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10/01/2004 - 09h40

Polícia filtrou grampos do caso Celso Daniel enviados à Justiça

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LILIAN CHRISTOFOLETTI
RUBENS VALENTE

da Folha de S.Paulo

As escutas telefônicas feitas durante a investigação sobre o assassinato do prefeito de Santo André Celso Daniel (PT) foram filtradas pela Polícia Federal antes de serem encaminhadas à Justiça.

Pelo menos 19 conversas gravadas, com assuntos referentes ao homicídio ou à vítima, não foram transcritas nos autos.

A Folha obteve a gravação de 82 diálogos e os comparou com 181 conversas transcritas e enviadas ao então juiz-corregedor Maurício Lemos Porto Alves, do Dipo (Departamento de Inquéritos Policiais e Polícia Judiciária) entre janeiro e julho de 2002. Mesmo nos áudios que constam do material enviado à Justiça, faltam palavras e frases inteiras.

A lei nº 9.296/96, que regula o uso de interceptações telefônicas, prevê que "a gravação que não interessar à prova será inutilizada por decisão judicial".

Nas fitas do caso Santo André, segundo a Justiça estadual, a PF estava obrigada a transcrever todos os assuntos relacionados ao homicídio ou à vítima -as conversas às quais a Folha teve acesso não comprovam esquema de propina ou a autoria do assassinato.

A destruição, segundo a lei, deve ser feita na presença de um representante do Ministério Público. Promotores estaduais e procuradores federais que atuam no caso disseram nunca ter tido acesso às conversas nem participado de atos de destruição de fitas.

Na opinião do juiz Jorge Massad, vice-presidente da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), a omissão de conversas que fazem referência ao homicídio é crime de obstrução à Justiça.

A Polícia Federal informou que o órgão tem "autoridade e autonomia para definir a linha de investigação e desprezar o que considerar irrelevante".

O juiz estadual, no entanto, não recebeu a seguinte conversa entre um homem identificado como Ozias (a Promotoria acredita ser o empresário de ônibus Ozias Vaz) e um amigo não-identificado:

HNI (homem não-identificado) - Você não é fraco, não. Não sai da Globo mais. [Risos]

Ozias - Esses meus amigos só me botam em fria.

HNI - Mas esse cara está envolvido. [...] Uma hora eu te falo. Queria falar pessoalmente para te passar umas informações que a televisão não vai divulgar. Mas você deve saber, né?

Ozias - O cara é meu amigo. [...] Cara legal.

HNI - Eu sei... Ali ele pisou na bola, viu?

Ozias - Sei lá, tem que esperar para ver.

HNI - Ele foi muito burro pra caramba. Ele subestimou, viu? Tem que gostar muito do Sérgio agora.

Ozias - Pois é. [...] Mas, no fundo, está todo mundo fodido.
O diálogo se refere às suspeitas contra o empresário Sérgio Gomes da Silva, hoje preso sob acusação de ser o mandante da morte. Ele nega participação no crime.
Ao mesmo tempo em que não recebeu a transcrição da PF sobre essa conversa, o juiz estadual recebeu um diálogo entre dois homens que tratavam do encontro amoroso de um deles.

Cortes

Em outra conversa não enviada à Justiça, Ivone de Santana, mulher de Celso Daniel, perguntou a um advogado do escritório do deputado federal Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP) se a polícia ainda trabalhava com a versão de crime encomendado para explicar a morte do prefeito.

O advogado respondeu: "Lá no fundinho, eles [os policiais] ainda trabalham com a tese de que algum empresário, que teve algum interesse grande prejudicado... Pode ser que aconteça isso. Isso acontece na vida política. Mas eu falei que quase todo empresário de Santo André a gente conhece".

Um terceiro diálogo não-transcrito trata de bastidores políticos. Gilberto Carvalho, ex-secretário de Governo de Santo André e atual chefe-de-gabinete do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, diz a Ana Carla Albiero, então diretora da Secretaria de Serviços Municipais, que, "nessa hora [logo após a morte do prefeito], foi de um desastre político enorme" uma certa decisão de autoridade da Prefeitura de Santo André.

A omissão de frases inteiras é a marca de vários diálogos cujas transcrições foram enviadas à Justiça. Numa conversa com Gilberto Carvalho, o ex-secretário de Serviços Municipais e hoje vereador pelo PT, Klinger Luiz de Oliveira Souza, afirma: "Então eu acho que é legal essa postura de ir para cima, de ameaçar mesmo com investigação paralela". Essa frase desapareceu da transcrição.

A resposta de Carvalho também sumiu: "O João [Avamileno, atual prefeito], junto com a bancada e o [deputado] Carlinhos Almeida, vai pedir uma audiência com o Alckmin [governador de SP] também amanhã. [...] Nós vamos para cima, cara. É insuportável".

Destruição

Essas fitas são as mesmas que deveriam ter sido destruídas por determinação do juiz federal João Carlos da Rocha Mattos, da 4ª Vara Criminal de São Paulo, que, em abril de 2003, entendeu ter sido ilegal a forma pela qual a PF obteve a ordem judicial para fazer as interceptações.

A ordem do juiz, que está preso pela Operação Anaconda sob acusação de liderar uma quadrilha, não foi cumprida.
 

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