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20/06/2003 - 07h22

Encontro desmonta dilemas, diz Garnero

SÉRGIO DÁVILA
da Folha de S.Paulo

Pouca gente no Brasil conhece mais os bastidores que levaram ao encontro dos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e George W. Bush hoje nos EUA do que o empresário brasileiro Mario Garnero, dono do grupo Brasilinvest.

Figura dinâmica e polêmica do mundo dos negócios brasileiros e estrangeiros no Brasil, Garnero, 64, personificou no ano passado o ponto de junção de dois interesses: o do governo norte-americano, de conhecer o então candidato da esquerda à Presidência do Brasil, e o do PT, de se apresentar como opção confiável para o mercado financeiro internacional.

Na entrevista à Folha a seguir, o empresário comenta o encontro, o que levou a ele e a situação do país neste início de governo:

Folha - O encontro de hoje de Lula e George W. Bush é protocolar ou pode sair algo de concreto daí?
Mario Garnero
- Acredito que é uma reunião efetiva de desmontagem de falsos dilemas. O principal falso dilema: o Brasil só tem quatro produtos para entrar nos EUA e os EUA só têm barreiras alfandegárias para os quatro produtos que nós temos.

O presidente Bush já disse que tinha ficado impressionado com a boa química entre os dois, o que não tinha ocorrido com FHC. Tanto que no final daquela conversa que eles tiveram na visita de dezembro em Washington, além de Bush dizer que tinha uma tia-avó que se chamava Lula, convidou o brasileiro para um encontro de cúpula, privilégio a que nem o Japão tem acesso.

Folha - Mas o que pode sair daí?
Garnero
- Uma melhor relação comercial entre os países. Até agora, nós nos concentramos numa pauta de exportações que não sabe aproveitar o que os outros querem comprar. Nós sempre quisemos vender aquilo que produzimos em excesso, mas não o que os outros querem. Temos de reproduzir o que os tigres asiáticos fizeram: primeiro, vamos saber o que os outros querem, depois, estabelecemos as cadeias produtivas para ir à exportação.

Folha - Há espaço para isso?
Garnero
- Há para uma ampliação enorme do mercado exportador brasileiro, não só nos EUA como em outros países. Mas é claro que o principal mercado a ser explorado é o americano, que tem um déficit comercial de US$ 1,3 bilhão por dia e do qual o Brasil só se aproveita de 3,5 dias por ano.

Não vou nem falar do México, que em apenas dez anos nos passou: o país tem um saldo, apenas no Nafta (Acordo de Livre Comércio da América do Norte), de US$ 34 bilhões. É uma tragédia pensar que o México foi anexado pelos EUA: o país tinha um PIB de dois terços do Brasil e hoje tem 40% a mais. Aliás, vale lembrar que o Nafta nasceu no México.

Eles entrevistaram 5.000 pessoas, entre advogados, economistas e lobistas, para conhecer lei antidumping, como funciona o Congresso norte-americano, lei alfandegária, cadeia de produtos, e levaram o arcabouço do Nafta pronto para o governo norte-americano. Os americanos se surpreenderam pela capacidade dos mexicanos de se articularem e em dez dias o presidente Bush pai (1989-1993) deu carta branca.

Folha - E o sr. sabe se Lula chega para negociar a Alca (Área de Livre Comércio das Américas) levando estudos feitos com 5.000 pessoas?
Garnero
- Você já respondeu com a pergunta... (Risos) Nós estamos completamente imersos numa discussão ideológica de se o Alca é uma anexação dos EUA pelo Brasil, de se é bom ou mal. E o que deveria nos interessar aqui no Brasil é encontrar mercados.

Folha - No meio de 2002, o ex-presidente Bush ligou para o sr. para perguntar quem afinal era o candidato Lula. O que o sr. respondeu?
Garnero
- A percepção de setores mais conservadores e desinformados do governo norte-americano e do mercado financeiro internacional antes da visita de 2002 do atual ministro José Dirceu a Nova York e Washington era a de que o PT iria implantar aqui um programa revolucionário. Era uma bobagem, claro.

Respondi que Lula cumpre os compromissos, é decidido, bom negociador e extremamente pragmático e que eu achava que ele seria eleito no Brasil com uma boa votação e isso representaria certamente uma consolidação democrática e uma liderança nova que surgiria na América Latina.

Meu papel ali foi irrelevante. Achei que naquele momento seria importante mostrar que, se o Brasil não tivesse condições de acalmar os mercados, nós estaríamos repetindo o que aconteceu na Argentina. Teríamos um Fernando de la Rúa, porque o presidente FHC talvez não conseguisse conter a crise, e teríamos um Duhalde, alguém que não conseguiria completar o mandato.

Folha - Tal intermediação não lhe valeu convite para um cargo? Falou-se muito da embaixada em Washington na ocasião.
Garnero
- Não fui sondado por ninguém nem houve sugestão por parte de Lula ou do PT.

Folha - Os juros baixaram meio ponto percentual. Isso importa?
Garnero
- Sob o ponto de vista empresarial, é evidente que essas taxas de juros elevadas têm um efeito que nós estamos vendo na economia. Mas, se pegarmos o começo do governo Lula, ele estava com uma taxa acumulada de inflação anualizada que poderia chegar a entre 24% e 30% ao ano. Um programa de governo que fosse se estabelecer com uma taxa de inflação de 30% já não teria uma pequena gravidez, mas uma barriga de cinco meses. E a probabilidade de se perder o controle da inflação era muito grande.

Folha - O governo gosta de dizer que a política austera do ministro Palocci acalmou o mercado financeiro internacional. Mas o fato é que em 2003 o país vai ter o menor investimento direto estrangeiro da década. Por que a contradição?
Garnero
- Não é uma contradição, e eu explico por quê: os orçamentos das grandes empresas, que são quem investe pesadamente no Brasil, são feitos com um ano de antecedência. Quando fizeram o de 2003, nós estávamos no meio do processo eleitoral. Em sã consciência, você, presidente de uma empresa norte-americana, naquela ocasião, não imaginaria que o Brasil era um risco extraordinário para continuar aplicando pesadamente? Todo o mundo parou. Por isso perdeu-se um ano, que é esse. Agora, a tranquilidade que aí está vai influenciar nos orçamentos de 2004.

Folha - O sr. está escrevendo um livro de memórias: "Liderar e Sobreviver". Imagino que vai tocar nos chamados caso Brasilinvest e Nec (em 1985, o Brasilinvest foi liquidado sob acusação de falta de liquidez e desvio de recursos para empresas fantasmas no exterior, acusações retiradas depois; em 1986, o empresário teria sido obrigado a passar o controle da empresa NEC para a família Marinho, por pressões financeiras do então ministro das Comunicações, Antonio Carlos Magalhães, que nega). Que balanço o sr. faz dos episódios?
Garnero
- Graças a Deus, não tenho as rugas das mágoas todas que eu poderia ter tido. Só tenho boas recordações da vida.
 

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