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06/06/2003 - 20h43

Leia a íntegra do discurso de Lula na inauguração de terminal da Ferronorte

da Folha Online

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva inaugurou hoje, em Alto Araguaia (426 km de Cuiabá), um novo terminal da Ferronorte. No pronunciamento, Lula prometeu, entre outras coisas, renovar o sistema de transportes no país.

Veja a íntegra do discurso:

"Meus amigos, minhas amigas do Estado do Mato Grosso, meus amigos e minhas amigas do Alto Araguaia, meu companheiro Zeca, governador do Estado do Mato Grosso do Sul, meu companheiro Blairo, governador do Estado do Mato Grosso, meu querido companheiro Anderson Adauto, Ministro dos Transportes, meu companheiro Amaury, Secretário-Executivo do Ministério da Agricultura do meu governo, companheiros prefeitos, companheiros deputados, companheira Serys, senadora da República pelo Mato Grosso, empresários, trabalhadores, companheiros, representantes da Caixa Econômica Federal, do Fundo de Pensão FUNCEF, sócio da Ferronorte, companheiros da Previ, meu companheiro Ioschpe, um homem que, quando crescer mais a produção de ferrovia vai poder produzir mais vagões e máquinas neste país, Olacy de Morais, o empresário que acreditou, desde o começo, que esse era o caminho, meu caro José Carlos Bulay, companheiro empresário de Mato Grosso do Sul, Meu companheiro, está aqui o filho do senador Vicente Vuolo, autor da lei que criou a ferrovia, primeira-dama Telma de Souza Terezinha e demais companheiros, produtores rurais, mulheres, homens e crianças do Alto Araguaia,

O que pude presenciar, nessa viagem de poucas horas, entre Rondonópolis e Alto Araguaia, e nessa extraordinária viagem de uma hora, num percurso de 95 Km até esta cidade, é a demonstração mais viva de que um país que tem o povo que tem o Brasil, um país que tem a classe produtora que tem esse país, que tem as terras que tem o Brasil e um país abençoado por Deus como o nosso, não poderia ser pobre como nós somos.

A única explicação é que nós não fizemos as coisas certas no momento certo. O nosso país acabou com a escravidão, depois que vários outros países já tinham acabado. O nosso país proclamou a independência depois que vários outros já tinham proclamado a independência. No Brasil, até as mulheres conseguiram o direito ao voto depois que outras mulheres tinham conseguido, em outros países. No nosso país, o analfabetismo não foi enfrentado de frente na década de 50. E isso justifica, hoje, parte do nosso atraso. O nosso país não investiu nas coisas que deveria investir, na época que deveria.

Se tivéssemos feito reforma agrária quando o mundo inteiro fez, nós não teríamos, hoje, violência no campo. Neste país, nós não teríamos disputa de terra. Se nós não tivéssemos destruído o pouco de malha ferroviária que nós tínhamos, nesse país, certamente nós, hoje, estaríamos muito mais avançados, na questão da ferrovia, do que estamos hoje.

Eu estou citando isso apenas para não deixar que ninguém se esqueça de que este país sempre teve potencialidade. Este país sempre teve condições de se transformar num grande país. Entretanto, muitas vezes este país foi governado por governantes que pensavam pequeno, que sonhavam pequeno e que preferiram ficar olhando as belezas da Europa ou as belezas dos Estados Unidos, ao invés de olhar a potencialidade que esse país tinha, para crescer e para se desenvolver.

Eu, meu caro Bráulio, meu caro Zeca, fui à reunião do G-8. É a primeira vez que um Presidente da República latino é chamado para participar de uma reunião, junto com os 8 países mais ricos do mundo. É a primeira vez e foi convidado o Brasil, o México, a China, o Senegal, a África do Sul. Nós éramos 12 países, considerados países em vias de desenvolvimento, junto com os 8 países mais ricos do mundo.

E o que eu notei nessas conversas? Notei que os governantes dos países mais pobres passam o tempo inteiro reclamando que os Estados Unidos não dão para nós aquilo que achamos que temos direito. Notei que uma outra parte dos países passam o tempo inteiro reclamando que a Europa não faz por nós aquilo que gostaríamos que ela fizesse. E fiquei lembrando do meu tempo de dirigente sindical, fiquei pensando no tempo em que eu reivindicava alguma coisa para os empresários que trabalhavam comigo e, muitas vezes, eles não concordavam com a minha reivindicação. E, para eu conquistar uma parte daquilo que eu achava que tinha direito, ao invés de ficar chorando, eu ia à luta para tentar conquistar aquilo a que eu tinha direito.

Pois bem, nessa relação entre Brasil e o mundo, o Brasil tem que compreender que, em comércio exterior, ninguém faz concessão. Não adianta a gente ficar chorando para a União Européia reduzir os subsídios que eles dão para os seus agricultores. Eles não vão reduzir, não. Eles não vão, porque é interesse deles, inclusive político, manter o subsídio. Os Estados Unidos estão produzindo álcool de milho, que vai custar três vezes mais caro que o álcool de cana que produzimos aqui. Seria mais fácil comprar de nós. Por que não vão comprar? Porque eles precisam, primeiro, se eleger lá e, segundo, manter a agricultura deles funcionando.

Ora, se nós temos esse problema, não adianta a gente ficar chorando: "Nós somos os coitadinhos, nós somos os pobrezinhos, nós somos a América Latina, por favor..." Não. Ninguém respeita negociador que chora ou que anda de cabeça baixa.

O Brasil não deve nada a nenhum país do mundo, do ponto de vista da sua capacidade tecnológica e de produtividade agrícola. Não devemos nada a nenhum país do mundo. Competimos com todos eles. E, certamente, produziremos produtos de melhor qualidade com mais produtividade. Entretanto, se nós não tivermos ousadia de ir lá, para fora, e nos vender, vender os nossos produtos, vender a nossa qualidade, vender aquilo que a gente sabe fazer, ninguém está preocupado em ter piedade, se aqui tem criança de rua, se aqui tem ocupação de terras, se aqui tem violência, se aqui tem qualquer coisa. Nós é que temos que ter a preocupação de ir lá fora dizer: "Nós existimos. Nós temos competência. Nós temos produtos e queremos disputar em igualdade de condições com vocês".

Foi por isso, governador, que tive uma reunião com a China, uma reunião com a Rússia, uma reunião com a Índia, com a África do Sul e uma reunião com a Argélia. Para dizer a eles: Rússia, Brasil, Índia, África do Sul, Argélia e México, se tivessem consciência da força que têm e se juntassem para fazer a mesma política com relação ao mundo desenvolvido, certamente não seríamos nós a ficar chorando para eles baixarem os subsídios deles. Seriam eles que viriam atrás de nós para oferecer os seus mercados para que nós vendêssemos os nossos produtos.

E disse bem o nosso governador: "Nós vamos aumentar a produção deste país". Mas é importante pensar em outro coisa e aqui está o Ministro dos Transportes. Se a gente aumentasse muito, hoje, a produção, a gente teria um gargalo porque não teríamos corredor para conseguir exportar tudo que a gente precisa exportar. Os nosso portos estão com problemas, alguns precisam até de ter um trabalho de dragagem para poderem carregar cargas mais pesadas. As nossas ferrovias estão ainda incipientes e poucas funcionando bem.

E as nossas estradas, que me desculpem, sem fazer crítica a ninguém, mas um governo pode até não ter dinheiro para fazer uma estrada nova, mas não ter competência para cuidar das que já existiam é uma falta de vergonha, é uma falta de respeito. Porque pelo menos a manutenção das estradas existentes precisariam ter feito. E vocês que têm que mandar a carga de vocês para fora sabem o quanto custa a demora para esta carga chegar ao destino. E é por isso que estou orgulhoso de fazer esta viagem de trem, porque eu nunca consegui compreender, senador, cada vez que a gente vai à Itália, cada vez que a gente vai à Europa, a gente anda de trem, a gente fica pensando porque que o Brasil desmontou as poucas ferrovias que tinha, porque que o Brasil não fez as novas ferrovias que precisava. Pois bem, nunca é tarde para a gente começar a fazer as coisas, nunca é tarde. É agora nós vamos fazer.

Eu quero dizer aqui, meu companheiro governador, que não vai ser por causa de uns poucos milhões de reais que a gente não vai levar esta ferrovia até Rondonópolis, não. Não vai ser por falta de poucos milhões de reais, porque na medida em que a gente for economizando em coisas que são supérfluas, em coisas que não são prioridades, vai sobrando dinheiro, Zeca, para se fazer o que é necessário. Hoje eu dizia, lá no comício em Rondonópolis, que eu fui o único candidato à Presidente da República que nunca fui no Marco Zero da rodovia Santarém-Cuiabá para jurar que eu ia construí-la. Recusei-me a ir lá em 89, recusei ir em 94 e recusei ir em 98. Nunca fui porque prefiro dizer a verdade do que mentir como muitos já mentiram na História deste país. Nunca prometi fazer esta rodovia, nunca. E outros prometeram. Já passaram uns 10 antes de mim e não a fizeram. E eu disse ao Governador: eu nunca prometi, mas vamos fazer essa rodovia ligando Santarém a Cuiabá, porque a nossa produção vai precisar dela.

Por isso, eu saio daqui feliz, e saio daqui com uma esperança renovada, que o nosso país pode ser melhor do que ele é hoje. As condições estão dadas, vocês tem um Presidente motivado, tem um Governador, têm Prefeitos motivados, tem o povo com uma expectativa nunca vista na História deste país, tem um povo acreditando, tem um povo apostando, tem uma classe empresarial que está convicta que este país não pode parar. E esta vontade coletiva vai fazer com que se consiga fazer o Brasil dar um salto de qualidade que precisa para se tornar um país grande, um país que distribua a renda, um país que gere empregos, um país que invista na educação, um país que cuide da saúde do seu povo, este é o sonho de todos nós.

E o meu governador sabe, como o Zeca sabe, nós só temos quatro anos de mandato. Nem ele e nem eu temos o direito de ficar chorando o que não foi feito, nós só ganhamos as eleições exatamente porque a coisa estava ruim, se a coisa estivesse boa a mentira tinha prevalecido, mas como o povo estava enxergando como é que estava o Brasil e Mato Grosso então elegeu a gente. Agora não vamos chorar, vamos fazer o que a gente acredita. E podem ficar certos, podem ficar certos de uma coisa: nós, meu caro Nelson, vamos cuidar das ferrovias com o carinho que o Brasil sempre deveria ter cuidado e nunca ter deixado a ferrovia cair no esquecimento.

Nós temos consciência do que significam as ferrovias para o transporte de carga. Mas podem ser aprimoradas, também, para o transporte de passageiros, em muitos lugares deste país. Nós temos consciência disso. Nós temos consciência do que significa o transporte fluvial para um país que tem a costa marítima que tem o Brasil e para um país que tem a quantidade de rios totalmente navegáveis, como temos no Brasil.

Nós precisamos fazer um acordo entre aqueles que querem construir e as pessoas que defendem o meio ambiente. Não tem que ter guerra, tem que sentar em torno de uma mesa e ver o que é possível fazer, e prevalecer o bom senso para que as coisas aconteçam no nosso país.

E nós vamos fazer um sistema intermodal de transporte, que possa combinar a ferrovia, a hidrovia e as estradas. Não é saudável para a economia e não é saudável para a vida do motorista, e nem para a família, que ele tenha que andar 2 mil quilômetros com uma carga. É melhor ele andar apenas 300 quilômetros e vir dormir na sua casa, toda noite, para cuidar da sua família, sem correr o risco.

Agora mesmo, nós estamos discutindo criar, para os caminhões, programas para incentivar a renovação das frotas. Tentar renovar a frota de caminhões, neste país, para os motoristas autônomos, porque a gente não pode ficar com caminhões velhos, com uma média de 18 anos, trafegando nas estradas brasileiras, colocando em risco a vida do caminhoneiro e a vida de quem está passando perto do caminhão, que já está superado.

Então, nós vamos fazer as coisas bem pensadas, as coisas bem discutidas. Mas sabemos cada passo que se vai dar. Nada será feito fora de hora. Ninguém colhe uma melancia apressado, porque pode pegar ela verde e ela estar sem gosto nenhum. Nós queremos esperar as coisas amadurecerem, e estão amadurecendo. E, este ano, nós vamos lançar --está aqui o Amaury-- nós vamos lançar o maior plano de safra já anunciado neste país, esse mês ainda, lá em Brasília. Para o dinheiro chegar na hora que tem que chegar e não 3 ou 4 meses depois que o governo anunciou na televisão.

Nós vamos anunciar o maior volume de recursos já dado para a agricultura familiar. São R$5,7 bilhões de reais para a agricultura familiar poder melhorar a sua capacidade produtiva e financiamento. Nós vamos criar o maior sistema de cooperativa de crédito já feito na História deste país, para financiar os pequenos e os médios agricultores.

Nós queremos provar, Zeca, vamos fazer juntos, meu governador, em 4 anos, o que outros não fizeram em 10 ou não fizeram em 15.

Esse meu querido companheiro, de vez em quando vai a Brasília conversar comigo. E diz a verdade o meu Ministro dos Transportes: ele não vai lá reivindicar apenas. Ele vai lá dizer para a gente: "Eu estou fazendo assim, se vocês fizerem vai dar certo". Esse aqui, a mesma coisa. Ou seja, a gente está tentando provar, em cada Estado, em cada cidade, que as coisas podem ser muito diferentes. E ao meu querido Prefeito, que reivindicou tão pouco, tão pouco ele reivindicou, reivindicou uma agência da Caixa Econômica Federal.

Aqui tem um "cara" que é presidente, o Guilherme é presidente do Fundo de Pensão da Caixa Econômica Federal, aliás, é sócio da Ferronorte, é sócio, tem 23%. Pois bem, eu vou designá-lo e você vai cobrar dele, Prefeito. Ele vai falar com o Jorge Mattoso, Presidente da Caixa Econômica Federal, para que a Caixa instale uma agência com funcionários e dinheiro aqui, no Alto Araguaia.

A questão do saneamento básico. Olhe, eu anunciei numa reunião --não sei se você estava em Brasília-- uma reunião que tinha dois mil Prefeitos, eu anunciei a liberação de 1 bilhão e 400 milhões para financiamento de saneamento básico. E obviamente que esse dinheiro tem que ser investido nas regiões mais carentes e mais necessitadas.

Eu confesso a você que vou --só espero que algum assessor meu esteja anotando aqui, para levar para o Ministro das Cidades, o companheiro Olívio Dutra, a reivindicação, está por escrito, que a sua esposa me deu-- entregar ao Ministro Olívio Dutra, para que ele ou converse com você, por telefone, ou venha aqui, para ver o que que é possível fazer.

E a questão dos assentamentos. Durante a campanha, eu dizia assim: "eu vou fazer reforma agrária tranqüila e pacífica, sem que precise haver nenhuma violência". Sei que tem muita gente que gostaria que as coisas acontecessem na hora em que se fala. Mas vocês são homens da agricultura e sabem que, quando vocês colocam a sementinha da soja lá, por mais pressa que tenham, vocês tem que esperar, no mínimo, 120 dias para colher a "bichinha" que vai dar a soja que vocês levam para a casa da gente. Quem planta um feijãozinho sabe que vai ter que esperar 90 dias. Quem planta um milhozinho sabe que vai ter que esperar 150 dias. Criar um porquinho, vai demorar 6 meses para comer o bichinho.

Então, vejam, nós vamos fazer um pacote para a agricultura familiar, um pacote para os assentamentos deste país. Queremos fazer um acordo. Nada será feito na marra, nem contra os grandes, nem contra os pequenos. Será feito em torno de uma mesa de negociação, para que a gente possa determinar direitos e deveres para cada um de nós, obrigações e deveres para cada um de nós. Porque se a gente não fizer assim, a lei, apenas a lei não resolve, porque, muitas vezes, tem a lei e quem tem dinheiro convoca um advogado e burla a lei. Nós não queremos assim. Nós queremos olho no olho, acordo, assinatura entre companheiros para que se possa cumprir o acordado.

E vamos fazer. Vamos fazer porque acreditamos nisso e porque não é incompatível a agricultura empresarial com a agricultura familiar. As duas se completam, as duas podem ter uma utilidade extraordinária para este país. É verdade que a agricultura familiar não exporta. Mas só o fato de ela manter a família no campo, só o fato de não precisar um pequeno agricultor deixar a sua roça e ir morar embaixo de uma ponte, em Cuiabá ou em São Paulo, já é uma vitória excepcional, porque você está garantindo qualidade de vida para ele na sua terrinha, na sua rocinha e ele vai poder produzir com muito mais qualidade.

Por isso, quero agradecer a todos vocês a forma carinhosa com que fui recebido aqui. E tenho dito sempre: muitas vezes, prefiro falar a verdade olhando na cara das pessoas do que contar uma mentira fácil, como habitualmente acontece no Brasil. Prefiro agir como ajo com meus filhos. Muitas vezes, sou obrigado a ir dormir com vontade de chorar, porque neguei uma coisa para o meu filho, mas, ao mesmo tempo, com a consciência tranqüila de que fui honesto com ele, do que, muitas vezes, a gente mentir para um filho - e a gente sabe que é mentira e sabe que não vai cumprir. E eu quero tratar o povo brasileiro com o mesmo carinho, com a mesma paixão com que trato cada um dos meus cinco filhos, porque não posso faltar com os compromissos que assumi.

Lembro dos meus compromissos todo santo dia. Lembro de cada coisa que falei ao longo da minha vida política neste país. Lembro de quantas vezes causei medo em muita gente neste país. Lembro também de quantas vezes tive medo de muita gente. Entretanto, como Deus escreve certo por linhas tortas, quis Deus que, com divergência aqui ou divergência acolá, nós pudéssemos, neste dia 6 de junho de 2003, nos encontrar aqui, no Alto Araguaia, para que a gente pudesse, juntos, fazer uma profissão de fé por este país extraordinário.

Muito obrigado, gente. Que Deus abençoe cada um de vocês. E podem ter certeza de que vamos fazer este país dar certo."
 

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