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28/05/2003 - 16h24

Leia íntegra do discurso em que Lula comete gafe sobre doentes mentais

da Folha Online

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva discursou hoje no lançamento da política nacional de saúde mental, em Brasília, em que cometeu gafe ao chamar de loucos os doentes mentais.

Leia abaixo a íntegra:

"Vocês percebem que nós temos que mudar o tratamento da doença mental no nosso país.

Eu, se soubesse que a Maria Fernanda [Cândido] tinha trabalhando no Caps, teria me internado lá. Mas só vim saber depois. E, ainda, se o [Rodrigo] Santoro fosse o ajudante dela, a Marisa teria ido junto.

Meu querido companheiro ministro da Saúde, Humberto Costa,
Minha querida companheira Marisa,
Meu querido companheiro Geraldo,
Meu caro ministro Miro Teixeira, das Comunicações,
Meu caro companheiro Luiz Dulci, ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República,
Companheiro Nilmário Miranda, secretário dos Direitos Humanos,
Companheiro Álvaro, advogado-geral da União,
Meu companheiro Paulo Delgado, autor do projeto de lei,
Meus companheiros deputados, médicos, prefeitos,
Meus amigos preocupados com a saúde brasileira,

Eu acredito que falar de doença mental não deve ser difícil para ninguém, porque nós estamos elaborando um projeto de lei e sabemos que o problema não atinge apenas aqueles que já foram identificados como pessoas com algum problema de deficiência, porque a dura realidade é que todos nós temos um pouco de louco dentro de nós. Todos nós. Quem não acreditar, é só fazer uma retrospectiva do seu comportamento pessoal nos últimos dez anos, que vai ver como já viveu esse momento.

Eu tive, diria, não o prazer, mas eu tive o primeiro contato com a fábrica de loucos neste país, em 1973. Eu era primeiro secretário do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Tinha recentemente me afastado da indústria Villares, para exercer a direção do sindicato. E um amigo meu me procurou dizendo que não estava bem. Ou melhor, a mulher dele me procurou dizendo que o marido não estava bem, tinha sido internado. E eu fui me inteirar da história e fui visitar esse amigo meu num hospital psiquiátrico.

Só para ter uma idéia, companheiro Humberto, da constatação da gravidade do problema no Brasil, é que esse rapaz, metalúrgico da Villares, aliás, porteiro da empresa, devia muito no comércio de São Bernardo. E devia muito para companheiros dentro da fábrica.

E ele começou, então, a receber ameaças de companheiros que iriam bater nele, que iriam receber à força o que ele devia para muita gente. O que ele fez? Ele tinha uma namorada que era enfermeira, num hospital psiquiátrico. Eles combinaram e, num sábado de manhã, ele entrou numa loja, onde teve um comportamento de quem estava muito, mas muito nervoso, para dizer a palavra correta, muito louco. Ele começou a quebrar os vidros da loja, começou a agredir os funcionários, e essa enfermeira, então, começou a gritar que ele estava louco.

Conclusão: veio a polícia, ou melhor, chamaram uma ambulância, que levou o cidadão para um hospital, onde essa moça trabalhava. Deram-lhe um "sossega, leão" e essa pessoa ficou simplesmente três anos internada.

Eu fui vê-lo depois de muito tempo já fora, trabalhando normalmente e fui visitá-lo algumas vezes. Toda vez que queriam fazer alguma coisa com ele, por conta das suas dívidas, ele tinha um ataque, quebrava alguma coisa, batia em alguém e mais "sossega, leão", e mais tempo lá.

Então, isso demonstra que não é possível que o ser humano não seja tratado com respeito a partir da família. É importante ter em conta que um programa desses, além da força da lei, precisa ter uma grande disposição de reeducar a sociedade brasileira para conviver com as coisas que, muitas vezes, as pessoas da família têm vergonha.

É importante um processo combinado, para que a gente tenha um processo de reeducação da sociedade brasileira, para que a gente volte a acreditar naquilo que o Santoro disse: "nada é mais importante para a cura de uma doença mental, do que o carinho, o amor dedicado por aqueles que estão próximos da pessoa afetada."

E um segundo momento foi na nossa Clínica Anchieta, em Santos, quando a Telma era prefeita e o Davi Capistrano era secretário da Saúde, em que eu vi sob meus olhos, acontecer uma revolução na cabeça do ser humano.

A primeira vez que eu visitei a Clínica Anchieta, a convite da Telma, eu me deparei com mulheres, homens e jovens, totalmente deformados, pessoas que defecavam no chão, pessoas que urinavam, pessoas que faziam sexo como se fossem verdadeiros animais irracionais, e poucos meses depois, eu pude voltar a Santos e conviver com parte daquelas pessoas que estavam segregadas a um mundo animal, trabalhando em creches, ajudando a cuidar de crianças.

Essa revolução pode ser feita a partir de uma lei como esta, ela pode ser feita na medida em que o governo tenha a dimensão de necessidade, na medida em que o governo consiga envolver a sociedade e na medida em que a gente consiga formar uma nova consciência no Brasil, porque, lamentavelmente, nós ainda somos um país onde há "lei que pega" e "lei que não pega". E eu quero dizer para vocês que todas as leis que nós fizermos vão pegar, porque elas têm que ser consubstanciadas num debate que envolva a sociedade brasileira.

Acabo de assinar uma mensagem que deverá acompanhar o projeto de lei encaminhado ao Congresso Nacional. Faço isso porque a política de saúde de nosso governo tem o compromisso de fortalecer ações que garantam o atendimento gratuito de qualidade a todos os brasileiros e brasileiras. Tem o compromisso também de ser um fator de inclusão social.

E, nesse sentido, a política de saúde mental tem um papel importante a cumprir. Esse projeto de lei quer instituir o auxílio de reabilitação psicossocial com o qual beneficiaremos quase 20 mil brasileiros que hoje vivem em hospitais psiquiátricos.

São pessoas que, muitas vezes, não precisariam do tratamento em regime de internação. Mas que, por causa da perda de vínculos com a família, ou por questões econômicas, encontram dificuldades para retornar ao convívio social. Para essas pessoas, o auxílio representará um incentivo à sua reintegração à sociedade e ao resgate de sua cidadania.

O programa "De Volta para Casa" convoca a sociedade para uma mudança de comportamento, para a construção de um espaço de tolerância e acolhimento desses pacientes. E, principalmente, para o combate ao preconceito.

O esforço brasileiro pela inclusão social dos pacientes mentais tem sido reconhecido em todo o mundo, inclusive pela OMC e pelas entidades de direitos humanos. Por isso, deve ser motivo de orgulho para todos nós. Há muitas décadas existe um forte movimento social que busca a humanização da psiquiatria, organizado por trabalhadores da saúde, familiares e usuários de serviços de saúde mental. E maio é o mês da luta pela reforma psiquiátrica, que busca, além do que o próprio nome diz, a criação de formas mais humanas e generosas de lidar com a doença mental.

Comprometida com essa luta, a política de saúde mental do nosso governo vai criar um novo modelo de atendimento mais eficaz e mais humanizado e aumentar a oferta dos centros de atenção psicossocial dedicados a crianças, adultos e adolescentes, que sofrem com transtornos mentais severos e persistentes.

Nossa rede, como disse o companheiro Humberto Costa, tem hoje 424 centros, e criaremos, imediatamente, mais 178. Vamos aumentar a oferta das residências terapêuticas, com a criação de mais 150 pensões, lares ou repúblicas destinadas às pessoas com longa história de internação psiquiátrica e que perderam os vínculos familiares e laborais; implementar uma política de atenção integral aos usuários de álcool e outras drogas, priorizando o tratamento na rede pública, avaliar, sistematicamente, os hospitais psiquiátricos existentes, buscando melhorar a qualidade da assistência hospitalar, também nos hospitais de pequeno porte; incluir a temática da saúde mental na capacitação da rede básica, em especial no programa de saúde da família.

Quero, ainda, aproveitar a oportunidade para lembrar que hoje, dia 28 de maio, é o Dia Internacional da Saúde da Mulher, e também o Dia Nacional de Redução da Mortalidade Materna.

É importante lembrar dos temas deste dia porque a mortalidade materna é uma das graves violações dos direitos humanos das mulheres, e dizemos isso, por quê? Além de ser uma tragédia que pode ser evitada, 92% dos casos ocorrem, principalmente, nos países em desenvolvimento. Em geral, os óbitos maternos estão relacionados às péssimas condições sociais e econômicas e também às dificuldades de acesso aos serviços médicos, principalmente nas zonas rurais.

Nossa meta é reduzir 25% das causas da mortalidade materna, nos próximos 4 anos, inclusive, nas capitais. Para isso, ampliaremos o programa de saúde da família e de agentes comunitários de saúde, além da formação e capacitação de profissionais de saúde, enfermeiras obstétricas e parteiras.

Também apoiaremos as secretarias estaduais e municipais de saúde, que executarem planos de ação nesse sentido. Quero concluir, fazendo uma homenagem especial.

Já parabenizamos, aqui, pacientes e familiares envolvidos na luta pela reforma psiquiátrica e representantes de municípios empenhados em criar programas de saúde mental. Quero homenagear o nosso querido companheiro, o saudoso Davi Capistrano, que implantou, na cidade de Santos, um exemplo de administração em saúde pública, especialmente saúde mental.

A memória de Davi e de pessoas como ele nos lembra sempre que nosso dever é a promoção cada vez maior dos direitos de cidadania para todo o nosso povo.

Obrigado."
 

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