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20/10/2003 - 06h00

Governo banca ONGs, mas não fiscaliza os seus gastos

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RAYMUNDO COSTA
MARTA SALOMON

da Folha de S.Paulo, em Brasília

O nome organização não-governamental não se aplica a uma grande parcela das ONGs brasileiras quando se lança uma lupa nas contas do governo. Centenas de ONGs recebem milhões dos cofres públicos, sem que haja controle. Em apenas três programas pesquisados pela Folha, as ONGs levaram R$ 217 milhões em 2003.

Só a partir do ano que vem, essas entidades declaradas sem fins lucrativos e com objetivo social terão de prestar contas ao TCU (Tribunal de Contas da União). Recentemente, a Secretaria Geral da Presidência começou a cadastrar as entidades da sociedade civil, entre elas as ONGs. A tentativa de pôr em ordem as parcerias com o chamado terceiro setor, no entanto, enfrenta resistências.

Uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) do Senado Federal investigou no ano passado a atuação das ONGs e concluiu seu trabalho com a estimativa de que existem 250 mil entidades desse tipo no Brasil longe de um controle institucional.

A CPI não se deteve no financiamento público a essas entidades. Um roteiro do acesso ao dinheiro da União é objeto de um Manual dos Fundos Públicos, com dicas sobre como obter recursos (a fundo perdido ou na forma de linhas de crédito com juros subsidiados) ou incentivos fiscais. Uma estimativa grosseira indicou que cerca de R$ 2 bilhões estariam disponíveis por ano. O manual ganhou sua quarta edição em 2003.

A Abong, associação nacional das ONGs, que patrocina o Manual, tem cerca de 270 entidades registradas. Numa amostra com apenas 163 dessas entidades, encontrou R$ 10 milhões de financiamento da União para 63 delas, o equivalente a 7,5% de seus orçamentos. Isso sem contar com o dinheiro dos Estados e dos municípios. A pesquisa foi publicada no ano passado e mostra apenas um pequeno pedaço da história.

Milhões

Um único programa do Ministério da Saúde, o que trata de prevenção das doenças sexualmente transmissíveis e da Aids, contratou 672 ONGs para realizar o trabalho. Neste ano, elas vão receber quase R$ 45 milhões.

Uma das contratadas é o Movimento Gay de Minas Gerais. Osvaldo Braga, representante da entidade, diz que presta contas e apresenta periodicamente relatórios sobre o trabalho de prevenção feito pela ONG: "Quando há algo errado, o ministério manda uma carta e pede para corrigir. São educados". Dois anos atrás, a mesma ONG recebeu R$ 20 mil para montar um banco de dados sobre a violência contra homossexuais no Estado: "O programa não foi renovado e só tínhamos 16 casos. Era só o comecinho".

Outro dos grandes programas do governo federal executado em parceria com as ONGs é o Brasil Alfabetizado, recém-lançado pelo Ministério da Educação. Até o final do ano, as organizações não-governamentais receberão R$ 42 milhões para o treinamento de professores e a alfabetização de jovens e adultos.

O método é ditado por cada uma das entidades. A AAPAS (Associação de Apoio ao Programa Alfabetização Solidária), criada em 1998 com estímulo do tucanato, divide terreno agora com a Anca (ligada ao MST, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), com a Alfalit Brasil, ligada à igreja evangélica, e com o igualmente religioso Instituto Agostin Castejon, entre outros.

"A tendência é o incremento desses valores", diz o deputado distrital Augusto Carvalho (PPS), que tenta montar um sistema de monitoramento da transferência de dinheiro público às ONGs: "É um artifício do governo para ficar longe de instrumentos de controle". As cifras são ainda mais expressivas quando se trata da Funasa (Fundação Nacional de Saúde), cujas obrigações no atendimento de uma população indígena de 396 mil pessoas foram inteiramente assumidas pelas ONGs. Em 2002, foram destinados R$ 119,8 milhões para 56 entidades. Neste ano, os repasses já chegaram a R$ 130 milhões.

Poder paralelo

Enquanto o programa de doenças sexualmente transmissíveis é reconhecido mundialmente por sua eficiência e o Brasil Alfabetizado dá seus primeiros passos, a Funasa é o exemplo acabado da falta de controle. As ONGs que atuam nas áreas indígenas, cerca de 60, assumiram inteiramente as funções do Estado.

Desde a construção de poços artesianos às campanhas de vacinação, as entidades definem a política de saúde. E aí começam os problemas. Algumas ONGs têm restrições antropológicas à vacinação de índios ou à aplicação de cloro na água das reservas. Se quiser saber se uma política de combate à poliomielite ou se a construção de um poço estão sendo efetivamente executados, a Funasa precisará do aval da ONG. Até o combustível para os auditores, adquirido com dinheiro público, será fornecido pela entidade.

"É um poder paralelo que transgride a lei", diz o diretor do Departamento de Saúde Indígena da Funasa, Ricardo Chagas, que luta para alterar essa relação de poder. "A Funasa não tem quadros, precisa de auxílio", contrapõe Jecinaldo Barbosa Cabral, do povo Saterê Mawé, coordenador da Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia).

Nos últimos três anos, a Coiab recebeu R$ 17,3 milhões da União. Enrolou-se em pelo menos um desses convênios, deixando de construir poços artesianos prometidos à Funasa em uma área indígena. Culpa exclusiva do empreiteiro e da direção anterior da entidade, diz Cabral. Na relação de convênios para 2003 da Funasa, a Coiab aparece para receber mais R$ 4,1 milhões.
 

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