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21/08/2003 - 19h23

Lula diz que reforma tributária tem pontos a serem "corrigidos"

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da Folha Online

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse hoje, na cerimônia de lançamento da Nova Sudam, em Belém, que há pontos da reforma tributária que precisam ser "corrigidos", mas que essa correções devem ser negociadas de acordo com as especificidades de cada região.

"A proposta tributária não é só do presidente. Está assinada por mim e pelos 27 governadores. Isso não significa que não tenha nada a ser corrigido. Tem. O processo é dinâmico, temos diferenças enorme de região para região. É justo e normal que cada secretário de Estado queira puxar para si todo e qualquer recurso, sem abrir mão de absolutamente nada", disse o presidente.

Lula voltou a afirmar que a reforma tributária não vai resolver o problema dos Estados, dos municípios e do governo federal e que tem certeza de que ela será aprovado na Congresso, assim como foi a da Previdência.

Para ele, outros presidentes não conseguiram aprovar reformas, "talvez por falta de jogo político e não de competência."

"Pessoas que chegam a ser presidente pensam que não precisam mais de ninguém e podem fazer o que querem no país. Aprendi que uma boa conversa é o caminho para se conseguir o que quer", disse, em referência indireta às críticas do ex-presidenete Fernando Henrique Cardoso.

Sobre as críticas dos governadores que desejam uma participação tributária maior na reforma, o presidente disse que isso virá de forma "muito mais justa" quando a economia voltar a crescer.

Lula diz estar disposto a negociar com os governadores, mas ressaltou que o país não podia continuar "com uma guerra fiscal alucinada e maluca".

Leia abaixo a íntegra do discurso do presidente Lula na cerimônia de lançamento da Nova Sudam, em Belém.

"Eu queria começar dizendo, para vocês, alguns compromissos que assumi, um pouco antes da campanha. Durante a campanha, no primeiro debate promovido pela Confederação Nacional das Indústrias, eu assumi o compromisso --e isso está colocado no meu programa-- que nós iríamos debater a Previdência Social, no primeiro semestre de 2003 e que iria enviá-la para votação no segundo semestre. O mesmo fiz com a reforma tributária.

O que aconteceu é que no dia 30 de abril, dois meses antes de terminar o primeiro semestre, nós demos entrada no Congresso Nacional, com a presença dos 27 governadores, da proposta de Previdência Social e da proposta de política tributária.

O que é mais importante é que, em apenas três meses e meio, nós votamos a reforma da Previdência Social, coisa que alguns tentaram durante 20 anos e não conseguiram. E não conseguiram, não porque não tivessem competência;não conseguiram, não porque não tivessem deputados valorosos; não conseguiram porque, aprovar determinadas coisas, no Congresso Nacional, precisa ter paciência para conversar, para dialogar e precisa gostar de fazer política.

E, muitas vezes, pessoas são guindadas a cargo de presidente da República e passam a pensar que não precisam de mais ninguém, que pode, apenas o governo e o seu ministério fazerem o que bem entendem, neste país.

Eu, como aprendi a fazer política muito sofrida, muito dura e apanhei muito, na vida, eu aprendi que uma boa conversa é insubstituível, para você aprovar uma boa causa. Aprovamos a política da Previdência Social e vamos aprovar a política tributária.

É importante ter em conta que a proposta de política tributária enviada ao Congresso Nacional não é uma proposta de política tributária do presidente da República. Ela está assinada por mim e pelos 27 governadores de Estados. Sem isso... E obviamente que o fato de o presidente da República e os 27 governadores terem assinado uma proposta não significa que não tenha nada a ser corrigido. Tem. Até porque o processo é dinâmico. O Brasil é muito diferente. De região para região, existem diferenças enormes. Nós temos regiões que já estão para entrar na quarta revolução industrial e algumas que não chegaram à primeira ainda. Temos regiões onde as pessoas já aprenderam a pagar impostos e outras onde as pessoas não aprenderam a pagar impostos. Temos regiões em que o desenvolvimento é muito dinâmico e noutras ainda não é. Então, temos consciência de que ainda tem coisas para serem acordadas no Congresso Nacional.

O que é muito importante termos claro é que não será através da reforma tributária que iremos resolver todos os problemas financeiros dos Estados, causados por anos e anos de desmandos neste país. É importante termos em conta que a justa distribuição de riqueza e da fatia do bolo virá de forma muito mais justa quando a economia brasileira voltar a crescer.

E vocês, que estão aqui presentes, estou vendo, pela fisionomia, todos parecem muito inteligentes para saber o jeito que eu peguei este país no dia 1º de janeiro de 2003. É importante ter claro, para saber que estamos contando não apenas com a competência de muita gente, com a vontade de muita gente, mas, eu diria, com a ajuda de Deus, para a gente evitar que a inflação voltasse a 40% e mantê-la a 7%, como estamos mantendo.

E sei que ainda tem muita coisa para fazer. Quando reuni os governadores --e aqui também tem ex-governadores-- é porque eu tinha clareza de que, se nós discutíssemos apenas com os secretários de Fazenda, não teria acordo tributário no país. E por que não teria acordo tributário no Brasil? Porque é justo e é normal que cada secretário de Fazenda queira puxar para o seu Estado tudo que ele puder puxar sem abrir mão absolutamente de nada. Então, era preciso tomar uma decisão política. E, ao tomar a decisão política, caberia a nós, dirigentes políticos --governadores e presidente da República-- fazer com que os nossos técnicos cumprissem as nossas decisões. Mesmo assim, sei que as coisas não são tão automáticas e tão fáceis.

É por isso que duvido que na História deste país tenha havido algum governo que tenha tido a disposição de dialogar com todos os segmentos da sociedade. Eu nunca perguntei de que partido uma pessoa é, a que religião ela pertence ou para que time ela torce, para que eu e os meus ministros atendamos às pessoas. Eu, inclusive... A maior demonstração disso é que tenho alguns ministros no meu governo que nunca nem perguntei a que partido pertencem. Eu os chamei para trabalhar pela simples competência profissional e pelo que eles representam para os setores em que eles se colocam como ministro.

E aqui tem um, que é o companheiro Roberto Rodrigues, que nunca perguntei se ele é filiado ao PFL, ao PT, ao PTB, ao PMDB. Sei que ele é ligado a um tal de um partido ruralista, porque nunca vi ninguém ter tanta liderança na área rural como tem o companheiro Roberto Rodrigues, junto aos empresários da área rural deste país. Como nunca perguntei ao companheiro Luiz Furlan, que é o representante da indústria e do desenvolvimento no país. Não perguntei porque o que eu queria não era um representante político. Eu queria um empresário que tivesse competência de fazer as negociações.

Não houve quem não falasse para mim: "Olhe, na hora de você escolher os comandantes militares, você escolha alguns amigos." E eu, mais do que amigos, quero profissionalismo e escolhi aqueles que estavam em primeiro lugar na fila para serem os comandantes das Forças Armadas brasileiras.
Então, acho que não tem nenhum problema que não tenha um espaço para discussão neste governo. Haverá vontade para discutir tudo que for possível ser discutido.

Agora, a verdade nua e crua é que o país não podia continuar com a guerra fiscal alucinada e maluca, como vinha tendo no nosso país. Não era possível Estados oferecerem financiamentos para capital de giro para durante 10 ou 15 anos. Não era possível que Estados que não conseguem fazer uma casa, para tirar um trabalhador da palafita, davam terreno, infra-estrutura, luz, água e ainda 20 anos de isenção para determinadas empresas se implantarem.

Era preciso chamar a atenção para que, num país em que você tem um governo central que tenha estratégia de desenvolvimento e que disputa, com os estados, um modelo de desenvolvimento, não precisa ter guerra fiscal.

Haverá o governo federal de ter a sabedoria, e estamos fazendo isso no Plano Plurianual, fizemos 27 reuniões. Alguns de vocês, aqui, certamente, participaram. Ouvimos prefeitos, governadores, movimento sindical, deputados, vereadores. Foram 2.170 entidades que participaram, nos 27 Estados, para que a gente pudesse, então, discutir um modelo de desenvolvimento nacional, regional e setorial.

E fizemos mais, ainda: fomos ao Estado do Acre, fizemos uma reunião com todos os companheiros governadores dos Estados da Amazônia, para que a gente pudesse começar a discutir um modelo de desenvolvimento para a Amazônia. Num governo que não tem modelo de desenvolvimento, a guerra fiscal prevalece. Num modelo que tem comando e que vai ter um modelo de desenvolvimento de acordo com o atendimento das necessidades regionais, não precisa de guerra fiscal.

E nós, se depender de mim, vamos acabar com a guerra fiscal, neste país, e fazer este país ter uma política tributária justa, que desonera as exportações, que desonera a produção, que aumenta a base de arrecadação para que Estados, municípios e o governo federal tenham recursos, para que a gente possa fazer os investimentos mais equânimes, ajudando as regiões mais pobres deste país.

Não como foi feito, há pouco tempo atrás quando, por conta de uma denúncia de corrupção ou, quem sabe, por conta de derrotar um adversário político, se acabou com a Sudam, quando deveria ter se mandado prender o corrupto que estava na Sudam, e não fechar a instituição.

Imagina se o papa João Paulo II descobre que tem um padre roubando, se ele vai mandar fechar todas as igrejas. Fica mais barato e mais fácil afastar o padre e colocar um honesto para dirigir a igreja.

Numa instituição é a mesma coisa. O que aconteceu com a Sudene? Sessenta por cento de todo o ICMS arrecadado no Nordeste brasileiro advêm de projetos feitos pela Sudene. Sudene que funcionou bem, quando trabalhava subordinada à orientação do seu fundador, Celso Furtado, em 1959. Mas que passou a virar corrupta, quando os homens que governavam este país perderam o respeito pela ética, perderam o respeito pelo povo, perderam o respeito pelo desenvolvimento estratégico deste país. Este país deixou de pensar estrategicamente, para pensar de quatro em quatro anos.

E, aqui, vamos fazer justiça, este país pensou grande em três momentos históricos: este país pensou com Getúlio Vargas; este país pensou com Juscelino e este país pensou com os militares, quando, com os planos decenais, pensavam este país para 10 anos, para 15 anos ou para 20 anos. De lá para cá, se passou a pensar o Brasil de eleição em eleição. E, aí, a mediocridade começou a tomar conta do país.

Porque, pensar o país de eleição em eleição, não levamos o país a lugar nenhum. Porque, normalmente, um governante pára a obra do outro, porque quer deixar a sua marca. Nós, lamentavelmente, ainda somos um país onde obras de saneamento básico não são feitas porque não dá para colocar o nome de um parente numa manilha enterrada embaixo da terra. Por isso se prefere fazer um viaduto, porque lá dá para se homenagear um parente.

Este país mudou, a partir do dia 27 de outubro. Este país mudou. Nós temos que fazer as coisas consideradas mais importantes, pensando não apenas no interesse econômico de um grupo, mas pensando nos interesses econômicos e sociais do conjunto da sociedade brasileira.

Hoje, todos nós estamos preocupados com o crescimento da violência no país. E todos nós achamos que basta um governador colocar a polícia na rua, que está resolvido o problema da segurança. O problema da segurança, hoje, é muito mais profundo. Não é apenas uma questão de polícia, porque se assim fosse, estaria resolvido o problema.

Hoje, nós temos um problema chamado degradação da estrutura da sociedade brasileira a partir da família, em função do crescimento da miséria, em função da péssima qualidade de moradia, em função da falta de oportunidade para milhões e milhões e milhões de pessoas.

E é esse o desafio que está colocado para todos que estão aqui na mesa, para mim e para vocês que estão aqui embaixo. Já não se dá para governar este país como ele foi governado, pensando na próxima eleição. Temos que ter juízo, responsabilidade e respeito ético e pensar não na nossa eleição, mas pensar numa nova geração que haveremos de criar neste país, se investirmos corretamente na educação, na saúde e na possibilidade de criação de empregos neste país.

Esse é um compromisso que eu não abro mão. E, durante muito tempo, se abriu mão, aqui no Brasil, de coisas que não deveria ter aberto mão, não poderia. Fui inaugurar uma escola, em São Paulo, e me disseram assim: "Presidente, o senhor sabia que 52% das crianças que estão na quinta série não sabem ler? Quando lêem, não entendem o que lêem? E você sabia que 59% das crianças não sabem, na quarta série, não aprenderam ainda a fazer as quatro operações?"

Eu fiquei pensando: mas que país nós estamos criando? Ou seja, nós optamos pela coisa chamada quantidade: "o que vale é quantidade. Nós temos que mostrar estatística. Então, temos que dizer para todo mundo 'estão todas as crianças na escola', sem nos preocuparmos com a qualidade de ensino que essa criança está tendo na escola, sem nos preocuparmos com o salário que o professor está recebendo". Então, é preciso que nós comecemos a mudar o jeito de agir, para a gente poder acreditar que vamos construir uma nação mais justa.

E quando falo isso, falo sem me eximir de responsabilidade. Mas, certamente, todos nós, a começar por mim, temos um pouco de responsabilidade. E acho que é preciso a gente começar a fazer uma reflexão do que foi que aconteceu no século passado, para que a gente possa começar, a partir de um começo de um novo século, a pensar o que nós queremos que as futuras gerações, quando estiverem no ano 2103, falem da nossa geração, falem de um presidente da República que governou este país, falem dos governadores que governaram este país, falem dos ministros e tantas outras autoridades.

Confesso a vocês uma coisa: não vou passar para a História deste país apenas porque no salão de honra do Palácio do Planalto vai ter uma fotografia do presidente da República. Quero passar para a História deste país pela transformação que a gente puder fazer neste país, pelas mudanças que a gente puder fazer neste país. E falo isso de cátedra, porque, se dependesse da União, não precisava mandar fazer reforma da Previdência Social.

A reforma da Previdência Social eu mandei fazê-la porque os Estados brasileiros todos estavam falidos e muitos não poderiam mais pagar a Previdência Social dos funcionários, daqui a 5 ou daqui a 10 anos. Não pensei na minha próxima eleição. Eu pensei na oportunidade do meu neto, daqui a 30 anos ou 40 anos, se aposentar e ter garantido o direito de o Estado lhe pagar, porque o Estado terá dinheiro para pagar a sua aposentadoria.

Meus amigos e minhas amigas, nesses sete meses de governo, eu tinha assumido o compromisso, na campanha, que iríamos recuperar a indústria naval brasileira. E, hoje, é com muito orgulho que nós percebemos que aquilo que parecia impossível em dezembro do ano passado, quando falamos que as plataformas P-51 e P-52 não iam ser feitas no exterior e que iam ser feitas aqui --e que fizeram nota paga no jornal, dizendo que o Brasil não poderia fazer, porque os estaleiros não tinham as condições-- eu, hoje, posso anunciar para vocês: a plataforma P-51, a P-52, 65% delas serão feitas nos estaleiros brasileiros, que têm condições de fazer essas plataformas.

Mais importante ainda: além da P-51, da P-52, vamos fazer a P-53, vamos fazer a P-54, além de 12 navios que a Petrobrás está encomendando, para que a gente possa recuperar uma indústria naval, que já foi muito competitiva e que, por desmandos de alguns, que imaginam que um país pode viver sem indústria e sem produção, nós quase que acabamos com a indústria naval.

Portanto, estejam tranqüilos que a nossa indústria naval vai voltar a ser orgulho nacional. E, se Deus quiser, a gente vai ver navios com bandeiras brasileiras transportando produtos, para que a gente não tenha o déficit de 8 bilhões de dólares, como estamos tendo, com a questão do transporte.

Uma outra coisa que nós assumimos compromisso era com a questão da agricultura. Meu amigo Roberto Rodrigues dizia sempre assim: "Presidente, nós precisamos fazer uma coisa diferente do que sempre foi feito no Brasil. Nós precisamos liberar o dinheiro antes do plantio. As pessoas têm que ter acesso ao dinheiro antes do tempo de plantar."

E foi com isso que nós demos 32 bilhões de reais para a agricultura brasileira, dos quais 27 para a agricultura empresarial e 5,4 bilhões para a agricultura familiar. Talvez a maior quantia de dinheiro que foi dada, nos últimos anos, para a agricultura, porque queremos fazer a maior colheita deste país.

E, por último, dizer para vocês que nós desobstruímos todos os obstáculos que havia, no Banco Central, com respeito a cooperativas. Hoje, no Brasil inteiro, quem quiser se organizar em cooperativas tem condições de criar cooperativas em quase todas as cidades até 100 mil habitantes e nas cidades maiores.

E por que estamos fazendo isso? Porque, junto com as cooperativas, estamos criando linhas de crédito, através do Banco do Brasil, através da Caixa Econômica Federal, para microempresário, microcréditos, e, inclusive, crédito da Caixa Econômica Federal, de 200 a 600 reais, para a gente incentivar o consumo neste país. Ao invés de uma pessoa pagar 160% de juros ao ano, para comprar uma coisa, em 24 meses, numa loja, ele vai tomar o dinheiro emprestado do banco, vai comprar a dinheiro, e vai pagar 2% ao mês.

E vamos fazer mais ainda, porque tem mais coisas para fazer, neste país. Não com a pressa que eu gostaria de fazer. Mas eu também acho que a pressa, muitas vezes, é inimiga da perfeição. Então, nós vamos fazer as coisas. E estou convencido, como hoje estamos aqui, para dizer para vocês que a nova Sudam vai voltar a funcionar e a Região Norte do país vai ter, na Sudam, uma grande instituição de pensamento de projetos, quero dizer para vocês que anunciamos, no Ceará, a Sudene, agora a Sudam. E vamos anunciar muitas outras coisas neste período, porque acho que o Brasil está entrando num momento excepcional, em que ele vai começar a crescer.

Acho que a inflação está controlada, os juros começaram a cair. Antes era mais lento do que alguns pensavam, a partir de ontem já foi mais rápido do que algumas pessoas queriam. Mas nós temos segurança do que estamos fazendo, e vamos fazer. Cada passo será pensado da forma mais meticulosa possível, porque nós temos consciência de que o Brasil não pode mais entrar numa aventura.

Sabem aqueles planos econômicos que alguém anuncia na televisão e, três meses depois, está todo mundo devendo, por conta daquele plano econômico? Vocês já viveram isso. Em 89, muita gente não votou em mim porque eu ia tomar a poupança do povo. O que ganhou não só tomou, como roubou.

Então, eu acho que nós não temos... Nós vamos fazer as coisas devagar, com paciência. Vejam, por exemplo, o Ciro. Vejam como está com uma cara mais tranqüila, mais madura, deixando a barba crescer, o cabelo está ficando branco. Eu acho que todos nós estamos conscientes da tarefa que estamos jogando, num momento de fragilidade do nosso país.

E é por isso que vim aqui, hoje, fazer o discurso da Sudam, e vou fazer, meu caro Jatene.

Nós sabemos que um projeto sério de Nação, para ter viabilidade, precisa levar em conta as realidades regionais. Muita coisa já se fez neste país ignorando essa premissa. Os resultados estão aí - e têm causado muita decepção.

Nesse sentido, a criação da nova Sudam - a Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia - representa um marco que vai corrigir esse processo. Nosso governo vai enfrentar com ousadia e humildade o gigantesco desafio de reconciliar o progresso e a Natureza num cenário monumental. A nossa Amazônia reúne 1/3 da floresta tropical do planeta; 61% do território nacional; 21 milhões de brasileiros e brasileiras; quase 30% das formas possíveis de vida na Terra e, praticamente, 6,5% da água disponível no planeta. Tudo isso --e mais um elenco de riquezas minerais e uma imensa fonte de princípios ativos de inestimável interesse para o presente e para o futuro da humanidade.

O planejamento estratégico requerido, para aproveitar adequadamente esse patrimônio, se expressa num Programa de Desenvolvimento Sustentável para a Amazônia, que está sendo produzido no âmbito do PPA, o Plano Plurianual do governo para 2004-2007.

Nosso governo está convencido de que negligenciar a diversidade regional é um erro tão grave quanto ignorar as forças sociais e políticas que a expressam.

A recriação da Sudam --em bases profundamente distintas-- reflete essa convicção de que a única via eficaz e legítima para o desenvolvimento é o planejamento democrático de curto, médio e longo prazos. Essa trajetória começou a ser percorrida em maio deste ano, no Acre, no encontro de Rio Branco, onde reunimos todos os governadores da região Norte e ministros de meu governo.

Ali anunciamos nosso propósito de construir uma política nacional de desenvolvimento regional para o Brasil, coordenada pelo Ministério da Integração Nacional, da qual a Sudam e a Sudene seriam os braços articuladores nas regiões Norte e Nordeste. Vale dizer, duas ferramentas tradutoras da dinâmica regional no âmbito federal, e vice-versa.

Portanto, o que estamos fazendo hoje - como o que fizemos em 28 de julho último, em Fortaleza -, é a retomada do planejamento nacional do desenvolvimento regional e da gestão compartilhada do território brasileiro.

Trata-se de uma mudança profunda no método e na ação de governo. Pela primeira vez, estamos pensando o planejamento estratégico brasileiro, a partir da voz da sociedade organizada nas distintas regiões do país, como foi feito nos 27 Fóruns de Participação Social do PPA.

É uma parceria que se renova e se amplia, com empresários, trabalhadores, comunidade científica, igrejas, organizações não-governamentais --com toda a sociedade civil amazônica em sua rica diversidade. Muito diferente do que prevaleceu nos últimos anos. Uma fragmentação acentuada do território, da economia e da sociedade-- que priorizava ilhas de prosperidade conectadas ao mundo rico--, mas deixava o país como um todo cada vez mais desigual, inseguro e vulnerável.

O Brasil tem desigualdades sociais e disparidades regionais - e em algumas áreas do nosso território esses dois problemas se somam, se acumulam. Nos Estados Unidos o Estado mais desenvolvido da Federação é apenas uma vez e meia mais rico que o menos desenvolvido. Entre os países da Europa essa diferença é da ordem de duas vezes e meia. No Brasil, tal distância é superior a nove vezes.

É indispensável, portanto, recuperar a dimensão social e espacial do desenvolvimento, superando, inclusive, a guerra fiscal desagregadora, no âmbito da reforma tributária. A corrupção era inerente a um modelo desprovido de qualquer racionalidade pública, avesso à negociação democrática e refratário à fiscalização da sociedade.

Infelizmente, em vez de corrigir distorções e reconstruir a Sudam, escolheu-se o caminho prejudicial da liqüidação de uma ferramenta pública. E, se havia desvios e corrupção, que se responsabilizasse e punisse os culpados, mas se resguardasse e saneasse a instituição.

A filosofia da nova Sudam, portanto, a exemplo do que ocorre com o BASA, aponta no sentido oposto e se traduz numa estrutura condizente. Ela democratiza as decisões e privilegia a transparência, evitando a superposição de atribuições e de poderes. Nós temos sido enfáticos em afirmar que as desigualdades regionais são um obstáculo ao desenvolvimento harmônico do nosso país.

E igualmente firmes ao proclamar que a diversidade é um grande trunfo a favor do Brasil. O que o nosso país precisa é descentralizar e democratizar as oportunidades de crescimento para todas as regiões. Para isso, nossas políticas se estruturaram em cinco grandes eixos: o ordenamento territorial e ambiental; a ênfase na tecnologia de manejo; a geração de emprego e a inclusão social; o investimento em infra-estrutura via parcerias público-privado; e o incentivo a grandes projetos de interesse regional e nacional, ambientalmente sustentáveis.

Fica claro que a variável ambiental, querida Marina, inclui-se aí como um elemento qualificador do desenvolvimento, assim como a justiça social. Estamos convencidos de que o falso dilema entre a ocupação predatória e o preservacionismo imobilizador pode ser superado por meio da pesquisa, da tecnologia e da negociação social e política.

A diversidade regional, portanto, é uma oportunidade, não um problema. Ignorá-la, seria desperdiçar um dos principais ativos de um país continental como o nosso. Temos massa crítica para selecionar e multiplicar experiências bem sucedidas de manejo sustentável. Temos também um rastro de imprevidência e desperdício que nos indica o que não deve ser repetido.

As limitações de recursos não justificam a persistência predatória. Até porque se fizermos um balanço das últimas décadas vamos constatar que a Amazônia recebeu muitas vezes um volume expressivo de dinheiro público aplicado, muitas vezes, em projetos discutíveis. O Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional, que consta da proposta da reforma tributária do governo, deve funcionar como instrumento indutor --ao lado de marcos regulatórios consistentes--, para atrair, também, os capitais privados indispensáveis a um novo modelo de desenvolvimento regional.

Não há no mundo nenhum lugar que tenha tanta riqueza viva e equilibrada ecologicamente como existe aqui na Amazônia. A eficiência dessa usina natural não pode, portanto, ser subestimada. Em vez de medir forças com ela --numa relação competitiva e devastadora--, é melhor nos aliarmos criativamente ao seu metabolismo. A indústria, o comércio, o turismo, o agronegócio, a agricultura familiar, as atividades artesanais --tudo isso pode e deve se expandir na Amazônia, ganhando escala e competitividade, de modo ambientalmente sustentável.

O desenvolvimento econômico e social - gerando emprego e condições mais dignas de vida - certamente é a melhor maneira de consolidarmos a nossa soberania na Amazônia. Vamos construir no século 21 aquilo que os países desenvolvidos não fizeram ao longo de sua história --e que Chico Mendes pagou com a vida por ter enxergado de forma visionária e pioneira--: a reconciliação possível do progresso com o meio ambiente e do ser humano com a Natureza.

Muito obrigado."
 

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