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11/07/2003 - 07h18

Acordo começou a ser definido no dia 23, mas não resistiu 24 horas

ELIANE CANTANHÊDE
da Folha de S.Paulo, em Brasília

O recuo do governo na reforma da Previdência começou a se delinear na noite de 23 de junho, uma segunda-feira, numa reunião na casa do presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP), com representantes de todos os setores decisivos, inclusive o governo, que deu aval às negociações.

Foi ali que foram admitidas as três primeiras mudanças, ainda vagas, que evoluíram para o "pacote" anunciado informalmente anteontem e desautorizado ontem. Eram elas: regra de transição para idade e redução das perdas previstas nas pensões e nas aposentadorias de funcionários que foram da iniciativa privada.

Participaram, pelo governo, o ministro Ricardo Berzoini (Previdência) e o líder na Câmara, Aldo Rebello (PC do B-SP). Pelo Congresso, João Paulo e o relator, José Pimentel (PT-CE). Pelo PT, o líder Nelson Pellegrino (BA) e cerca de 15 deputados do núcleo petista ligado ao Planalto. Pela Central Única dos Trabalhadores, seu presidente, Luiz Marinho.

Ali foi selada a disposição para fazer o jogo da "negociação", driblar centenas de emendas individuais e dar discurso para a cúpula sindical neutralizar as resistências das bases, sem deixar o governo na linha de frente. Deveria parecer "iniciativa do Congresso". Tudo pronto, o recuo foi levado de bandeja ao Judiciário, que aprofundou as mudanças.

No dia seguinte à reunião, deputados ligados ao "núcleo duro" do governo se reuniram com representantes dos magistrados num hotel de Brasília, para tomar café da manhã e ouvir as reivindicações da categoria. O clima entre Executivo e Judiciário estava ruim, mas o governo começava a negociar mais concessões do que previra. Até se arrepender ontem.

As vagas idéias originais de recuo ganharam forma com as três sugestões do Judiciário: manutenção da integralidade e da paridade, com subteto salarial nos Estados em 90% dos ministros do Supremo Tribunal Federal. Encampadas a ferro e fogo pelo presidente do STF, Maurício Corrêa, elas acabaram retornando num efeito bumerangue para o Congresso, que as acatou com prazer.

Como pano de fundo das negociações técnicas, uma grave questão política: as relações desconfortáveis entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e Corrêa, que, ao tomar posse, no dia 5 de junho, fizera um discurso duro, colocando-se como o defensor do Judiciário nas reformas. Constrangido, Lula calou-se. E não gostou.

Houve uma delicada operação política para reaproximar o presidente de Maurício Corrêa. No dia 16, Lula enviou o deputado Sigmaringa Seixas (PT-DF) com uma bandeira de paz para Corrêa, que marcara para o dia seguinte uma reunião dos presidentes de tribunais. Uma reunião que, claro, se transformou numa espécie de ato contra as reformas.

As relações continuaram estremecidas, e Lula fez discurso, no dia 24, dizendo que "só Deus" e nem Judiciário nem Legislativo poderiam atrapalhar o desenvolvimento do país. Era uma referência indireta às reformas. Na mesma tarde, o cerimonial do Planalto ligava para o STF avisando que o presidente não iria à posse, no dia seguinte, dos três novos ministros da Casa, indicados por Lula. Cheirava a retaliação.

Depois disso, além de Sigmaringa, entraram na "turma do deixa-disso" o chefe da Casa Civil, José Dirceu, e o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). Até que, a convite de Lula, Corrêa foi ao Planalto. O Executivo caía na armadilha, ou no compromisso, de encampar as reivindicações do Judiciário. Essa decisão foi discutida, por exemplo, numa reunião no Planalto na quinta-feira passada, dia 3 de julho. Lula estava presente, assim como a cúpula do governo. Ou seja, o governo avalizava, mais uma vez, as negociações para "flexibilizar" a reforma.

Com o governo baixando a guarda, o Congresso não se fez de rogado. Os líderes se reuniram na quarta-feira passada, na casa de João Paulo, oficialmente para discutir a nova lei de falências, e acabaram anunciando o "acordão". Primeiro, os líderes chamaram e ouviram Berzoini, que resistiu à manutenção da paridade e avisou qual seria o tom de sua entrevista posterior à imprensa: "Vou sair daqui defendendo a PEC 40 [ou seja, a proposta original]".

Depois, chamaram Dirceu, o homem forte do governo, que estava com pressa. Aborrecia-se porque precisava tomar um remédio, finalmente entregue por um assessor, e porque tinha hora para levar os filhos ao aeroporto.

Só à tarde, no Congresso, Dirceu entrou na mesma linha de Berzoini contra a manutenção da paridade. "É difícil", avisou. Já estava, àquela altura, refletindo a preocupação do ministro Antonio Palocci (Fazenda) com o excesso de liberalismo das negociações no âmbito parlamentar.

Para concluir a festa, os líderes, entusiasmados, chamaram à casa de João Paulo o presidente do STF. Ao chegar, Corrêa já foi tirando um papel do bolso com a lista de mudanças. Os líderes aceitaram, felizes e satisfeitos. Até brincaram com João Paulo, que estava de moleton e barba por fazer: "É o nosso aposentado", dizia Eunício Oliveira (PMDB).

Palocci jogou água fria. Se na quarta o clima era de festa, ontem era de ressaca. E os mesmos parlamentares que articularam desde o início o recuo passaram a preparar o caminho de volta: o recuo do recuo. Além da paridade, já não se aceitava facilmente a manutenção da integralidade. "Rever para quem está no sistema, vá lá. Mas para quem ainda vai entrar?", indagava o deputado Paulo Bernardo (PT-PR), governista. Sob críticas dentro e fora do governo, o "acordão" não resistiu 24 horas.
 

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