Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
01/11/2003 - 06h15

Escuta revela operação para blindar Lula

Publicidade

LILIAN CHRISTOFOLETTI
da Folha de S.Paulo

Nas semanas subsequentes ao assassinato do prefeito de Santo André, Celso Daniel (PT), em janeiro de 2002, a Polícia Federal gravou em 42 fitas cassetes diálogos que revelam uma articulação promovida pelo Partido dos Trabalhadores para evitar turbulências na campanha presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva.

As fitas foram consideradas ilegais pela Justiça, que determinou sua destruição. O sigilo telefônico de autoridades petistas foi quebrado a partir de solicitação da PF para uma investigação sobre tráfico de drogas, assunto sem vinculação com o assassinato.

A Folha obteve a degravação oficial e integral das escutas efetuadas pela Delegacia de Prevenção e Repressão a Entorpecentes da PF entre o dia 24 de janeiro e o final de março. O sequestro de Celso Daniel ocorreu seis dias antes do início das gravações.

A operação petista, como os diálogos revelam, consistiu na orientação prévia de depoimentos, no monitoramento de entrevistas e até na tentativa de convencer um irmão do prefeito --que posteriormente denunciou à Promotoria cobrança de propina prefeitura-- a não "destilar ressentimentos" em público.

O material denota uma grande inquietação do PT com as investigações, as quais estariam sendo conduzidas de modo a prejudicar Lula na eleição. Na visão do partido, a polícia estaria deixando propositalmente no ar a suspeita de envolvimento de petistas com o crime e de que este teria origem num esquema de corrupção.

"Perdi a confiança na polícia", disse no dia 2 de fevereiro Gilberto Carvalho, chefe de gabinete da Presidência e então secretário de Governo do município. "Não custa nada os caras pegarem um cara, darem um pau lá no varal e o cara confessar um monte de coisas", queixou-se a um interlocutor.

A "contra-ofensiva" foi montada pelo PT, sob a liderança de José Dirceu, que presidia o partido. "Marcamos para as 6h [ou 18h?] na casa do Zé Dirceu. Teremos uma conversa. Conversaremos sobre a nossa tática dessa semana. Vamos ter de ir para a contra-ofensiva", disse Carvalho a um amigo, no dia 12 de fevereiro.

O ministro da Casa Civil é citado cinco vezes nas gravações, habitualmente quando era necessário tomar alguma decisão.

Uma das primeiras providências do PT foi procurar o governador Geraldo Alckmin (PSDB-SP). "Na investigação, os caras estão indo por essa linha aí..., que não faz sentido nenhum. É perseguição com a gente. Hoje terei uma reunião com Zé Dirceu e Luiz Eduardo [Greenhalgh, segundo a PF]. Irão dar uma analisada na situação, terão que protestar junto ao governador", diz Carvalho.

No dia seguinte, Carvalho volta ao tema com o empresário Klinger Luiz de Oliveira Souza, vereador do PT e então secretário de Serviços Municipais da cidade --que, após denúncias de corrupção, desligou-se do cargo alegando motivos pessoais.

Dizia Carvalho: "Ontem tive uma conversa com o Zé Dirceu (...). O partido vai entrar meio pesado agora." A audiência ocorreu em 21 de fevereiro, após o deputado e advogado do PT, Luiz Eduardo Greenhalgh, reclamar em entrevistas que Alckmin não recebia a cúpula do PT. Participaram Greenhalgh, João Avamileno (sucessor de Daniel) e Carvalho.

Depoimentos

Greenhalgh também foi uma das peças-chaves da articulação. A partir das gravações, evidencia-se que ele orientou depoentes, entre os quais a namorada de Daniel, Ivone de Santana, e assessores políticos. "Nós fomos prepará-los um pouco", afirmou Carvalho numa ligação, comentando que voltava da casa do deputado.

O parlamentar nega. Inicialmente, disse à Folha que prestou uma "assessoria técnica" a Ivone, por iniciativa dela. A orientação seria sobre o rito e não a respeito do teor do depoimento. "Da obrigação de sempre dizer a verdade."

Numa segunda entrevista, admitiu ter conversado com outros depoentes, mas na linha "técnica". João Francisco Daniel, irmão do prefeito morto, contou outra versão à Folha. "Ele tentou claramente direcionar o meu depoimento, não tenho dúvida disso. Ligava de forma desesperada."

Em conversa no dia 30 de janeiro, Greenhalgh disse a Carvalho: "Está chegando a hora de João Francisco depor. Preciso conversar com ele antes. Agora não é hora de destilar ressentimentos".

Quatro meses depois, o irmão do prefeito, que desde 1989 estava em atrito com o PT, declarou ao Ministério Público haver cobrança de propina na cidade para abastecer o cofre petista e citou José Dirceu como receptor do dinheiro --denúncia arquivada pela Justiça por falta de provas.

Em julho, a Folha publicou alguns trechos das fitas e revelou a preocupação do círculo petista em amenizar as contradições do empresário Sérgio Gomes da Silva, que presenciou o sequestro.

Pelo teor das conversas, nenhum envolvimento com a morte é constatada nem é possível comprovar corrupção, embora quatro diálogos entrecortados façam referências a sacolas e dinheiro.

Exemplo: "Estou mandando aquele negócio que a gente combinou. A minha parte vai num envelope", diz Klinger Souza, apontado pela Promotoria como um dos responsáveis pela cobrança de propina, fato negado por ele. "É em numerário?", questiona Michel Mindrisz, secretário da Saúde da cidade e ex-marido de Ivone. "É", respondeu Souza.

Dirceu, segundo as degravações, também atuava por ocasião das entrevistas à mídia. Ao ser questionada por um assessor se iria participar do programa de Hebe Camargo, no SBT, Ivone afirmou: "Estou aguardando orientação de José Dirceu".

Ivone não participou do programa, apesar do apoio de Klinger. "Estou aconselhando ela a ir", disse o vereador a um colega.

Maurício Mindrisz, irmão de Michel e fundador do PT na cidade, elogia Ivone por sua entrevista à Folha. "Foi ótima sua entrevista. Essa linha está super legal, é a linha da dor de uma viúva."

Ao ser confrontado com a frase, Mindrisz afirmou não se recordar do diálogo. "Converso muito com Ivone. Não me lembro, não."

Em diálogo com o ex-marido Michel Mindrisz, secretário da Saúde, a namorada de Daniel soube que o PT poderia deixar o caso de lado "por conveniência".

"Pode ser que haja uma tendência de algumas pessoas no governo [segundo a conclusão oficial, de políticos do PT] de deixar isso...", disse Michel. Ivone o interrompeu: "Isso oculto?". O secretário dizia que as investigações causavam desgastes e tensões dentro do PT. "Mas isso aí chama conveniência... Não é conivência, mas é conveniência", disse Ivone.

Colaboraram JULIA DUAILIBI, da Reportagem Local, e FLÁVIA MARREIRO, da Redação
 

Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página