é tocada a uma outra taxa que ninguém sabe qual é, mas que todos sabem que é muito alta", afirmou.

Emendou: "Nenhum país do mundo pode se desenvolver se a taxa de juros do governo for maior do que a taxa de lucro advindo da produção. Esse é o problema que temos que resolver".

A pergunta seguinte óbvia foi: como? Primeiro, Lula citou o fato de que, nos EUA, financia-se a compra de imóveis a 30 anos, com juros de 5% ou 6%. No Brasil, "os banqueiros se queixam de que não tem garantia de que, se o cara não pagar, vão ter a casa de volta", comentou.

"Temos que fazer um ajuste", afirmou, para depois dizer que o governo "tem coisas para anunciar nessa área", sem no entanto descer a detalhes.

Antecipou apenas para os próximos dias o anúncio do "maior projeto de cooperativas de crédito da história deste país".

ECONOMIA, NOVA E VELHA

O presidente Lula voltou ao tema da "herança" recebida, ao dizer que só ao pegar "o carro" (o governo), percebera que "o tanque estava vazio". A "velha" economia herdada gerou tanto os juros altos como um superávit fiscal maior do que o governo anterior acertara com o FMI (Fundo Monetário Internacional).

A nova economia "não se faz por decreto-lei", mas por uma "construção política", que já está, segundo o presidente, em andamento.

Será uma economia "de investimentos no setor produtivo e de geração de emprego com distribuição de renda".

Lula mencionou o PPA (o plano plurianual de investimentos) como uma espécie de embrião dessa nova economia.

"Antes, era uma peça de ficção. Agora, será discutido com os segmentos organizados da sociedade", afirmou.

Lula queixou-se de que não apenas não pôde fazer nada novo, mas, pior ainda, "não podemos fazer muito nem sequer no que temos", em alusão às rodovias, que, segundo ele, "foram totalmente abandonadas".

Embora tenha repetido que não quer ficar "chorando o leite derramado", criticou dois de seus antecessores: Fernando Collor, por suas "invenções", e Fernando Henrique Cardoso, por não ter mudado a política cambial em 1996, preferindo preocupar-se com a reeleição.

A nova economia do PT será uma política "sólida, madura e conversada com as pessoas", afirmou Lula.

Segundo o presidente, todos os empresários com os quais têm se reunido dizem que "nunca haviam sido chamados para dar palpite".

JOSÉ DIRCEU

Sobre o ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, ter dito que juros altos e superávit também elevado travam a economia, Lula fez uma crítica velada.

Primeiro, afirmou que ninguém faz mais discursos do que ele, durante os quais diz "grande parte das coisas que falei a vida inteira". Mas emendou: "Um presidente da República não pode sair por aí vendendo negativismo. Você acha que eu sou louco? É vender terrorismo".

Completou: "Muitas vezes o que se discute nesta sala não se pode discutir publicamente. Por isso, vocês inventaram o tal de off", em alusão ao jargão jornalístico para informações nas quais se omite a fonte.

VIOLÊNCIA

Lula diz que a polícia brasileira "não está preparada para enfrentar o crime organizado".

Trata-se de "uma indústria poderosíssima, com braços no Poder Legislativo, no Poder Judiciário e no empresariado, em todas as instâncias da sociedade".

"A polícia -comentou- precisa ser mais preparada, mais inteligente, mais sofisticada".

O presidente disse que a reação quase automática de "invadir a favela" em busca de narcotraficantes atinge "possivelmente a parte mais frágil, contratada para fazer as maldades, mas [não atinge] os graúdos que vivem numa cobertura no 29º andar ou estão em Paris comendo escargô".

Como nos outros temas, Lula evitou qualquer promessa de reestruturação da segurança pública, fora a menção a programas já divulgados e em andamento, como os cinco presídios federais.

Descartou, no entanto, o uso do Exército na segurança pública. "Não vou pôr um soldadinho de 20 anos para combater o exército do Beira-Mar", afirmou.

O presidente pediu cautela em relação à chamada "Lei do Abate", a que permite que aviões suspeitos sejam derrubados. "Todo mundo quer, mas, na primeira vez em que for abatido um avião com inocentes dentro, morre o governo", disse.

POLÍTICA SOCIAL

O presidente primeiro mencionou a necessidade de ter alguém "coordenando tudo", mas depois lembrou que já há esse alguém, a ministra Benedita da Silva (Assistência Social).

Por extensão, negou que Ciro Gomes (Integração Nacional) possa ser o coordenador, conforme se especula muito em Brasília.

RADICAIS DO PT

Lula lembrou que o PT já expulsou três deputados (José Eudes, Bete Mendes e Airton Soares), por terem participado do Colégio Eleitoral que elegeu Tancredo Neves/José Sarney, em 1985, contrariando a orientação partidária.

Depois disse que "ninguém é proibido de falar o que pensa", mas, "se não concorda com as diretrizes do partido, se afasta".

A diretriz do partido, segundo Lula, será dada pela maioria da bancada. "O PT é assim e vai continuar sendo assim. Cada um tem liberdade de entrar e sair [do partido]. O que não pode é falar mal do partido dentro dele."
 

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