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17/06/2003 - 19h44

Leia íntegra do discurso de Lula em Pelotas

da Folha Online

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva discursou hoje em Pelotas (RS), na abertura da 11ª edição da Fenadoce (Feira Nacional do Doce). No pronunciamento ele rebateu as críticas de seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso, dizendo que pegou o país "no buraco".

Leia a íntegra do discurso:

"Minha querida companheira Marisa Letícia da Silva,
Meu querido companheiro governador Germano Rigotto e sua esposa, Cláudia Rigotto,
Meu companheiro Roberto Rodrigues, ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,
Meu querido companheiro Olívio Dutra, ministro das Cidades,
Minha querida companheira Emília Fernandes, ministra da Secretaria Especial de Política para as Mulheres,
Meu querido companheiro Gilberto Gil, ministro da Cultura,
Meu querido companheiro Tarso Genro, Secretário Especial do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social,
Meu querido governador Zeca do PT e sua companheira Gilda,
Meu caro Jorge Mattoso, presidente da Caixa Econômica Federal,
Meu querido Fernando Marrone e a Míriam, prefeito e sua esposa,
Meu caro Jorge Laidano, Presidente da Fenadoce,
Meu caro Fernando Estima, Presidente do CDL,
Meus queridos alunos da Escola São Francisco,
Alunos surdo-mudos das escolas municipais de Pelotas,
Delegados do Orçamento Participativo de Pelotas,
prefeitos aqui presentes, vereadores, secretários, assessores, mulheres e homens do nosso querido Rio Grande do Sul,

Eu, se me permitem, vou quebrar a regra do protocolo e vou levar esse microfone aqui para a frente, para ter uma conversa muito tête-à-tête com os meus companheiros desse imenso Brasil e desse grandioso Estado do Rio Grande do Sul. Estado ao qual eu sou grato, durante toda a minha vida política, porque, se dependesse dos rincões gaúchos eu, há muito tempo, já teria sido eleito Presidente da República.

Meu companheiro Rigotto, governador do Estado do Rio Grande do Sul, pessoa com quem eu tenho trabalhado da forma mais harmônica possível, junto com os vários ministros de Estado que eu tenho do Estado do Rio Grande do Sul: o companheiro Miguel Rosseto, que não pôde vir hoje porque está numa reunião do Consea; o Olívio, o Tarso, a Emília, a nossa companheira Dilma Russef, ministra das Minas e Energia.

O Rigotto pode ser testemunha de que a disputa eleitoral de 2002 ficou na agenda de 2002, porque agora nós fomos eleitos para trabalhar por esse Brasil e não há espaço para as coisas menores.

E eu queria dizer para vocês que é uma alegria imensa estar aqui, porque é a sétima Feira de Agronegócios que eu visito este ano. Eu duvido, meu companheiro Roberto Rodrigues, que em algum momento da História do Brasil, um Presidente da República visitou, em apenas cinco meses, sete feiras de agronegócios neste país.

Isso porque é exatamente através do agronegócio que nós estamos dando uma demonstração ao Brasil, à América do Sul e ao mundo, de que este país recuperou sua auto-estima, e este país não vai pedir licença para ninguém, porque sabe o que quer e sabe como chegar aonde quer.

E vocês sabem perfeitamente bem a situação que nós pegamos o Brasil. E eu assumi um compromisso de que não iria, depois da minha vitória, ficar chorando aquilo que não tinha sido feito pelo meu antecessor. Eu disse, publicamente, que tinha sido eleito, meu mandato será de quatro anos, e eu tenho quatro anos para dedicar o que tenho de melhor da minha vida, da minha inteligência, para provar que um torneiro mecânico pode governar este país com muito mais sabedoria do que ele já foi governado em qualquer outro momento.

Os que, agora, com muita facilidade, criticam a política econômica, não tiveram coragem de criticar em dezembro. Porque, em dezembro, os mesmos que estão criticando agora tinham dúvidas de que nós seríamos capazes de levar o Brasil a sair do buraco em que o pegamos, em dezembro do ano passado.

Este país estava com quase 2.400 pontos de risco. Pela primeira vez, nem no tempo do ministro Dilson Funaro, quando decretou a moratória, em 86, este país teve cortados os seus créditos internacionais para exportação. Nós pegamos este país quando ele não tinha um dólar para financiar a nossa exportação. E havia quem dissesse: "O Lula não pode governar porque, imaginem, ele não fala inglês. Como é que ele vai governar?" Pois bem, bastaram cinco meses para a gente provar que a respeitabilidade de um país não se consegue falando inglês ou espanhol, mas com caráter, com ética e com projetos concretos que nós queremos para o nosso país.

E, hoje, eu duvido que, em algum momento da História do Brasil, este país já gozou da respeitabilidade que ele goza hoje em todos os países do mundo. Da respeitabilidade, da esperança, porque as pessoas estão convencidas de que somente nós seremos capazes de compatibilizar uma política de ajuste fiscal, que é necessário fazê-lo, com uma política social intensa.

Acontece que, na vida, tem gente que tem pressa. Vocês todos já viram um jogo de futebol. Tem jogador que tem pressa, pega a bola, não olha para o lado, dá uma 'bicuda' e não marca o gol. Tem outro que olha para o lado, vê um companheiro livre, passa a bola e marca o gol. Nós não temos tempo de dar "bicuda". Nós queremos é marcar todos os gols que achamos que temos o direito de marcar neste país.

Por isso, muitas vezes, as pessoas plantam o pé de feijão e não querem esperar 90 dias. Se não esperarem, não comem. É preciso esperar. Um pé de feijão demora 90 dias; soja vai para 120 dias. Ou seja, não dá para a gente colher na hora em que a gente planta. Nós estamos há cinco meses no Governo e tem gente achando que nós já deveríamos ter feito o que os outros não fizeram em 40 anos, neste país.

A coisa que eu mais queria na minha vida, quando casei com a minha 'galega', era um filho. Ela engravidou logo no primeiro dia de casamento, porque pernambucano 'não deixa por menos'. Pois bem, mas eu tive que esperar nove meses para nascer a criança. Depois que nasceu, eu tive que esperar mais quase um ano para ele falar 'papai', quase um ano para ele andar. E eu ficava sentado: 'Anda, anda'. Ele não andava. Minha sogra, mais velha do que eu, mais experiente, colocava uma fralda embaixo do braço dele e ficava andando com ele para lá e para cá. Alguém tinha que ensinar.

O Brasil estava quebrado e alguém vai ter que salvar este país! Por isso, quero dizer para vocês: depois da posse, muita gente dizia: 'Não é possível fazer as reformas.' E eu não queria a reforma para mim, porque não sou especialista nem em tributária, nem em previdenciária. Eu fui juntar as pessoas neste país. Parecia impossível, mas juntamos os 27 governadores de Estado, em três reuniões memoráveis, coisa que parecia impossível. O Rigotto estava presente quando Governadores de outros partidos diziam: 'Puxa vida, eu fiquei oito anos com o Fernando Henrique Cardoso e ele não conseguiu fazer isso.' Nós fizemos, porque eu aprendi, não na Universidade, eu aprendi no chão da fábrica a negociar, a conversar com as pessoas, a respeitar as diferenças.

E fizemos o projeto de política tributária. E é lógico que eu sabia que não ia contentar todo mundo. Se Oswaldo Cruz, no começo do século passado, criou a vacina contra a febre amarela para salvar a Humanidade e foi começar a aplicar no Rio de Janeiro e quase o mataram, por que eu iria querer unanimidade? Eu não quero unanimidade. O que eu quero é bom senso nas discussões das reformas, tanto da tributária quanto da previdenciária. Bom senso.

Eu não sou dono da verdade e ninguém, individualmente, é dono da verdade. A verdade é o resultado do nosso bom senso. Se a gente tiver a boca do tamanho do ouvido e o ouvido do tamanho da boca, para a gente escutar o mesmo tanto que a gente fala, a gente consegue fazer as coisas corretas. Eu estou convencido de que vou fazer as coisas corretas neste país.

Tem gente que não gosta, mas é normal. Nem todo mundo torce para o Grêmio, nem todo mundo torce para o Internacional, nem todo mundo torce para o time, aqui, de Pelotas, nem todo mundo é católico, nem todo mundo gosta do preto, do azul, do verde. Cada um gosta de uma coisa. Essa que é a coisa extraordinária da democracia e do pluralismo: é cada um acreditar em uma coisa e cada um estabelecer os fóruns para a gente discutir e aprovar as coisas.

Eu, quando falo da Previdência Social, não quero prejudicar o intelectual. O que eu quero é aproveitar o máximo possível do potencial de inteligência que tem o intelectual para ficar trabalhando até os 60 ou 70 e não se aposentar com 53. Por que um cortador de cana tem que trabalhar até 60 anos para se aposentar; por que o professor universitário se aposenta com 53? Se uma cortadora de cana se aposenta com 55, por que que uma procuradora do Estado tem que aposentar com 47?

Meu caro, neste país ninguém é maior ou menor do que ninguém. Nós somos iguais. E sempre há espaço e fórum para a gente discutir as coisas. E vamos discutir com bom senso, sem mentiras. Mas eu não posso aceitar que alguém neste país se aposente com 17 mil reais por mês, quando 40 milhões de pessoas não têm nem oportunidade de trabalhar. Aqueles que ganham menos neste país sabem que não vão perder, porque me conhecem não depois de eleito, conhecem a minha trajetória de luta. E algumas pessoas pensam que me incomodo com apupos. Sabem quando é que tomei a maior vaia da minha vida? Quando fui fundar a CUT. Tinha gente que não queria fundar a CUT. Depois, quando fui fundar o PT. Eu ia aos debates, as pessoas, que achavam que o partido delas era o partido dos trabalhadores, me vaiavam.

Rigotto, eu comecei fazendo política no palanque do PMDB, lutando por liberdade democrática. Andamos o Brasil inteiro. O dia em que ousei falar: vou criar um partido, tomei uma vaia de que "nunca mais acordei". Então, eu estou vacinado, porque eu sei que vou enfrentar muitas coisas neste país e vou enfrentá-las com a mesma cabeça erguida e com a mesma paciência com que eu cheguei à Presidência da República, com a maior tranqüilidade, sem nenhum problema. E vamos fazê-las porque queremos este país crescendo, porque queremos fazer reforma agrária - e o Adão Preto deve estar aqui no nosso meio. Queremos fazer reforma agrária, mas reforma agrária para mim, Adão Preto, não é jogar pobre das cidades no campo para eles continuarem pobres, é levar o pobre para conquistar a cidadania no campo, dar a eles financiamento, dar a eles condições de acesso à tecnologia, torná-los produtivos, organizá-los em cooperativas. É por isso, Adão, que você já está convidado.

Nós vamos lançar o maior plano de cooperativas de crédito da História deste país. Porque nós queremos baixar os juros. E vamos criar todas as condições para que o povo vá tendo acesso ao dinheiro fora do próprio sistema financeiro, para não ter que pagar o que paga hoje: taxas escorchantes.

Então, as coisas estão sendo digeridas com muito cuidado, porque às vezes a gente come depressa e fica com uma indigestão. Então nós passamos seis meses arrumando a casa, conquistando a confiança, o que era necessário, construindo a base de apoio que era necessária para votar os projetos no Congresso Nacional. Agora, é a época de começar a mostrar as mudanças que o país vai ter. E todo mundo sabe. Quem é Governo, e aqui há muitos, o primeiro ano é sempre o primeiro ano mais difícil, porque você sempre pega o governo planejado pelo anterior, não por você. Por melhor que seja, foi planejado por outro, não na sua lógica e na sua ótica e é preciso dar redirecionamento para isso. E como sou claro, como sou claro cada vez que converso com os meus filhos, eu olho para vocês e me vejo olhando para os meus filhos: eu prefiro dizer uma verdade dura para o meu povo, de que posso ou não posso fazer uma coisa, do que fazer o que uma parte da classe política, de vez em quando, faz neste país: mente descaradamente, sabendo que não pode cumprir aquilo que está prometendo.

Então, vocês podem ficar certos: a agricultura brasileira teve, este ano, com o Plano de Safra, o que ela jamais teve, com um dado importante: é que o dinheiro vai sair. A agricultura familiar, meus companheiros, este ano, vai ter 5 bilhões e 700 milhões. No ano passado teve 4, mas só foram liberados 2. Nós estamos dando 5 e 700, e vamos liberar 5 e 700.

E eu sei que ainda falta. Eu disse que a minha obsessão é gerar empregos. Eu disse que é a minha obsessão porque já fiquei desempregado. Sei o que é um chefe de família levantar todo dia às 5 horas da manhã e andar o dia inteiro e voltar para casa com a carteira no bolso, sem emprego. Eu sei o que é um marido chegar em casa, ver a mulher encostada na beira de um fogão, sem ter o que comer, com os filhos pedindo.

É por isso que o emprego é minha obsessão. E nós vamos fazer. Lógico que não dá para fazer num passe de mágica; se eu pudesse, eu criaria 50 milhões de empregos. Não posso.

Nós vamos reativar a economia, com muito cuidado, com passos certos. Porque a equipe que eu montei, eu duvido que em algum momento da História do Brasil já foi montada outra igual. São pessoas oriundas do Movimento, são pessoas com experiência, são pessoas que vieram da área empresarial, da área sindical, da área intelectual, cada um com um compromisso histórico.

E nós vamos fazer o que tem que ser feito. Sabem por quê? Porque qualquer outro podia errar. Eu não posso. Porque qualquer outro que errasse e não desse certo, vai morar uns meses na França. Eu tenho que ficar em São Bernardo, a 600 metros do Sindicato dos Metalúrgicos, de onde eu saí.

Então, nós sabemos o que tem que acontecer neste país, e vai acontecer: este país vai voltar a crescer, nós vamos gerar empregos, nós vamos fazer o que jamais foi feito para acabar com o analfabetismo, neste país. Nós sabemos que os educadores brasileiros precisam ter seus salários corrigidos, porque é uma vergonha uma função tão importante ganhar tão pouco.

Agora, todo mundo sabe que toda vez que, na casa da gente, a gente discute com a família comprar uma geladeira, nós temos que dizer de onde vem o dinheiro. Dinheiro não vem do acaso, nós temos que construir. E, como o dinheiro vem do bolso do povo, é preciso que a gente discuta com seriedade como gastar esse dinheiro.

Por isso, meu companheiro Rigotto, você pode estar certo de que nós vamos fazer as reformas. Depois da reforma previdenciária e da reforma tributária, vai vir a reforma na estrutura sindical, para acabar com o peleguismo neste país. Tem muito "sindicato de carimbo" no Brasil, sindicato que virou aparelho. E o sindicato é um órgão de defesa dos interesses da classe trabalhadora. E eu estou falando isso e as pessoas sabem que eu sei do que estou falando. As pessoas sabem. Vamos fazer a reforma trabalhista para adequar a relação trabalho e capital ao século XXI e não ao século XIX. Vamos fazer a reforma política para acabar com o político que troca de partido com a mesma facilidade com que troca de camisa.

E tudo isso vai ser feito. E vai ser feito com os passos bem pensados. Nada de mais excitado, sempre com muita tranqüilidade. Cada passo vai ser dado pensado, discutido, discutido com os Governadores, discutido com Prefeitos de capitais, discutido com o Conselho de Desenvolvimento que o Tarso Genro tão bem coordena, discutido com os Ministros, discutido com o Movimento Sindical, discutido com todo mundo.

Todo mundo vai ter o direito de se sentar à mesa e dizer: 'Eu gostaria que fosse assim, eu gostaria que fosse assado.' E, aí, nós vamos chegar a um consenso. E este país, voltando a se respeitar, como está se respeitando, este país vai poder voltar a ser motivo de orgulho para todos nós, como essa Fenadoce é motivo de orgulho para o Brasil e para o Estado do Rio Grande do Sul.

Muito obrigado, meus companheiros. E vamos em frente, que ganharemos essa."
 

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