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21/03/2004 - 09h25

Refis joga no lixo crédito de R$ 1,030 bilhão

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JOSIAS DE SOUZA
da Folha de S.Paulo, em Brasília

Recomenda-se ao leitor que tape o nariz ao enveredar pelo texto abaixo. Fala da Vega Sopave, empresa que floresceu em meio à sujidade. Fez-se na coleta do lixo de grandes cidades, entre elas São Paulo.

A Vega Sopave exibe uma contabilidade malcheirosa como a carga de seus caminhões. Deve à Receita e à Previdência R$ 1,030 bilhão. É dinheiro graúdo. O dobro, por exemplo, dos R$ 514 milhões reservados para os investimentos da pasta de Ciro Gomes (Integração Nacional) em 2004.

Em 14 de março de 2000, a Vega Sopave aderiu ao Refis, programa de parcelamento de débitos tributários criado sob FHC. Passou a recolher aos cofres públicos R$ 8.900 mensais, em média. Mantido o ritmo, liquidaria a dívida em 96.441 anos. Ou 964 séculos.

Embora a coisa cheirasse mal desde o início, a tríade que compõe o comitê gestor do Refis -Receita, Previdência e Procuradoria da Fazenda- aprovou tudo. O acerto só começou a desandar quando um juiz federal, Celso Bedin, decidiu revolver o monturo escondido debaixo das cifras.
Aconteceu assim:

1) em fevereiro de 1999 a Procuradoria da Fazenda Nacional protocolou na 5ª Vara de Execuções Fiscais de São Paulo uma ação para tentar receber um naco da dívida da Vega Sopave. Uma mixaria: R$ 92 mil;

2) enviou-se à empresa, pelo correio, uma citação. No endereço operava não mais a Vega Sopave, mas uma firma homônima: Vega Engenharia Ambiental. Em resposta, disse que nada tinha a ver com a Vega pendurada no fisco;

3) a velha Vega Sopave mudou de endereço e de nome. Chama-se agora Oxfort Construções. Citada, respondeu que aderira ao Refis. Os R$ 92 mil que lhe cobravam estariam incluídos no parcelamento. O processo judicial deveria, portanto, ser suspenso;

4) a Procuradoria da Fazenda assentiu. Encaminhou ao juiz Celso Bedin petição requerendo a suspensão do processo. Inconformado com a falta de olfato da máquina coletora de tributos, Bedin decidiu empreender investigação própria;

5) o juiz deparou-se, segundo declarou nos autos, "com um caso estarrecedor". Em visita ao sítio da Receita na internet constatou que a dívida da Vega Sopave, rebatizada de Oxfort Construções, ultrapassava a casa do bilhão;

6) descobriu que a nova Vega Engenharia Ambiental nascera de uma cisão da velha Vega Sopave. O desmembramento ocorreu em 1997. A empresa temporã herdou da anciã a logomarca e o lucrativo negócio da coleta de lixo. O legado excluiu as dívidas;

7) soube que, ao aderir ao Refis, a Vega Sopave oferecera garantias que não cobriam o débito de R$ 1,030 bilhão: sete tratores, dois equipamentos de usinagem de asfalto, três aparelhos de ar condicionado, uma central telefônica, um computador, móveis e utensílios. Uma parafernália avaliada em R$ 582 mil;

8) em outubro do ano passado, o juiz Celso Bedin negou a pretensão da Fazenda de sobrestar o processo. Anotou na sentença: "É intuitivo que a mudança de endereço, seguida de alteração da denominação social, teve o propósito de fraudar" o fisco;

9) disse mais: "Criou-se uma nova empresa, que assumiu os negócios da executada, ficando com a parte boa [...], enquanto que a antiga [...] ficou com a parte ruim, ou seja, o passivo";

10) o juiz foi ao ponto: "Fraudar o sistema é muito simples. Basta que o contribuinte crie uma nova empresa, que assuma os negócios da que aderiu ao Refis, esvaziando o faturamento desta". O crediário do Refis é calculado com base em percentual do faturamento do devedor;

11) dando seqüência ao processo, Bedin alertou o Ministério Público e a Corregedoria da Receita. E encomendou à Fazenda o cancelamento do parcelamento da empresa e o ajuizamento da dívida;

12) a Oxfort Construções (Vega Sopave) recorreu da decisão. Alegou que a cisão que deu origem à nova Vega Engenharia Ambiental, ocorrida antes da adesão ao Refis, não visou fraudar o fisco. Disse que paga pouco porque seu faturamento foi envenenado pela política de juros altos de Brasília. Bedin deu de ombros. Manteve a sentença;

13) a empresa recorreu novamente, desta vez ao Tribunal Federal de Recursos. Amargou nova derrota. Alegou-se que recorrera fora do prazo regulamentar. Impetrou-se um terceiro recurso. Antes que pudesse ser julgado, a Procuradoria da Fazenda e a Receita recobraram o faro;

14) em portaria de 10 de dezembro de 2003, a Oxfort foi excluída do Refis. No relatório que fundamentou a decisão está escrito: "De fato, as constatações da autoridade judicial [Celso Bedin] vieram a ser corroboradas pelas alterações no objeto social da empresa [...];

15) o repórter discou para a Vega Engenharia Ambiental, a firma que detém o legado limpo da Vega Sopave. A empresa declarou: "Não somos parte nessa causa. Nunca fomos citados no processo". Ledo engano;

16) em ofício de 12 de fevereiro de 2004, anexado aos autos, a Procuradoria da Fazenda, agora com o olfato aguçadíssimo, encomendou à Receita "diligência fiscal a fim de apurar o faturamento declarado da Oxfort Construções no período de 1997 a 2004, bem como da empresa criada a partir de cisão: Vega Engenharia Ambiental". Procurada, a Oxfort (Vega Sopave) não se pronunciou;

Se quiser evitar novos vexames além dos que vêm sendo noticiados pela Folha desde 1º de fevereiro, Lula precisa requisitar ao ministro Palocci uma ampla auditoria na carteira de parcelamentos tributários. Oculta surpresas insondáveis.
 

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