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16/01/2004 - 00h30

Índios são acusados de integrar esquema dos "gafanhotos" em RR

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KÁTIA BRASIL
da Agência Folha, em Manaus

Índios ligados à Sodiur, principal entidade indígena contrária à homologação em área contínua da reserva Raposa/Serra do Sol, em Roraima, são acusados de integrar o esquema dos "gafanhotos" do governo estadual.

A força-tarefa que investiga o caso, formada por Ministério Público e Polícia Federal, encontrou pelo menos 150 índios da etnia macuxi na folha de pagamento do esquema --pelo qual pessoas indicadas por autoridades de Roraima recebiam, por meio de procurações, os salários de cerca de 5.500 funcionários fantasmas.

Pelo menos 22 desses índios são comprovadamente filiados à Sodiur (Sociedade de Defesa dos Índios Unidos do Norte de Roraima), que comandou, junto com fazendeiros, bloqueios de rodovias e invasões de prédios públicos durante protestos contra a reserva, na semana passada.

A entidade defende que a reserva seja homologada de forma não-contínua, permitindo a permanência das plantações de arroz e de não-índios na região.

É a mesma posição do governador Flamarion Portela (que se afastou do PT), citado pelo Ministério Público como envolvido no "escândalo dos gafanhotos" em inquérito encaminhado ao STJ (Superior Tribunal de Justiça).

De acordo com as investigações da força-tarefa, os índios macuxi eram cadastrados na folha de pagamento do Estado com salários entre R$ 1.500 e R$ 1.980 por meio das procurações de Edlamar Pereira, irmã do ex-deputado estadual Gelb Pereira (PDT).

Ele e suas irmãs, Edlamar e Havany, ficaram presos por dez dias por acusação de formação de quadrilha e peculato. A Procuradoria da República prepara denúncia contra eles à Justiça Federal.

As investigações apontam que Pereira teria sua base eleitoral entre os índios macuxi de aldeias localizadas na região do município de Normandia, que fica dentro da Raposa/Serra do Sol.

A Funai (Fundação Nacional do Índio) e o Ministério Público Federal afirmam que a relação do ex-deputado com os índios no "escândalo dos gafanhotos" prova que houve "aliciamento" para arregimentar indígenas contra a homologação da reserva.

"Esses índios foram aliciados pelos políticos contrários a demarcação da terra indígena, o que é crime. É uma forma de pagar os índios para que eles também sejam contra a demarcação ", disse Manoel Tavares, administrador substituto da Funai, em Boa Vista.

"O fato de existirem gafanhotos na área indígena [Raposa/Serra do Sol] demonstra a relação promíscua que existe entre alguns políticos e lideranças indígenas", afirmou o procurador da República Darlan Dias.

A Agência Folha teve acesso a trechos dos depoimentos de 22 índios, tomados pela Polícia Federal em setembro, de um total de cerca de 150 indígenas supostamente envolvidos no esquema. Todos eles são ligados à Sodiur.

Os índios confirmaram à polícia que assinaram as procurações em cartórios de Boa Vista, mas teriam ficado "surpresos" com os valores dos salários nos proventos, já que só chegavam às suas mãos de R$ 100 a R$ 200.

Os macuxi afirmaram ainda que receberam o dinheiro como uma espécie de "ajuda" do ex-deputado Gelb Pereira a pessoas carentes. Lideranças como os tuxauas (como são denominados os caciques pelos macuxi), que têm grande influência nas malocas (aldeias), também recebiam.

O tuxaua Vitoriano Ramos, da maloca Pacu (que fica dentro reserva Raposa/Serra do Sol), afirmou, em depoimento, que assinou, em 2002, uma procuração no gabinete do ex-deputado Gelb Pereira para obter uma "ajuda".

Quando a PF lhe mostrou o extrato dos proventos, em que constava um pagamento mensal de R$ 1.500, disse ter ficado surpreso.

"Não recebi esse valor, recebia R$ 200 por mês. O deputado Gelb me disse que a ajuda serviria para pagar minhas despesas, na qualidade de tuxaua", disse Ramos, que recebeu por quatro meses.

Segundo os índios, o dinheiro era pago nas próprias malocas por emissários do político, ou no gabinete de Pereira na Assembléia Legislativa de Roraima.

Outro lado

O presidente da Sodiur (Sociedade de Defesa dos Índios Unidos do Norte de Roraima), o índio macuxi Silvestre Leocádio da Silva, 53, disse que os indígenas envolvidos na folha dos "gafanhotos" não sabiam do esquema.

"Eles foram enganados pelos políticos, não sabiam do esquema. Nenhum deles é deputado ou vereador. Depois que eles [os políticos] ganharam as eleições, colocaram os índios na folha, mas não teve nenhuma maldade dos índios, teve maldade do lado dos políticos", afirmou.

Fundada em 1993, ano em que a Funai demarcou a reserva Raposa/Serra do Sol, a Sodiur se opõe à proposta de homologação contínua da área. Leocádio da Silva disse que o fato de a entidade ser contra a demarcação não tem relação com os "gafanhotos".

"Todos os índios foram colocados [na folha] pelos prefeitos, pelos deputados. A Sodiur não tem parte nesse esquema", afirmou.

Leocádio da Silva afirmou que, após a descoberta do esquema pelo Ministério Público e pela Polícia Federal, os índios que ganhavam pela folha dos "gafanhotos" foram demitidos porque não passaram em um concurso público promovido pelo governador Flamarion Portela.

"São professores, agentes de saúde que tinham mais de 10, 15 anos de serviço no governo e foram para a rua", afirmou.

Procurada pela reportagem, a assessoria de imprensa do ex-deputado Gelb Pereira (PDT) disse que ele estava numa fazenda no município de Normandia e, como não possui linha telefônica no local, não teria como entrar em contato com ele. Em ocasiões anteriores, ele negou envolvimento com o "escândalo dos gafanhotos".

Em nota enviada à reportagem, a assessoria do governador Flamarion Portela afirmou que "o governo do Estado tem como prática o respeito ao servidor público, seja ele índio ou não-índio".

Na mesma nota, disse que o governo "em momento algum contratou indígena com a intenção de pressionar sobre a questão relacionada à demarcação de terras indígenas no Estado".

O governo de Roraima encerra a nota destacando que "a contratação de índios demonstra a forma democrática de acesso ao serviço público e evidencia a capacidade intelectual e profissional de nossos irmãos índios".
 

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