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11/09/2003 - 16h16

Leia a íntegra do discurso de Lula na reinstalação do CNCT

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da Folha Online

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse hoje, na cerimônia de reinstalação do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia, que não pode mais prometer sem cumprir as promessas feitas no passado. Para Lula, muitas pessoas que conseguem o cargo a que concorreram "não se dedicam com o afinco necessário".

Leia a íntegra do discurso do presidente Lula

"Meu caro companheiro Roberto Amaral, Ministro de Estado de Ciência e Tecnologia,

Companheiros ministros e companheiras ministras,

Deputados e deputadas aqui presentes,

Cientistas,

Empresários,

Conselheiros,

Não sei se todos vocês tiveram a sensação que eu tive. Esse conselho é um "Clube do Bolinha". Não foi citado o nome de uma mulher, que é uma coisa que nós vamos ter que reparar daqui para a frente. A não ser que alguém prove que não tem mulher cientista. Ou que não tem mulher no governo.

Quero cumprimentar o Dr. Eduardo Krieger, Presidente da Academia Brasileira de Ciências e o Dr. Ennio Candotti, Presidente da SBPC.

Eu penso que tem gente aqui que foi indicada para o Conselho, que ainda não participou de nenhuma reunião. Isso demonstra, antes de eu proferir o meu discurso aqui, que não basta o presidente da República ser o Presidente do Conselho, para ele funcionar. Eu estou acostumado, na minha vida, às pessoas brigarem tanto para ser alguma coisa, depois que o são, não exercem 10% da energia que o fizeram brigar para ser membro de um cargo. Isso acontece muito nos partidos, acontece muito nos sindicatos, acontece muito no movimento social. As pessoas brigam, fazem guerra. Quando assumem o posto, nunca mais aparecem. Ou seja, aparecem na próxima reunião para brigar outra vez para continuar.

Eu quero ver se dou a minha contribuição, não sendo cientista, mas sendo Presidente da República, de ser uma espécie de indutor para que o Conselho possa recuperar o tempo perdido. Na verdade nós estamos reativando um conselho que fez a sua última reunião, me parece que em 2001. Já faz algum tempo. E, certamente, na República, deve ter muitos conselhos que foram criados para justificar alguma coisa, porque têm funcionado muito pouco. E eu acho que, nem eu, nem os outros que vieram antes de mim, têm o direito de criar um conselho, de trazer tanta gente importante para participar e depois fazer com que o conselho finja que não existe. E se o presidente da República é o presidente do conselho, e ele não convoca as reuniões e não participa, pelo menos de uma parte das reuniões, ele, ao invés de ser o indutor, ele passa a ser desmobilizador do funcionamento do conselho.

Como esse é nosso primeiro encontro, vocês vão ter algum tempo pela frente para cobrar as minhas palavras, até porque, como eu perdi muitas eleições no Brasil, todos vocês que participaram, em algum momento, seja como reitor de universidade, seja como membro da SBPC, sabem que eu tenho compromissos assumidos por escrito, que fazia questão de entregar em todos os encontros da SBPC. Então tem lá de 89, tem de 94, tem de 98, tem de 2002. Eu acho que deve ter, na biblioteca das entidades. É só pegar e cobrar, porque agora eu não posso mais fazer promessa, agora tenho que cumprir aquilo que nós já fizemos durante tantos e tantos anos. Esse é um fato ruim de perder muitas eleições, é porque se assume muitos compromissos.

Mas eu confesso a vocês que esse início é para quebrar um pouco o gelo, porque eu estava vendo o nosso ministro falar. Eu estava me perguntando: será que todo o agrupamento de ciência no Brasil, é todo mundo sério, que ninguém ri. Então vai mudar, inclusive o nosso jeito de ser. Eu acho que a coisa que mais me fez, de vez em quando, detectar a minha alegria de ter sido eleito Presidente da República, é de poder colocar em prática as coisas que a gente sonha e que a gente acredita ser possível. Esse é o grande desafio.

Eu dizia sempre que, depois que eu perdi para governador, em 82, as pessoas só se lembram da derrota que eu tive para presidente, mas não se lembram que eu perdi para governador em São Paulo. E eu lembro que fizeram uma pergunta para mim: "Por que que eu queria ser candidato a governador? E eu disse: eu quero ser candidato a governador, porque eu quero ver se eu sou capaz de atender todas as reivindicações que eu faço para os outros. Eu acho que esse é o desafio mais extraordinário de alguém que governa alguma coisa. Ou seja, é você poder colocar em prática aquilo que você acredita que é possível colocar em prática.

Nem sempre com a facilidade do discurso, porque tem muitas barreiras na frente. Mas o desafio que está colocado para nós é para fazer aquilo que nós acumulamos durante tantos e tantos anos. Uns na política, outros nas universidades, outros nos laboratórios. Mas a verdade é que muitos de nós, que estamos aqui, se não andamos juntos, certamente, sonhamos juntos durante muito tempo. E agora temos a possibilidade de começar a concretizar esses sonhos. E fica aí Marina, o pedido que você saiba que está faltando mulher no conselho.

E todo mundo sabe que o Brasil precisa, e precisa muito, de ciência e tecnologia. Esta é uma área do saber e também do próprio fazer que o governo tem o compromisso de valorizar profundamente.

Não conheço nenhum país do mundo que tenha rompido as amarras do atraso sem investir seriamente em ciência e tecnologia.

A própria superação da vulnerabilidade da nossa economia depende em grande parte do sucesso nesta área. É por meio dela que vamos garantir a nossa inserção cada vez mais competitiva e soberana no mundo e o que é importante, não partimos do zero, já temos muita coisa acumulada.

O Brasil é um país com força e potencial suficientes para produzir conhecimento próprio, afastando-se cada vez mais do risco de se tornar um mero consumidor de tecnologias importadas.

Já possuímos um amplo sistema de ciência e tecnologia do qual fazem parte universidades, centros de pesquisas, empresas estatais, instituições de base tecnológica e agências federais e estaduais de fomento e porque não dizer, algumas empresas privadas.

Nossa produção científica tem setores de grande destaque em nível mundial e o caso mais visível, porque está na televisão e nos postos de gasolina todo santo dia, é o caso da Petrobrás, com a tecnologia aplicada na extração de petróleo em águas profundas ou o conhecimento tecnológico e científico desenvolvido pela Embrapa, na produção de alimentos para ficarem apenas esses dois exemplos.

Hoje aqui, nós estamos apenas reativando o Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia, no nosso governo, ele será ampliado para que mais entidades representativas da comunidade científica e tecnológica, o integrem.

Esse é um dos caminhos para que os projetos nesta área sejam formulados de forma mais democrática, com diálogo amplo, aberto e transparente.

Contamos com o trabalho dos senhores, e senhoras - isso aqui é um equívoco - contamos com o trabalho dos senhores e senhoras integrantes do Conselho, para planejar políticas ousadas, viáveis e afinadas com os interesses do nosso país.

Nosso objetivo comum é gerar inovações tecnológicas, que agreguem valor aos nossos produtos aumentando a sua competitividade nos mercados interno e externo.

Ao mesmo tempo precisamos incentivar e difundir o uso de tecnologias simples que cumprem papel insubstituível junto às regiões e comunidades menos desenvolvidas.

Quando visitei a China em 2001, tive a oportunidade de ver a aplicação concreta desse tipo de política tecnológica. Lá o Estado, além de incentivar ao máximo a formação de técnicos de nível médio, faz com que cada região ou província utilize, simultaneamente, todos os meios técnicos ao seu alcance.

Isso significa que todas as camadas sociais, são mobilizadas e organizadas no esforço de desenvolvimento do país, independentemente da tecnologia que dominam, das mais primitivas até as de ponta.

O Brasil, como a China, é um país de grandes contrastes e a promoção do conhecimento científico e tecnológico, não pode desconhecer essa realidade.

Ao lado de nossos projetos espaciais, ou da biotecnologia, coexistem técnicas simples, mas que são essenciais para a sobrevivência de milhões de pessoas. Um exemplo claro, que no Brasil se usa muito, é o soro caseiro.

Nesse sentido, quero destacar a Secretaria de Ciência e Tecnologia, para a inclusão social, criada pelo companheiro Roberto Amaral. Entre as suas iniciativas, está o programa de popularização da ciência, que apóia e financia museus, feiras e centros de estudos além de cuidar da capacitação dos docentes.

Até o final do próximo mês, serão implantados por este programa 400 laboratórios nas escolas de ensino médio em todo país. Em outra ação, essa secretaria vai introduzir conhecimento tecnológico em atividades com a produção de mel, gesso, mármore, piscicultura e fruticultura.

Já são 66 as atividade produtivas dessa natureza que estão sendo financiadas, principalmente no Norte e Nordeste do país e há também projetos realizados em parceria com o programa fome zero.

São financiamentos exclusivos para a pesquisa sobre nutrição e segurança alimentar, além da criação de uma rede virtual que vai integrar projetos de diversas regiões do nosso país.

O Brasil, possui uma comunidade científica das mais competentes e reconhecidas nacional e internacionalmente, por isso é preciso ter o compromisso de apoiá-la e contribuir para ampliá-la. Isso é essencial para que o país desenvolva pesquisas básicas e aplicadas, indispensáveis ao nosso conhecimento.

Nós já formamos cerca de 6.000 doutores anualmente, nossa meta de compromisso é atingir 10.000 até o final do nosso governo, sem abrir mão de suas responsabilidades específicas.

O Estado vai continuar estimulando o setor privado a investir cada vez mais em pesquisa. Para os próximos anos, a meta é dobrar os investimentos atuais no setor, tanto os públicos como privados, até alcançarmos 2% do PIB.

Eu quero lembrar aqui que esse é um compromisso de 89, de 94, de 98 e de 2002. Portanto, é um compromisso reiterado tantas vezes, que eu não tenho como dizer que esqueci o que eu escrevi nos meus discursos passados, porque foram muitas vezes repetidos.

Vou falar agora da pesquisa espacial brasileira, ainda sob o impacto da tragédia que se abateu sobre nós. Temos o compromisso de prosseguir com o desenvolvimento do nosso programa espacial.

Vamos testar em Alcântara, se Deus quiser, ainda no nosso governo, um outro protótipo do VLS. Faremos isso pelo futuro do nosso país, mas também para homenagear a memória dos 21 pesquisadores e técnicos que deram suas vidas pelo desenvolvimento da tecnologia espacial brasileira

Vocês sabem que, de vez em quando, quando acontece uma desgraça que foge ao controle de todos nós, aparecem os pessimistas perguntando se vale a pena continuar com esse ou com aquele programa. Se permitirmos que essa lógica prevaleça, nós nunca chegaremos a lugar nenhum, porque não tem nenhuma grande invenção da humanidade que não trouxe riscos, que não trouxe, muitas vezes prejuízos, que não trouxe, muitas vezes, sacrifício de pessoas, mas que, graças à continuidade dos programas, os homens conseguiram produzir coisas maravilhosas no século passado.

E, portanto, eu quero dizer para vocês que o Brasil, podem ficar certos, o Brasil ainda vai se transformar num país de ponta, no controle da tecnologia espacial. Não há porque não acreditarmos nisso.

Por último, quero desejar a este conselho, um trabalho qualificado, um trabalho fecundo para o bem da ciência, da tecnologia e do futuro do Brasil. Queria dizer para vocês que, na minha cabeça, este conselho não é um clube de amigos. Se fosse um clube de amigos, não precisaria ter o presidente da República presidindo o conselho. Nesse conselho nós vamos discutir, vamos divergir, vamos ter, quem sabe, desavenças profundas, mas o que é importante é que todos tenham claro, individualmente talvez nenhum de nós ganhemos nada. Agora, certamente, se formos grandes nas nossas convergências e maiores ainda nas nossas divergências, certamente o Brasil será o grande ganhador do funcionamento desse conselho.

Muito obrigado e vamos já para a primeira reunião do conselho."
 

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