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16/08/2003 - 16h54

Ex-ministro diz que reforma da Previdência é incompleta

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VINÍCIUS QUEIROZ GALVÃO
da Folha Online

O ex-ministro da Previdência e atual secretário da Administração e da Previdência do Estado do Paraná, o economista Reinhold Stephanes, 63, acha uma "impropriedade" chamar a proposta do governo Lula de mudar o sistema de aposentadorias, aprovada em primeiro turno no Câmara na quarta-feira passada, de reforma da Previdência.

Três vezes ministro da pasta, as duas primeiras no governo do ex-presidente Fernando Collor (1990-92), e outra no primeiro mandato do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-98), Stephanes diz que o governo Lula errou ao focar o texto nos servidores públicos e que a redução do déficit previdenciário deve ser, no máximo, de 15%.

Ele reconhece, no entanto, que faltou ao ex-presidente Fernando Henrique a capacidade de prever a reação dos partidos de oposição quando tentou implementar uma reforma da Previdencia durante a sua gestão.

Folha Imagem
Reinhold Stephanes
Stephanes, que também foi presidente do extinto INPS (Instituto Nacional de Previdência Social) durante o governo do ex-presidente Ernesto Geisel (1974-79), é conta a taxação de inativos, argumentando que essa medida "só vai representar 2% ou 3% na diminuição do déficit".

Ele é autor, entre outros, de "Política Social e Previdência Social no Brasil" e "Previdência Social: uma solução gerencial e estrutural". Por telefone, da Secretaria de Estado da Administração e da Previdência do Paraná, em Curitiba, ele concedeu a seguinte entrevista à Folha Online.

Folha Online - Que avaliação o sr. faz da reforma da Previdência do governo, aprovada em primeiro turno?

Reinhold Stephanes - É uma impropriedade se chamar isso de reforma da Previdência. A Previdência são quatro grandes regimes: o INSS [Instituto Nacional do Seguro Social], que não foi atingido por essa reforma, os fundos de pensão, que também não foram atingidos, os militares --e aí incluindo as polícias militares, que é um volume grande em todo o Brasil--, que também não foram incluídos, e dos servidores públicos em parte, porque 3.000 municípios têm o regime vinculado ao INSS. Sem levar em contas as empresas públicas e até autarquias que têm CLT ]Consolidação das Leis Trabalhistas] e são vinculadas ao INSS. Então a reforma atinge apenas o serviço público e mesmo assim só parte do serviço público. É uma impropriedade chamá-la de reforma da Previdência. Ela, na melhor das hipóteses, é uma reforma do regime dos funcionários públicos.

Folha Online - O sr. não vê nenhum avanço?

Stephanes A reforma vai reduzir, quando muito, o déficit atualmente existente entre 10% e 15%. Portanto, ela é muito pequena em função da dimensão do problema. Sob o ponto de vista financeiro a reforma não é a ideal.

Folha Online - Se a reforma não traz tantos benefícios para o país, por que o sr. acha que o presidente Lula enfrentaria o desgaste político que está enfrentando?

Stephanes - O problema é que o próprio Lula, no pronunciamento que fez na última quinta-feira, acredita que fez a reforma. Como eu disse, não é uma reforma da Previdência. Está se mudando apenas um dos regimes, e dentre desse regime, partes, e dentro dessas partes, a metade. Até agora o governo não tem demonstrado os números que nos façam ver qual é o impacto de cada medida dessa, de cada concessão dessa. No final qual será o impacto da reforma na diminuição do déficit? Isso o governo não deu. Acho que isso é importante. A sociedade tem que saber qual é esse impacto em termos de números.

Folha Online - Quais são os pontos negativos e os positivos?

Stephanes - O erro da reforma é ter tratado apenas de um setor, basicamente [servidores públicos]. O único ponto que chega a ser substancial é o aumento da idade mínima para se aposentar. Entre a reforma que o presidente [Lula] encaminhou até a reforma neste momento, sob o ponto de vista de combate ao chamado rombo financeiro --o déficit--, ela já perdeu a metade de sua força. Porque ela sofreu concessão em praticamente todos os seus itens. Aliás, eu não conheço nenhum item que não tenha sofrido concessão.

Folha Online - O senhor acha que o texto passaria sem concessões na Câmara?

Stephanes - Se a reforma, como foi vendida à sociedade --eu não estou dizendo que a reforma é correta--, tinha dois grandes objetivos: diminuir o rombo da Previdência e criar uma igualdade de regimes. Ora se esse rombo só é diminuído de 10% a 15%, ela não atingiu nem de longe o objetivo vendido pelo governo. A medida em que se manteve praticamente tudo, a integralidade, a paridade, não se diminui a desigualdade entre o regime geral e o dos servidores. Eventualmente essa diferença entre os dois regimes seria diminuída daqui a 35 anos para os novos entrantes. Mesmo assim, daqui a 35 anos, ela ficou dependente da criação de regimes complementares públicos. Ou seja, se um município ou um Estado não resolver criar um regime complementar público, o mesmo novo entrante vai continuar no regime antigo. Então a reforma não teve os objetivos atingidos nem de longe.

Folha Online - Como seria uma reforma da Previdência ideal?

Stephanes - Eu até poderia falar sobre isso, mas como eu fui massacrado pelo PT e pelos partidos que estão hoje no governo, por ter na época proposto uma reforma que eu considero correta --tanto que ela foi aprovada para o INSS integralmente, para os regimes de pensão integralmente, só não foi aprovada na parte para os servidores públicos e militares--, e nesta hoje o PT reconheceu que tem que fazer, mas acabou não fazendo. Como eu fui considerado o homem mau da história, não pretendo agora dar um palpite para continuar sendo considerado o homem mau. Eu deixo o desgaste de fazer, ou não fazer, para o PT. Esta reforma estaria hoje já resolvida há muito tempo. O prejuízo que isso deu de não ter sido aprovado em 1995 foi de R$ 150 bilhões.

Folha Online - O sr. acredita que a reforma vá ser alterada no Senado?

Stephanes - Eu acho que o Senado vai reivindicar sua participação. Pelo menos historicamente isso aconteceu. Ela pode ainda diminuir a pouca força que lhe restou. Agora eu não tenho nenhuma dúvida de que em dentro de quatro ou cinco anos esse governo eleito, ou um novo governo, estará, como número um de sua pauta, a reforma da Previdência e o seu déficit.

Folha Online - O número do déficit que o governo alega bate com o balanço que o senhor viu quando era ministro?

Stephanes - Um dos déficits que está crescendo com uma velocidade muito grande é o do INSS. Quando saí do cargo esse déficit era de R$ 1,5 bilhão. E isso faz cinco anos. O déficit deste ano, segundo informações que eu tenho, é de R$ 20 ou R$ 25 bilhões. E isto tendo havido uma reforma na área do INSS. A pergunta é porque esse déficit vem nessa velocidade de crescimento? Há três ou quatro razões. A Previdência não vem sendo administrada. A questão gerencial é muito séria nos últimos anos. A questão do mercado informal que deveria ser item número um de qualquer pauta de discussão sobre reforma. E a solução disso não é difícil. Outro problema é a renúncia fiscal que o INSS faz, que é muito grande.

Folha Online - Como o sr. vê a proposta do PSDB, da CUT e da esquerda do PT de incluir 40 milhões de trabalhadores do mercado informal no INSS?

Stephanes - A idéia é perfeita. Eu digo isso já há muitos anos. Tenho até um livro sobre isso. A questão é saber como fazer.

Folha Online - E qual seria a forma correta de fazer ?

Stephanes - Todo brasileiro, para ter sua cidadania, tem que ter o seu cartão de inscrição na Previdência Social, como é praticamente em todos os países. Se o sujeito trabalha no mercado informal, se tem renda, conta bancária, ele tem que ser contribuinte da Previdência Social. Claro que os direitos dele serão diferentes dos direitos de um contribuinte normal, até porque ele não vai conseguir contribuir no mesmo volume que os outros, quando o empregado contribui e o empregador contribui. Para isso deve haver uma legislação especial em relação ao que ele vai contribuir e ao que ele vai receber no futuro em função da contribuição. Todo brasileiro que participa da sociedade com trabalho, seja ele formal ou informal, tem obrigatoriamente que ser assegurado da Previdência Social.

Folha Online - Essa inclusão não contribuiria para a flexibilização das leis trabalhistas?

Stephanes - Não. A organização do trabalho se dá nessa linha. A discussão que eu enfrentei durante muito tempo, e por isso não consegui resolver o problema ainda no meu período, era a diminuição da formalização. O mercado em grande parte é informal. Se eu puder criar medidas que também possam flexibilizar ou que possam flexibilizar a inclusão dele no mercado formal, evidentemente que isso pode ser feito. Por exemplo, na área rural, se é muito caro formalizar as pessoas no campo, elas não serão formalizadas. Agora se eu tornar mais barata a formalização, vai ser importante para a Previdência Social, para o empregador, enfim, para todos. O que não se pode dizer é o seguinte: eu só vou aceitar na Previdência quem estiver formalizado. As formas de organização do trabalho estão evoluindo. Há tipos de trabalho hoje que não há como se ter carteira assinada. A Previdência Social tem que considerar isso, mas não pode aceitar que o cidadão tenha conta bancária, trabalhe --mesmo que seja no mercado informal--, participe do mercado, e não seja associado na Previdência.

Folha Online - A Previdência não quebraria a médio ou longo prazo?

Stephanes - Não, porque quem trabalha paga para os que não trabalham. Os que estão trabalhando sofrem os descontos que vão para uma conta para se pagar os 21 milhões de brasileiros que estão recebendo mensalmente do INSS. Agora se a metade dos que estão trabalhando não contribuindo, essa conta vai ficando muito alta para a metade que está formalizada, ou leva ao déficit que o governo tem que cobrir de outra forma. O mercado informal tem que contribuir, até porque essas pessoas que estão no mercado informal o Estado vai ter que ampará-los.

Folha Online - A saída para esse déficit do INSS não seria o combate à sonegação?

Stephanes - Sim, mas quando eu falei da ingerência, que o INSS está sendo mal-administrado, eu estou incluindo isso. São dois itens: um é administrar o INSS o outro é o mercado informal.

Folha Online - A contribuição dos inativos é tão essencial como diz o governo?

Stephanes - Não, porque ela ficou extremamente limitada. Ela vai representar 2% ou 3% na diminuição do déficit. Eu, doutrinariamente, sou contra a taxação de inativos. A solução não é cobrar dos aposentados. A solução é trabalhar mais tempo e contribuir mais tempo, como se faz em todo o mundo. O grande problema nosso é a precocidade e vai continuar a precocidade da aposentadoria.

Folha Online - Houve erro político na condução da reforma da Previdência do governo Fernando Henrique Cardoso?

Stephanes - O que faltou na reforma do Fernando Henrique foi a capacidade de prever a reação dos partidos de oposição da época. Eles agiram como uma verdadeira guerrilha legislativa na época. Tudo isso que houve agora, quebra-quebra, havia na época de forma mais forte porque era com o apoio do PT e da CUT [Central Única dos Trabalhadores]. Para cada item que era discutido o PT apresentava 200 emendas e não fazia acordo. Então a coisa foi se arrastando e a reforma durou quatro anos. O que houve de erro político mesmo foi a questão da reeleição, porque quando ela [a reforma da Previdência de FHC] vinha num ritmo possível de ser aprovada quase integralmente, entrou em discussão o projeto de reeleição que diminuiu o ímpeto inicial. Veja que o item da idade perdeu por um voto só.

Folha Online - Como a elevação do subteto do Judiciário de 75% para 90,25% afeta os Estados?

Stephanes - Em muito pouco. São poucas as pessoas vinculadas ao Judiciário. Essa foi uma discussão desnecessária.

Folha Online - O que o sr. acha da reforma tributária?

Stephanes - Aí eu não poderia responder. Eu cometeria um erro ao responder isso. O Paraná está apoiando a reforma tributária do jeito que ela está colocada.

Folha Online - Como o sr. avalia a condução do ministro Ricardo Berzoini à frente da pasta que o sr. ocupou?

Stephanes - A pasta não está sendo administrada. Ele está tratando de reforma, o que já é um ponto importante. Acho que falta a ele muito conhecimento sobre Previdência Social. Fora isso não posso dizer muita coisa.
 

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