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27/06/2003 - 12h21

PPS critica política econômica do governo e pede "mudanças reais"

SILVIO NAVARRO
da Folha Online

O presidente nacional do PPS, deputado Roberto Freire (PE), divulgou uma carta criticando a condução da política econômica do governo de Luiz Inácio Lula da Silva e cobrando "mudanças reais" no país.

O documento foi encaminhado na noite de ontem ao presidente, que estava em São Paulo, pelo seu assessor, Gilberto Carvalho. Outra cópia foi entregue ao ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes, representante da legenda no primeiro escalão do governo.

No texto, intitulado "O Brasil quer mudanças reais", Freire classifica a redução da taxa de juros como "tímida" e afirma que ainda "não há nenhuma certeza de que o Ministério da Fazenda e o Banco Central tenham se descolado da agenda da administração anterior", de Fernando Henrique Cardoso.

"Os grandes interesses nacionais estão comprometidos pela política monetária colocada em prática pelo governo federal", diz.

A carta também alerta para a iminência de recessão, com o aumento do desemprego e a queda de produtividade das empresas em decorrência das taxas de juros arbitrada pelo Banco Central.

Veja a íntegra do documento do PPS:

"O Brasil quer mudanças reais

O Copom, conselho que estabelece as diretrizes da política monetária do país, em uma decisão já esperada pela sociedade brasileira, reduziu a taxa de juro em 0,5 ponto. Uma decisão tímida, muito aquém daquilo que reclama a economia, mas, junto à recente fixação pelo Ministério da Fazenda de uma nova meta inflacionária para 2004/2005 --queremos crer--, parece indicar o início de uma reorientação da política econômica do governo Lula.

Se tomarmos como parâmetros as críticas precedentes de estudiosos diversos, economistas, empresários, partidos políticos, parlamentares, as decisão do Copom e da equipe econômica, como correção de rumo, ainda carecem de confirmação no futuro, pois não há nenhuma certeza de que os paradigmas do Ministério da Fazenda e do Banco Central tenham, de fato, se alterado em sua essência, descolando-se da agenda de política econômica da administração anterior, que manteve o país em baixo crescimento econômico e aumentou a sua vulnerabilidade externa. A nos encher de esperança a expectativa em torno de um governo eleito e cobrado por um amplo movimento de opinião pública, interessado em transformações reais.

A prudência pode até explicar a continuidade dos traços conservadores da política econômica de FHC nestes primeiros cinco meses de governo Lula.
Entretanto, tememos que ela possa ser, para além da prudência, o resultado da falta de um programa de mudanças, da pouca ousadia, de capitulação ao financismo que garroteia o esforço nacional de poupança e desenvolvimento.

Mas, como acreditamos que a "esperança possa vencer o medo", esperamos que o governo Lula, finalmente, possa estar começando a flexionar sua política econômica, voltando-se para o objetivo estratégico reclamado pela esmagadora maioria da sociedade: a retomada do crescimento.

Em se tratando de Brasil, sabemos um país complexo, de grandes desequilíbrios e com muitas tarefas históricas nos planos social e econômico a cumprir; temos, também, consciência de suas potencialidades, dos recursos que dispõe, da criatividade de sua gente, da rapidez como os segmentos produtivos dão respostas quando demandados a empurrar a economia para frente. O primeiro cenário pede-nos competência, esforço, sacrifícios, paciência. O segundo, em articulação com o primeiro, clama por energia, por iniciativa firme e responsável, por algumas rupturas e determinação para avançar.

O PPS, sem desconhecer o mundo globalizado, conformado principalmente pela revolução técnico-científica e pelo vertiginoso ritmo dos fluxos de capital, descarta a apologia do mercado pelo dogma liberal, sempre identificado, por interdições várias, com a esfera financeira. Ao mesmo tempo, não se solidariza com aqueles que acreditam em uma economia autárquica, fundamentada na substituição radical de importações, como se fosse possível imaginar um projeto nacional descolado da economia mundial. Entretanto, os interesses nacionais continuam na agenda da política e deles, como partido e como integrante da base de sustentação de um governo que assumiu compromissos com o desenvolvimento, com a geração de emprego e renda, não podemos nos furtar.

Em assim sendo, temos de afirmar, os grandes interesses nacionais estão comprometidos pela política monetária colocada em prática pelo governo federal.

O desemprego aumenta, as empresas não conseguem realizar a produção e, atormentada pela elevada taxa de juros arbitrada pelo Banco Central, uma das maiores do mundo, a economia, pela avaliação de empresários e economistas, adentra o perigoso átrio da recessão. Nos últimos dois meses, o crédito concedido pelos bancos caiu em torno de 60 por cento, um sinal dramático sobre o que está a nos esperar nos próximos meses se nada for feito pela retomada dos investimentos.

Longe está o PPS de defender, por exemplo, o cerceamento do fluxo de capital em nosso país, mas há que se reconhecer que grande parte dele é volátil e com capacidade para desorganizar toda e qualquer economia frágil em seus principais pilares de sustentação. Entretanto, somente os países que estabeleceram regras claras para a sua concorrência em relação ao desenvolvimento, dando prioridade aos investimentos diretos e de risco - China, Índia, alguns "tigres" asiáticos e, em nosso continente, o Chile -conseguiram até agora escapar das crises cíclicas e rotineiras engendradas pelo chamado mercado mundial. Quem optou por uma visão de cassino, e apostou tudo em um cenário favorável do fluxo de capitais, fica à mercê de fatores que, em absoluto, dependem do esforço nacional. Esse círculo vicioso, e viciado, precisa ser revertido para que se afirmem a produção e a redução efetiva da vulnerabilidade externa.

Temos convicção, ao seguir rigidamente os ditames impostos por essa política monetária nem ao menos conseguimos formar internamente um forte mercado financeiro. O nosso mercado, na verdade, é comandado por um gigantesco escritório de corretagem de títulos públicos, movido por um estoque igualmente vertiginoso de haveres por parte de bancos.

Urge uma nova cultura econômica em nosso país, no mercado e, sobretudo, no interior do governo. As equipes do Ministério da Fazenda e do Banco Central ou se reciclam, concebendo e apostando na retomada do desenvolvimento, ou o país não vai achar seu caminho, continuando o andar errante da agenda perdida. Nossas instituições não podem ter o foco centrado exclusivamente na mitificada credibilidade junto ao capital financeiro. Precisam, isto sim, credenciar-se junto a quem produz, aos trabalhadores, à sociedade em geral. É isso que nos garantirá, inclusive, posição mais robusta em relação ao mercado financeiro.

Desde 1980 vivemos sob a égide de um tempo perdido em termos de crescimento. Nossos índices, por 20 anos, pouco oscilaram acima da casa dos dois por cento. O Brasil inteiro clama por uma nova agenda econômica.

É inconcebível a manutenção das atuais taxas de juros pelo Banco Central, quando a economia despenca, principalmente o setor industrial. Se os próprios bancos já trabalham com taxas inflacionária futuras em declínio, em torno de seis por cento, numa economia mundial sob o risco de deflação (e não de espiral inflacionária) cabe ao governo tomar medidas concretas para favorecer o crédito e permitir aos empresários investirem na certeza de que suas margens de lucro, em uma economia competitiva, possam cobrir seus custos de produção.

Uma nova política de juros no país exige, como precedência, a superação de uma grave distorção técnica que nos acompanha há muito tempo. As bases de cálculo da inflação do Banco Central foram expurgadas dos efeitos sazonais dos últimos 15 anos, o que gera um índice de inflação, a menor na alta, a maior na baixa. Ou seja, esse tipo de conta, as chamadas médias aparadas, a pretexto de garantir mais segurança quanto às metas de inflação, provocou uma overdose de juros e o País foi lançado no caminho da recessão.

Assusta-nos quando segmentos do governo, fazendo eco ao senso comum, aplaudem políticas - ou a inexistência delas - que valorizam o real, enchendo-se, ao mesmo tempo, de sentimento ufanista e oco. É a platitude de se satisfazer com a queda do risco Brasil e a desvalorização do dólar. Ora, a flutuação do câmbio para cima, superando a paridade criminosa a que fomos submetidos anteriormente, é que impulsionou vários segmentos da nossa economia, entre eles o agronegócio, levando-os a produzirem superávits comerciais importantes. No longo prazo, sabemos, a política cambial não é suficiente para alavancar sozinha um projeto de desenvolvimento, mas neste momento é um elemento primordial de política pública. Nesse sentido, um dos grandes instrumentos operacionais de intervenção indireta no câmbio diz respeito à própria renegociação dos títulos públicos, que não necessariamente precisam ser rolados em sua totalidade.
Relegar a política cambial a um plano menor seria uma atitude temerosa e criticável, porque a vulnerabilidade externa é, na verdade, o maior obstáculo ao crescimento sustentável.

A manutenção e a ampliação de superávits comerciais são fundamentais não apenas para impulsionar a retomada do crescimento, mas também para gerar as condições necessárias para uma discussão mais soberana com nossos credores externos e o FMI.

Nesse mesmo contexto, o PPS acredita ser necessário, também, rediscutir o conceito de superávit primário e os próprios termos e limites do último acordo com o FMI, sem, com isso, abdicar da política de responsabilidade fiscal, que é um valor da gestão democrática. Uma flexibilização se impõe nessas duas áreas, de forma a permitir que empresas e o próprio governo, cumpridas as metas relacionadas à responsabilidade fiscal, possam ter liberdade para realizar investimentos. A desagregação do superávit primário, por exemplo, é uma saída para permitir a captação de financiamentos por estados, municípios e estatais com capacidade de endividamento, financiando uma parte dos investimentos do setor público, hoje precariamente viabilizados pela receita corrente. Isso também se aplicaria à própria Caixa Econômica Federal que, mesmo dispondo de recursos, está quase paralisada, por força maior, em seus projetos habitacionais e de saneamento.

É fundamental nesse contexto --quase uma exigência-- que os investimentos das empresas estatais, não dependentes de recursos do Tesouro, sejam excluídos do cálculo de déficit público do FMI.

Cabe ao governo exercer nossa soberania nessa questão.

De passagem, preocupa ao PPS o perfil da atual política de gestão do Estado conformado pelo novo governo. Não estamos seguros, pelos critérios que vêm sendo utilizados para o preenchimento de cargos e funções estratégicas, que a linha de frente da administração pública esteja apta para gerir, com eficiência e segurança, o grande projeto propugnado por todos nós, esperançosos que saímos das urnas em outubro. Nunca é demais lembrar: a dimensão política da burocracia, necessária quando o eleitor soberanamente faz opção por uma nova orientação para o país, não pode, sob qualquer hipótese, sacrificar a dimensão técnica.

Os setores estratégicos e as atividades essenciais do Estado --inclusive aquelas ligadas à segurança nacional-- precisam de parâmetros de gestão democráticos e técnicos, sob responsabilidade dos quadros de carreira, e não podem ser instrumentalizados partidariamente, muito menos serem objeto de barganhas políticas. Quadros esses que devem ser levados em consideração quando se discutem as reformas do Estado brasileiro, em particular a da Previdência, cujo carácter deve ser acentuadamente reformista (saindo da repartição simples para a adoção de previdência complementar de capitalização, com garantias de direitos dos servidores ) e não um ajuste fiscal.

Mais uma ligeira digressão. A história registra um importante embate de larga repercussão política, no início da década de 60, entre os comunistas do então PCB e os partidários das ligas camponesas acerca da questão fundiária brasileira. A reforma agrária "na lei ou na marra", palavra de ordem das Ligas, nos levou a vários equívocos, sendo o principal deles o menosprezo à questão democrática. Hoje, quarenta anos depois, em um Brasil mais complexo, aquele equívoco reaparece como palavra de ordem do MST como coisa nova, mas, na verdade, um velho cacoete revolucionário da "dualidade de poder". Mais grave, tudo isso com uma certa tolerância no interior do governo. Que bom se ela se repetir apenas como farsa, mas devemos cuidar para que não ocorra como tragédia.

Pelas manifestações que vimos percebendo nas últimas semanas, há no Brasil um perigoso grito parado no ar, que pode se converter em fonte de energia para operar transformações profundas em nosso país, ou, então, em estoque social de deslegitimação do novo governo. Por motivos diferentes, renomados intelectuais, servidores públicos da alta burocracia, trabalhadores e empresários comprometidos com o desenvolvimento, aos poucos, amplificam suas vozes discordantes em relação a um conjunto de decisões do Palácio do Planalto, sobretudo no tocante à política econômica.

Não se governa com as ruas sem ceder ao populismo, mas ignorá-las simplesmente seria uma temeridade política. O pior de tudo, no entanto, é o perigoso deslocamento para a oposição, mesmo que pontual, de aliados de primeira hora e da própria base histórica que levaram o atual Governo ao poder.

A democracia representativa, baseada na separação harmônica dos poderes, é o espaço privilegiado para o exercício da política. Por isso confiamos no governo Lula e na sua capacidade de promover, democraticamente, as mudanças e as transformações de que o país demanda.

Não podemos ceder à demagogia nem fazer o jogo daqueles que já querem, com a retórica verborrágica, arrastar a atual administração para um novo curso voluntarioso e, pior, aventureiro. Obviamente, isso não queremos, mas, é também evidente, e disso estamos convencidos, que a nação deseja e quer mudanças, reais."
 

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