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25/12/2003
-
06h32
ÉRICA FRAGA
da Folha de S.Paulo
A combinação entre retração econômica e campanha agressiva do governo para arrecadar contribuições para o Fome Zero gerou, em 2003, um quadro de crise para as Organizações Não-Governamentais (ONGs) que prestam serviços sociais. Queda de receita de até 30% vem obrigando instituições a recorrer a empréstimos, reduzir sua assistência e mudar seus planos de atuação.
Cerca de 185 mil famílias, por exemplo, deixaram de receber este ano a cesta de alimentos oferecida pela campanha Natal Sem Fome promovida pela Ação da Cidadania, tradicional ONG fundada pelo sociólogo Herbert de Souza, o Betinho [1935-1997], no Rio de Janeiro.
No ano passado, a campanha de distribuição nacional atingiu 585 mil famílias, segundo Maurício Andrade, coordenador da ONG. Neste ano o número não deverá passar de 400 mil, segundo as contas dele. Isso porque a doação de alimentos foi 31% inferior à de 2002, atingindo cerca de 4.000 toneladas. "Nós até conseguimos ampliar o número de parceiros neste ano, que já são cerca de 700. O problema é que a doação média das empresas caiu bastante, de 10 toneladas para algo entre duas e três", afirma Andrade.
Para ele, a crise econômica é a causa número um desta redução nas contribuições. Em segundo lugar vem a concorrência com o Fome Zero --principal programa social do governo petista.
Esse contexto também afetou outras ONGs, de hospitais beneficentes a entidades dedicadas a cuidar de pessoas portadoras de deficiência mental.
Dívidas
O Hospital Pequeno Príncipe, em Curitiba, é uma entidade filantrópica que atende principalmente crianças carentes. Cerca de 70% do seu público vem do Sistema Único de Saúde (SUS), outros 30% são clientes de planos privados que buscam atendimento infantil específico.
Neste ano, as verbas do SUS não acompanharam os aumentos de custos do hospital e os repasses dos planos minguaram. Com isso, a receita líquida do hospital, usada em reinvestimentos, despencou de R$ 571 mil, em 2002, para cifra próxima a zero, neste ano.
Para não ter de postergar investimentos ou reduzir o atendimento, a administração do hospital recorreu ao BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). O empréstimo contraído foi de R$ 2 milhões.
"Tivemos de fazer isso para honrar nossos compromissos", diz Orlei Negrello, diretor-administrativo do hospital.
Embora seja bastante conhecida e tenha receitas praticamente fixas como o chamado "teste do pezinho" (exame feito em bebês para detectar a existência de doenças mentais), a Apae-SP (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais de São Paulo) também teve queda na sua receita neste ano.
A captação de recursos caiu 34%, de R$ 1,880 milhão para R$ 1,240 milhão. Só as contribuições espontâneas de pessoas físicas despencaram 47%, de R$ 250 mil para R$ 133 mil.
Com tudo isso, a receita total somou R$ 11,627 milhões, ficando muito aquém dos gastos de R$ 15,186 milhões. A diferença saiu das reservas da entidade. "Tivemos de gastar tudo o que tínhamos na reserva", diz Aracélia Mafra, coordenadora-geral.
Segundo Mafra, a situação econômica do país neste ano tem levado à redução de recursos direcionados à filantropia: "Para mim, a queda nas doações de pessoas físicas é sinal claro disso".
O programa Fome Zero, para ela, contribui, indiretamente, para isso, à medida que se trata de mais um projeto em busca de investimentos. A opinião é compartilhada por Nelson de Almeida, diretor da Casa Transitória, ONG que oferece serviços variados à população carente, que vão da assistência a gestantes ao acolhimento de mulheres idosas.
"Além da redução dos investimentos sociais privados, o Fome Zero passou a concorrer também por esse volume menor de doações, sendo que o governo tem forte poder de mobilização da sociedade", diz Almeida.
Com Fome Zero, ONGs perdem doações
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da Folha de S.Paulo
A combinação entre retração econômica e campanha agressiva do governo para arrecadar contribuições para o Fome Zero gerou, em 2003, um quadro de crise para as Organizações Não-Governamentais (ONGs) que prestam serviços sociais. Queda de receita de até 30% vem obrigando instituições a recorrer a empréstimos, reduzir sua assistência e mudar seus planos de atuação.
Cerca de 185 mil famílias, por exemplo, deixaram de receber este ano a cesta de alimentos oferecida pela campanha Natal Sem Fome promovida pela Ação da Cidadania, tradicional ONG fundada pelo sociólogo Herbert de Souza, o Betinho [1935-1997], no Rio de Janeiro.
No ano passado, a campanha de distribuição nacional atingiu 585 mil famílias, segundo Maurício Andrade, coordenador da ONG. Neste ano o número não deverá passar de 400 mil, segundo as contas dele. Isso porque a doação de alimentos foi 31% inferior à de 2002, atingindo cerca de 4.000 toneladas. "Nós até conseguimos ampliar o número de parceiros neste ano, que já são cerca de 700. O problema é que a doação média das empresas caiu bastante, de 10 toneladas para algo entre duas e três", afirma Andrade.
Para ele, a crise econômica é a causa número um desta redução nas contribuições. Em segundo lugar vem a concorrência com o Fome Zero --principal programa social do governo petista.
Esse contexto também afetou outras ONGs, de hospitais beneficentes a entidades dedicadas a cuidar de pessoas portadoras de deficiência mental.
Dívidas
O Hospital Pequeno Príncipe, em Curitiba, é uma entidade filantrópica que atende principalmente crianças carentes. Cerca de 70% do seu público vem do Sistema Único de Saúde (SUS), outros 30% são clientes de planos privados que buscam atendimento infantil específico.
Neste ano, as verbas do SUS não acompanharam os aumentos de custos do hospital e os repasses dos planos minguaram. Com isso, a receita líquida do hospital, usada em reinvestimentos, despencou de R$ 571 mil, em 2002, para cifra próxima a zero, neste ano.
Para não ter de postergar investimentos ou reduzir o atendimento, a administração do hospital recorreu ao BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). O empréstimo contraído foi de R$ 2 milhões.
"Tivemos de fazer isso para honrar nossos compromissos", diz Orlei Negrello, diretor-administrativo do hospital.
Embora seja bastante conhecida e tenha receitas praticamente fixas como o chamado "teste do pezinho" (exame feito em bebês para detectar a existência de doenças mentais), a Apae-SP (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais de São Paulo) também teve queda na sua receita neste ano.
A captação de recursos caiu 34%, de R$ 1,880 milhão para R$ 1,240 milhão. Só as contribuições espontâneas de pessoas físicas despencaram 47%, de R$ 250 mil para R$ 133 mil.
Com tudo isso, a receita total somou R$ 11,627 milhões, ficando muito aquém dos gastos de R$ 15,186 milhões. A diferença saiu das reservas da entidade. "Tivemos de gastar tudo o que tínhamos na reserva", diz Aracélia Mafra, coordenadora-geral.
Segundo Mafra, a situação econômica do país neste ano tem levado à redução de recursos direcionados à filantropia: "Para mim, a queda nas doações de pessoas físicas é sinal claro disso".
O programa Fome Zero, para ela, contribui, indiretamente, para isso, à medida que se trata de mais um projeto em busca de investimentos. A opinião é compartilhada por Nelson de Almeida, diretor da Casa Transitória, ONG que oferece serviços variados à população carente, que vão da assistência a gestantes ao acolhimento de mulheres idosas.
"Além da redução dos investimentos sociais privados, o Fome Zero passou a concorrer também por esse volume menor de doações, sendo que o governo tem forte poder de mobilização da sociedade", diz Almeida.
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