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10/12/2003 - 05h32

Juiz é amigo de doleiro que deveria julgar

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MARIO CESAR CARVALHO
RUBENS VALENTE

da Folha de S.Paulo

O juiz federal João Carlos da Rocha Mattos é amigo de um doleiro cujos processos é encarregado de julgar. Não um doleiro qualquer. Trata-se de Najun Turner, que ganhou notoriedade ao participar de uma transação financeira, a Operação Uruguai, forjada para tentar salvar o mandato do então presidente Fernando Collor de Mello, ameaçado de impeachment em 1992.

Gravação e anotações apreendidos pela Polícia Federal na Operação Anaconda indicam que Turner, condenado em 2000 a três anos e quatro meses de prisão por contrabando de 13,250 quilos de ouro, mantinha um relacionamento pessoal com Rocha Mattos, a ponto de receber elogios dele e se oferecer para levar um dos filhos do juiz para um passeio.

"Pode confiar"

"Ele é uma boa pessoa. Eu acho que você pode confiar totalmente [nele]", disse Rocha Mattos à sua ex-mulher, Norma Regina Emílio Cunha, numa gravação feita por ela em 2002 e apreendida pela polícia em 30 de outubro último.

Na conversa, o magistrado faz uma referência enigmática à relação entre ele e Turner: "Eu acho que ele já provou [ser boa pessoa], até pelas coisas que ele assumiu, que ele não fez. Você sabe, né, não precisamos entrar em detalhes".

A conversa ocorreu porque Norma contou a Rocha Mattos que Turner havia se oferecido para levar o filho do casal para ver um jogo de basquete e ter aulas de esgrima com uma filha sua no clube Paulistano.

Um bilhete encontrado na casa de Norma confirma o teor da conversa telefônica. O papel, datado de fevereiro de 2002, traz o nome "Najun" e o celular do doleiro.

A Folha confirmou que o número do telefone foi mesmo usado por Turner naquele ano.

"Um abraço ao [nome do filho do juiz], se ele quiser assistir jogo de basket [sic], me liga que eu levo", diz o bilhete, que começa com um "estimada sra. Norma".

O doleiro responde a pelo menos duas ações criminais na 4ª Vara Criminal, da qual Rocha Mattos é o juiz titular. Nessa mesma vara, Turner foi ouvido em dois inquéritos policiais e em outras quatro cartas precatórias, por processos que correm em outras comarcas. Os processos são sobre crimes contra o sistema financeiro e sonegação fiscal.

A última denúncia contra Turner foi feita na 4ª Vara Criminal em maio último, pelo procurador da República Kleber Uemura, que acusa o doleiro de envolvimento com o escândalo dos precatórios.

Turner não era o único doleiro a privar da intimidade do casal. O dono da empresa de câmbio Suntur, Sandor Paes de Figueiredo, foi arrolado por Norma como sua testemunha numa ação de "reconhecimento de sociedade conjugal de fato e de direito", aberto por ela em 3 de setembro de 2002 na Vara de Sucessão e Famílias do Foro Central da Justiça Cível de São Paulo. A ação era necessária porque Norma pretendia formalizar o seu divórcio com o juiz.

Ela requeria que a Justiça declarasse a existência de "mais ampla relação de direito" com seu ex-marido, Rocha Mattos. Nesse gênero de processo, somente pessoas muito próximas do casal são intimadas a depor.

Outra testemunha arrolada por Norma na ação foi o agente da Polícia Federal César Herman Rodriguez. O advogado de Norma era Affonso Passarelli Filho --ele, Rodriguez, Norma e Rocha Mattos estão presos.

Sandor Paes de Figueiredo também virou alvo da Operação Anaconda. Sua agência de câmbio e turismo, a Suntur, de São Paulo, sofreu uma devassa, após as prisões dos acusados de integrar um esquema de venda de sentenças.

A Polícia Federal buscava indícios de que Sandor Figueiredo funcionava como um dos operadores de lavagem de dinheiro da suposta quadrilha.

Figueiredo tem outros vínculos documentados com Rocha Mattos e Norma. Em 2002, o doleiro fez a intermediação com um escritório de Miami, no sul dos Estados Unidos, para pagar taxas públicas que evitaram que uma casa de Norma em Kissimmee, ao lado de Orlando, fosse levada a leilão pela Justiça.

É a irmã do juiz Rocha Mattos, a advogada Vera Cristina Vieira de Moraes, quem defende o doleiro numa ação que tramita no TRF (Tribunal Regional Federal) da 3ª Região, em São Paulo.

Segundo o histórico da movimentação do processo, disponível no site do TRF, a ação teve origem na 4ª Vara Criminal, a mesma de Rocha Mattos. Figueiredo é acusado de sonegação fiscal.

Um terceiro doleiro circulava na vida privada do casal Rocha Mattos, Antônio Oliveira Claramunt, o Toninho da Barcelona. A PF considera-o um dos maiores doleiros de São Paulo --a CPI do Narcotráfico apontou que ele recebeu de fora US$ 29,7 milhões entre 1995 e 1997 e remeteu US$ 1,34 milhão.

Nas gravações feitas pela Operação Anaconda, Norma avisa que o doleiro acaba de entrar na rua em que mora Rocha Mattos, em Higienópolis, numa narrativa que sugere que o doleiro está a caminho do apartamento do juiz.

A PF diz ter apreendido, em março deste ano, uma lista de convidados para o casamento de Toninho da Barcelona em que aparece o nome do juiz. Estava no computador do doleiro.
 

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