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10/10/2003 - 07h41

Brasil e Argentina lançam o "Consenso de Buenos Aires"

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CLÓVIS ROSSI
Colunista da Folha de S.Paulo

Os presidentes do Brasil e da Argentina, Luiz Inácio Lula da Silva e Néstor Kirchner, assinarão na semana que vem, em Buenos Aires, um documento cujo título ("Consenso de Buenos Aires") foi cuidadosamente escolhido para sinalizar um contraponto ao Consenso de Washington.

Este último é uma codificação de propostas de política econômica feita pelo economista John Williamson e tido como uma espécie de bíblia das políticas neoliberais que foram hegemônicas na América Latina nos anos 90.

Seus principais aspectos foram as privatizações em grande escala, a abertura comercial e a desregulamentação das economias.

Agora, o "Consenso de Buenos Aires", embora de forma necessariamente genérica, põe a ênfase em outros tipos de políticas. Vai defender políticas tanto macro como microeconômicas favoráveis à produção e à geração de emprego, bem como enfatizar a prioridade para atender as questões sociais.

Ressalve-se que este ano foi divulgada uma espécie de revisão do Consenso de Washington em que a atenção ao social ganhou uma prioridade que não figurava na versão original.

O documento Lula/Kirchner, em fase final de elaboração, não detalha as políticas concretas do novo "Consenso", o que evita uma armadilha: há no Brasil uma sensação, talvez majoritária, de que o governo Lula segue, no geral, as políticas de seu antecessor, que era acusado, pelo próprio PT, de submissão ao Consenso de Washington e suas políticas neoliberais. Na Argentina, essa sensação é mais forte, e o próprio Kirchner parece compartilhá-la. Quando ele e Lula participaram da reunião, nas imediações de Londres, da Governança Progressista (ex-Terceira Via), a mídia argentina informou que Kirchner havia criticado Lula por estar se submetendo demais ao Fundo Monetário Internacional (FMI).

A informação não tinha fonte, mas nunca foi desmentida. Pior: no mês passado, quando a Argentina deu um efêmero calote no FMI, Kirchner tratou de arrebanhar apoios entre governantes latino-americanos. O chileno Ricardo Lagos e o mexicano Vicente Fox deram apoio. Lula, não. A versão que o Palácio do Planalto tem dado para o episódio é a de que, bem antes, quando esteve em Washington, Lula insistira com George Walker Bush para que ele ajudasse a Argentina a fechar um bom acordo com o FMI.
Bush foi reticente, alegando que Kirchner, que havia assumido pouco antes, não estava fazendo a lição de casa.

Mas o fato real é que Lula preferiu não se envolver no episódio do calote com o Fundo, por duas razões: primeiro, porque sabia que havia uma profunda divergência entre Kirchner e seu ministro da Economia, Roberto Lavagna, contrário ao não-pagamento da dívida com o FMI.

Segundo, o Brasil começa a buscar novos parâmetros para negociar a eventual renovação de seu acordo com o Fundo (ou um novo acordo) e seria inconveniente respaldar uma negociação argentina que passava, primeiro, pelo calote.

Resíduo

Embora os dois presidentes já tenham se encontrado em Nova York, no mês passado, e, de público, dado por encerrado o mal-entendido, a Folha apurou que não é bem assim. Ainda há, da parte argentina, um certo resíduo de mal-estar ao menos em alguns setores do governo Kirchner.

Talvez por saber disso, Lula, em um dos discursos que fará em Buenos Aires, dirá com muita ênfase que a relação Brasil/Argentina tem objetivos maiores diante dos quais os ruídos recentes entre os dois governos são miudezas que têm que ser deixadas de lado.

A expectativa de diplomatas dos dois países é a de que os dois presidentes tenham uma conversa franca e definitiva durante o vôo de cerca de três horas que farão juntos para Calafate, na Patagônia, a terra de Kirchner, na sexta-feira, dia 18.

Acontece que, na véspera, na parte da visita relativa a Buenos Aires, dificilmente haverá tempo para muita conversa, porque o programa de Lula está muito carregado e porque serão assinados muitíssimos documentos de cooperação conjunta, além do "Consenso de Buenos Aires".

Embora não pareça dirigido aos Estados Unidos, o novo "Consenso" surge a um mês exato da Conferência Ministerial da Alca (Área de Livre Comércio das Américas), a se realizar em Miami.

Tiroteio verbal

A negociação está motivando um intenso tiroteio verbal entre Brasil e Estados Unidos e, mais que isso, forte pressão norte-americana sobre países sul-americanos, que envolve agora, segundo a Folha ouviu no Planalto, a assessora de Segurança Nacional, Condoleeza Rice.

Coincidência adicional: segunda e terça-feira próximas, o assessor diplomático de Lula, Marco Aurélio Garcia, participa em Washington de reunião da Internacional Socialista com políticos norte-americanos do Partido Democrata, entre eles a senadora Hillary Clinton.

Hillary nega, mas continua sendo citada com frequência como eventual candidata democrata à eleição de 2004, contra Bush.
 

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