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19/08/2003 - 13h36

Entidades sociais criticam política econômica e pedem geração de empregos

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SILVIO NAVARRO
da Folha Online

Um dos principais pontos do documento elaborado pela Coordenação dos Movimentos Sociais é uma lista de críticas à política econômica do governo de Luiz Inácio Lula da Silva.

Além de afirmar que o governo adota uma agenda ultrapassada, o documento diz que o atual modelo é "dependente de acordos que aprisionam as política econômicas do país aos interesses do capital". Também afirma que "é preciso pôr fim à política que gera superávit primário", pede redução dos juros e "ruptura com os compromissos da dívida".

Entre as reivindicações, o texto aborda temas que irão pautar as discussões sobre a reforma trabalhista, que o governo tentará emplacar após a aprovação das reformas da Previdência e fiscal. Defende a elaboração de um programa conjunto entre as administrações federal, estaduais e municipais para gerar empregos, sob a forma de "frentes" integradas, que privilegie o trabalho manual.

Veja abaixo a íntegra do documento-base da CMS:

"Soberania nacional, desenvolvimento, trabalho, distribuição de renda com inclusão social"

Este documento tem por finalidade municiar os militantes com um elenco de propostas que compõem um projeto alternativo de desenvolvimento econômico e social. Essas propostas podem alimentar o debate público; conscientizar a população; influenciar a discussão sobre o conteúdo das reformas no Conselho para o Desenvolvimento Econômico e Social e no Fórum Nacional do Trabalho. Visa também municiar o conjunto dos movimentos populares e a classe trabalhadora para que haja unidade de ação e mobilização popular, exigindo, conforme disse Lula em seu discurso de posse: "o resgate das centenárias dívidas sociais deste país".

Introdução

A política neoliberal aplicada no Brasil ao longo dos últimos anos, foi marcada por uma ofensiva brutal contra as forças de trabalho. O pensamento dominante dizia que a depreciação do valor da mão de obra brasileira e a derrubada de direitos e conquistas da classe trabalhadora levariam a um aumento dos lucros extraídos pelas empresas e criariam melhores condições para o desenvolvimento nacional. Assim como a precarização das relações trabalhistas tem o pretexto de favorecer o crescimento e ampliar a oferta de emprego. O arrocho salarial é apresentado como condição para combater a inflação, e a redução dos direitos previdenciários, como indispensável para conter o déficit público e elevar a poupança interna.

Esse discurso neoliberal, feito anos a fio, acaba por demonstrar que é falso em todos os seus aspectos, pois, o desenvolvimento econômico desabou, o desemprego cresceu ultrapassando os 20%, enquanto 50% dos que trabalham estão sem carteira assinada, sem nenhuma segurança social, e os salários perderam parte significativa de seu poder aquisitivo. Enquanto isso, a dependência externa estrangula nosso desenvolvimento e, ao mesmo tempo, os grandes bancos têm lucros extraordinários, com juros de pura agiotagem.

O governo Lula desperta esperanças e possibilidades de mudanças desejadas pelos trabalhadores. Entretanto, não reuniu forças de sustentação política e econômica para implementar a agenda de mudanças que a situação do país exige. Ainda persiste a agenda anterior, com propostas que não garantem o fomento de uma política de desenvolvimento econômico e social.

Somente a mobilização social garantirá a manutenção da agenda dos movimentos sociais e a sustentação para as mudanças que respondam aos interesses populares e às reivindicações históricas do povo brasileiro.

Retomada do desenvolvimento

A retomada do desenvolvimento econômico brasileiro sustentado pressupõe uma nova política que, em oposição ao neoliberalismo, veja na valorização do trabalho uma fonte de desenvolvimento, o caminho para o fortalecimento do mercado interno e a possibilidade de aumento da capacidade de consumo e da inclusão social das amplas massas marginalizadas.

Para tanto, se faz necessário a superação da atual política, ainda dependente aos acordos que aprisionam as política econômicas de nosso país aos interesses do capital. Assim como é preciso pôr fim à política que gera "superávit primário", também se faz necessário a redução dos juros e a ruptura com os "compromissos" da dívida.

Uma nova fase de crescimento econômico interno e independente deve promover um aumento da oferta de empregos e conseqüente fortalecimento da economia brasileira. Nessa perspectiva, cabe ao governo estabelecer uma política de valorização do salário mínimo, que o eleve, progressivamente, para patamares indicados pelo Dieese.

O governo brasileiro reúne, hoje, condições para desenvolver uma política internacional que garanta novas condições de resgate do Mercosul, respeitando os direitos dos(as) trabalhadores(as), criando, ainda, uma política de integração latino-americana em oposição ao projeto estadunidense da Alca.

Plataforma política, econômica e social

Áreas carentes fundamentais, não apenas para o crescimento econômico, mas, sobretudo, para a elevação da qualidade de vida de todo o povo são prioritariamente:

a) Reforma Agrária. Desenvolvida no bojo de uma política agrícola que, além de garantir acesso à terra, de preferência em pequenos coletivos, proporcione apoio técnico; assistência financeira subsidiada, nova forma de distribuição da produção rural, e garantia de preços contra a especulação de intermediários. O Brasil tem enorme extensão de terras cultiváveis, de fácil acesso, que estão improdutivas. Temos, portanto, um potencial inicial para assentar alguns milhões de trabalhadores com a média, já praticada nos atuais assentamentos, de 18 hectares por família. A reforma agrária inclui ainda o fortalecimento da pequena agroindústria familiar, através de programas: a) de agroindustrialização em pequena escala em âmbito local; b) apoio às cooperativas de produção, agroindustrialização e comercialização. c) apoio ao crédito solidário e desburocratizado; d) programas de moradia para o campo; e) criação de programa de agroecologia; f) formação de bancos de sementes crioulas, visando mudar o modelo convencional de agricultura baseada nos agrotóxicos e g) proibição dos transgênicos.

b) Política industrial, política de rendas e política de emprego. Estas três políticas estão voltadas para dois objetivos simultâneos: garantir o pleno emprego de toda a força de trabalho da economia e proporcionar a todos os brasileiros um nível de renda compatível com uma existência digna, nos termos da nossa cultura.

A política industrial deverá voltar-se para o aumento da produção de bens-salário, a fim de atender à imensa demanda reprimida constituída pelos milhões de brasileiros e brasileiras praticamente excluídos do mercado de bens de consumo. Para atingir esse objetivo, se estimulará o pleno uso do parque industrial já instalado no país, a expansão dessas indústrias e sua dispersão por todo o território nacional.

A política de rendas visará fixar salários que possibilitem assegurar uma demanda dinâmica para o setor industrial.

A política de emprego estará atenta para ajustar a modernização tecnológica, preferentemente via inovação gerada no país, ao objetivo de pleno emprego: os atuais empregados precisam manter seus postos de trabalho; os desempregados precisam ser re-empregados; e atenção especial deve ser dada à integração da juventude no mercado de trabalho. O incentivo ao 1º emprego deve estar associado a uma política educacional que promova a reformulação e a ampliação do ensino técnico, assim como promova a qualificação profissional dos jovens.

Da mesma forma, deve-se dar atenção e combater a desigualdade étnico-racial, e entre homens e mulheres, no que diz respeito ao acesso ao emprego, aos salários e às condições de trabalho.

A era FHC foi marcada por forte investida contra os direitos trabalhistas, tornando o trabalho, para milhões de brasileiros e brasileiras, precário, sem amparo previdenciário e com drástica redução salarial. A reforma das leis trabalhistas deve assegurar os direitos conquistados e ampliá-los ainda mais, proporcionando a justa distribuição dos benefícios de todos os bens materiais e culturais socialmente produzidos.

Dentre essas reformas, ressalta a que promove a redução da jornada de trabalho, sem redução de salários. A redução da jornada, além de gerar mais postos de trabalho, reduz o desgaste físico e mental do trabalhador, deixando-lhe mais tempo para o estudo, para o lazer e para o convívio social e familiar. Uma primeira medida neste sentido, que além de necessária e viável, seria a redução para uma semana máxima de 36 horas, com redução proporcional das jornadas que hoje já são inferiores à essa. Da mesma forma, seria importante a proibição das horas extras e da flexibilização da jornada como ocorre hoje com os famigerados "bancos de horas".

Considerando a necessidade imediata de trabalho para mais de 20 milhões de trabalhadores, os governos das três esferas (federal, estadual e municipal) devem desenvolver programas emergenciais para gerar trabalho através das "frentes de trabalho" em que privilegie, sempre que possível, o trabalho manual ao das máquinas.

c) Programa de construção de Moradias Populares. Destinado a satisfazer uma demanda de cerca de 10 milhões de moradias, a fim de acabar com as palafitas, mocambos, casebres, cortiços e favelas. A adoção de um sistema autogestionário para a construção dessas casas dará trabalho a centenas de milhares de trabalhadores. O programa de construção de moradias populares é parte de uma Reforma Urbana que permita acabar com a especulação, garantindo assentamentos nas terras estocadas, com programas de construção de moradias para os sem teto, a baixo custo e subsidiadas. Tal reforma deve garantir a elaboração do planejamento em longo prazo, eliminar causas da poluição ambiental e universalizar os serviços sociais. Tudo isso contribuirá para melhorar o atendimento das necessidades do povo e para humanizar a cidade. Neste sentido, é fundamental que as municipalidades garantam atendimento decente aos migrantes, sejam brasileiros ou estrangeiros, dentro do sagrado direito de "ir e vir".

d) Projeto de reformulação do sistema nacional de saúde pública. Torná-lo preventivo das doenças, principalmente as endêmicas. O serviço de saúde pública deve proporcionar atendimento condizente com a dignidade das pessoas. Investimentos precisam ser feitos na pesquisa científica, tanto na área da saúde em si, quanto na produção e descoberta de novos medicamentos. O sistema de saúde deve estar associado a um projeto nacional de Saneamento Ambiental que venha dotar, em curto prazo, todos os municípios e localidades, com redes de abastecimento regular de água e esgotamento sanitário; macro e micro drenagem, controle de vetores, recuperação ambiental, e preservação dos recursos naturais. Os programas de saúde e de saneamento, além de elevar a qualidade de vida da população, contribuirão significativamente para o objetivo de pleno emprego.

e) Projeto de reformulação do sistema de educação pública. Com o objetivo de universalizar o aceso à escola, em todos os níveis, reformulando também seu conteúdo. Educação que prepare cidadãos - e não meros reprodutores do sistema capitalista - capazes de assumir o desafio da construção da Nação brasileira. Há necessidade de grandes investimentos para alfabetizar a população adulta e para o acesso de crianças de "0" a "6" anos em creches e ensino infantil. São necessárias novas escolas, bem equipadas, com limite de alunos por sala de aula, a fim de humanizar e potencializar o trabalho do professor e melhorar o aproveitamento dos alunos.

Necessitamos também de um sistema de ensino com a perspectiva de construção de uma nova universidade, que invista em docência, em pesquisa e em extensão universitária. Além disso, é necessário ampliar o número de vagas nas universidades públicas, a fim de democratizar o acesso e a permanência, garantindo a todos o direito à educação e pondo fim à mercantilização do ensino. A elevação do grau de escolaridade e de preparação técnica dos trabalhadores é fundamental para assegurar o desenvolvimento econômico nacional com a devida independência, assim como, assegurar um grau mais elevado da realização humana de cada trabalhador. Desenvolvimento econômico e elevação do padrão técnico-intelectual dos trabalhadores são fatores que contribuem para a elevação do nível salarial e do padrão de vida geral do povo brasileiro.

f) Sistema de transporte. O Brasil tem extensão territorial continental, o que, desde logo, sugere que o modo de transporte principal deveria ser o transporte sobre trilhos. No entanto, seu sistema de transporte se desenvolveu sobre pneus; um sistema de construção e manutenção caro, altamente poluidor, além de infinitamente menos seguro que o transporte sobre trilhos. A construção de extensa rede de estradas de ferro, além de reduzir a agressão ao meio ambiente, significará para o Brasil, um desenvolvimento que encurtará distâncias, tornando mais rápido o transporte de cargas, com o conseqüente barateamento dos produtos, sobretudo agrícolas. Nas grandes e médias cidades, o transporte de massas ajudará a encurtar o tempo de locomoção, barateará e humanizará o transporte de passageiros, fará diminuir sensivelmente a emissão de gazes poluentes. Um sistema coerente de transportes deve combinar o transporte terrestre (ferroviário e rodoviário) com o desenvolvimento equilibrado da navegação fluvial, da navegação costeira, da industria naval, do transporte aéreo e da industria aeronáutica.

g) Apoio às lutas dos povos indígenas. Implementar a demarcação e garantias suas terras e suas culturas. A Constituição de 1988 estabelece o reconhecimento aos direitos originários às terras que os índios ocupam tradicionalmente, fixando a responsabilidade da União em demarcá-las. Reconhece, ainda, o direito à diferença cultural, fundamento de um Estatuto pluriétnico e o caráter multicultural da nação brasileira. Com o não cumprimento do que estabelece a Constituição Brasileira, cresce o quadro de violência que tem vitimado várias lideranças indígenas e membros de suas comunidades. Faz-se necessário ativar a proteção aos povos indígenas e ao seu patrimônio, nas bases constitucionais de 1988.

h) Atendimento social. Temos carência também de um sistema de atendimento social para recuperação de drogados, apoio à terceira idade, orientação para o planejamento familiar, amparo e orientação à infância e à adolescência desamparadas. Entre as ações de atendimento social deve-se incluir um sistema prisional que, mais do que punir criminosos, vise recuperá-los para o convívio social. Todos esses projetos geram postos de trabalho especializados e de apoio - trabalhos que constroem vidas.

i) O incentivo às micros e pequenas empresas produtivas, assim como, às cooperativas de trabalho. Será fundamental para atender as grandes demandas originadas do novo surto de desenvolvimento. Cada nova empresa estará gerando novas vagas de trabalho, regionalizando o desenvolvimento e elevando o padrão de vida local. Linha de crédito para pequenas e médias empresas, visando estimular a produção, mas sem qualquer flexibilização das relações de trabalho, para iniciativas dos desempregados que têm chances de trabalhar em sistema de cooperativas ou autogestionário será fundamental para estimular novas formas de relações de trabalho, estimulando surgimento de trabalho alternativo.

j) Esporte amador, lazer e vida. O esporte no Brasil caminha aos trancos e barrancos, sendo privilegiados os esportes profissionais voltados para o consumismo dos produtos do sistema. Investir num sistema de esportes amadores resultará em melhorar as condições de saúde e de vida de nosso povo, contribuirá para desenvolver sua cultura, além de propiciar lazer e principalmente inclusão social. Aqui, também há necessidade de profissionais especializados em ampla escala.

Um outro Brasil é possível!
Para que todas essas mudanças possam ocorrer no país, é preciso fortalecer a Soberania Nacional, ampliar a democracia, mobilizar os trabalhadores e a população em geral, reunindo força suficiente para enfrentar os interesses dos banqueiros, das transnacionais, dos latifundiários, bem como dos organismos internacionais, abrindo perspectivas para a construção de um novo país.

Coordenação dos Movimentos Sociais
"Organizar a Esperança!"
 

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