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14/11/2003 - 05h05

Grupo articulou a destruição de provas

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LILIAN CHRISTOFOLETTI
RUBENS VALENTE

da Folha de S.Paulo

A íntegra de 138 conversas telefônicas gravadas pela Polícia Federal durante a Operação Anaconda revela que, um mês antes de serem presos, policiais federais, advogados e o juiz federal de São Paulo João Carlos da Rocha Mattos sabiam que estavam sob investigação. Parte do grupo articulou a eliminação de possíveis provas documentais.

Uma série de telefonemas tensos, pontuados de xingamentos e de acusações mútuas, marcou os dias que antecederam a prisão de nove pessoas em São Paulo e em Alagoas, acusadas de um suposto esquema de venda de sentenças judiciais. Por meio de seus advogados, todos negam envolvimento com as acusações.

As escutas flagraram pelo menos uma ordem expressa de destruição de documentos que poderiam ser úteis aos investigadores. O advogado Affonso Passarelli, sócio e amigo do agente federal César Herman Rodriguez, peça-chave na investigação, aparece em conversa, de 12 de setembro, exigindo destruição de "todas as pastas, computador e disquetes".

"Mas é tudo. Todas as pastas. Tudo, computador, disquetes. Tudo o que tiver nome (...). Tudo que tiver tem que tirar", disse o advogado em conversa com um homem identificado como "Reizinho", que estava no escritório de Rodriguez. No final do diálogo, Passarelli ensinou: "Crime perfeito só é possível se você pensar em tudo. Eu consigo fazer porque eu penso em tudo". Passarelli reclamou que Rodriguez "não fazia nada" no sentido de dar um sumiço nos documentos.

Fatos simultâneos, como a prisão do delegado-corregedor Alexandre Crenite, acusado de favorecer contrabandistas, e a intimação de pessoas próximas ao juiz Rocha Mattos na CPI da Pirataria, como o delegado federal José Augusto Bellini, além do indiciamento do empresário Ari Natalino, acusado de contrabando, abalaram o grupo. Meses antes, as gravações registravam conversas sobre depósitos em dinheiro, tráfico de influência e até uma "farra" na inauguração de uma lancha em Maceió --segundo diálogo gravado, a festa era organizada pelo advogado e delegado da PF aposentado Jorge Luiz Bezerra da Silva, que também está preso.

Apavorado

Preocupados com escutas telefônicas e com o vazamento de informações, o clima era de alarme entre os acusados. O delegado Bellini, segundo o empresário Sérgio Chiamarelli narrou por telefone ao agente federal Rodriguez, estava "apavorado, dizendo que tem uma pica voadora do tamanho do [edifício] Empire State" e que eles precisavam se reunir para discutir o assunto.

O nervosismo de Bellini virou motivo de piada entre os interlocutores. No dia 14 de setembro, Chiamarelli comentou com Rodriguez que não encontrou Bellini no dia de seu próprio aniversário. Os dois se perguntam por onde ele andava, ao que Chiamarelli comenta: "Deve estar internado em algum [hospital] samaritano, pelado, com uma [pistola] 9 mm na mão, prendendo um médico".

Bellini chegou a ser denunciado pela ex-mulher do juiz Rocha Mattos, Norma Regina Emílio Cunha, que entregou uma representação à Superintendência da PF em São Paulo acusando o delegado de ameaçar seu filho de 12 anos. Nas escutas, Bellini diz que "o menino sabe de tudo" sobre os integrantes do grupo. "Ele é um computador", declarou o delegado a pelo menos três pessoas.

Por causa da denúncia apresentada à PF, Bellini também ameaçou nas gravações telefônicas "surrar" Norma. "Eu quero é que ela vai mais apanhar. Ela não vai saber nem por que apanhou. Se estiver gravando, é até bom", disse Bellini ao empresário Wagner Rocha, detido na PF.

Fontes

Em seu gabinete, na Justiça Federal, o juiz Rocha Mattos acionava suas fontes para saber se havia escutas telefônicas com ordem judicial contra ele ou alguém do grupo. Em 9 de setembro, relatou a Rodriguez o resultado de suas averiguações. "O Sílvio tá com um monte [de pedidos de escutas], não é um só, não, vários, viu? Já uma outra fonte me falou. Ele monta, né, e daí vai usando. E ele faz parceria com Schelb, entendeu?", afirmou o juiz, que estava particularmente preocupado com um disquete que estaria em poder de um funcionário da 12ª Vara.

Sílvio Luís Martins de Oliveira e Guilherme Schelb, citados na conversa, são procuradores da República em São Paulo e Brasília. Oliveira denunciou o doleiro Antonio Claramunt, o Toninho da Barcelona, que também surge na investigação como um das pessoas supostamente ligadas ao grupo de venda de sentenças.

Na mesma conversa, Rodriguez conta ao juiz que também procurou saber se era alvo de escuta telefônica. "Não tem nenhuma gravação minha", afirmou. "O que tem é que citaram o meu nome."

"Mas é ruim, né", rebateu Rocha Mattos. E o agente completou: "Tudo é ruim, tudo é ruim".

"Lindo"

A desconfiança de que tinham seus telefones monitorados foi sentida pela Polícia Federal. Em seu último relatório, de setembro, a Coordenação de Doutrina e Inteligência da PF lamentou que "a investigação pouco avançou" em virtude da precaução dos interlocutores. "Observamos que os mesmos evitam falar de certos assuntos pelo telefone, bem como comentam que aparelhos estão "grampeados'".

As interceptações telefônicas confirmam que o grupo acompanhava e discutia entre si as notícias na imprensa que pudessem ter alguma relação com suas atividades ou amigos.

Em 13 de setembro, Bellini disse a Rodriguez que "ficou bom o jornal", em relação ao fato de nada ter sido dito sobre eles na imprensa daquele dia --eles continuavam anônimos. Naquele dia, os jornais deram destaque a uma operação da Polícia Civil que investigou suposto financiamento de policiais civis pela máfia de contrabando em São Paulo.

Um dia depois, foi a vez de o empresário Chiamarelli comemorar a falta de notícias sobre Rodriguez. Ao ser informado de que nada saíra sobre o agente federal na imprensa de "ontem", o empresário vibrou: "Lindo, lindo".

O medo de que pudessem ser alvo de investigações chegou a afastar interlocutores do grupo. Bellini disse ao telefone, em meados de maio, que precisava de um contato com o juiz da 7ª Vara Criminal de São Paulo, Ali Mazloum. Procurou uma pessoa identificada como "Márcia". A conversa indica que ela já havia intermediado um encontro de Bellini com Ali.

No dia combinado, "Márcia" não comparece ao encontro com Bellini, que a espera no restaurante Angélica Grill, ponto frequente de encontro do grupo. O delegado fica furioso. Por telefone, ela pede desculpas e explica: "O meu acesso ao doutor Ali não está bom depois da última vez".

Em seguida, Rocha Mattos telefonou para um policial federal e reclamou da negativa de "Márcia" em ajudá-lo. Identificado como "Aloízio", o policial pede para o juiz "ter calma, que tudo irá se ajeitar". "Nada é no afogadilho", disse o agente.

Ali e seu irmão Casem Mazloum, ambos juízes federais, também foram denunciados pelo Ministério Público Federal por suposta formação de quadrilha. Ambos negam envolvimento. Os dois juízes e o corregedor afastado da PF em São Paulo, Dirceu Bertin, são os únicos acusados no caso que respondem às acusações em liberdade.

Defesa

Há três dias, a Folha solicitou entrevista com as nove pessoas presas pela Operação Anaconda. Em resposta ao pedido, a juíza federal substituta da 1ª Vara Criminal Federal, Raecler Baldresca, informou que apenas dois acusados, o empresário Chiamarelli e o advogado Carlos Alberto da Costa Silva, manifestaram interesse pela entrevista, porém sem fotografias. A autorização, segundo a juíza federal, depende ainda da desembargadora Terezinha Cazerta, que atua no processo.
A reportagem procurou os advogados dos presos.

O primeiro advogado a entregar a defesa prévia à Justiça foi Paulo Esteves, que defende Norma, ex-mulher do juiz Rocha Mattos. Em petição, ele requisitou o relaxamento da prisão de sua cliente e disse que as acusações que ela fez contra o ex-marido ocorreram em momento de forte emoção. Em uma gravação telefônica, Norma disse que "quem roubava era Rocha Mattos".

O advogado de Costa Silva, Alexandre Crepaldi, disse que a prisão de seu cliente foi um "equívoco", pois ele não estaria envolvido na própria denúncia. Os advogados de Jorge Luiz Bezerra da Silva pediram o relaxamento de sua prisão ao TRF. O pedido está sob análise. Outros advogados preparam a defesa de seus clientes.

Colaboraram EDUARDO SCOLESE, da Agência Folha, e ROGÉRIO ORTEGA, da Folha de S.Paulo

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