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10/04/2004 - 06h22

"Diretas-Já" conta como o regime militar ruiu nas ruas

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JOÃO BATISTA NATALI
da Folha de S.Paulo

O Boeing-737 decolou de São Paulo para Brasília às 7h do dia 23 de abril de 1984. Entre seus 110 passageiros, dois deputados --João Herrmann Netto (PMDB-SP) e Beth Mendes (PT-SP). Reconhecidos, foram convidados com entusiasmo a falar sobre a emenda Dante de Oliveira, que instituiria eleições diretas para a Presidência da República e seria votada dois dias depois.

Herrmann fez rápido discurso pelo sistema de som do avião. Passou a palavra a Beth Mendes. Que entoou as primeiras estrofes do Hino Nacional. Passageiros e tripulantes a acompanharam, e tudo terminou em aplausos.

O comício a 10 mil metros de altura foi um tanto inusitado, mas se enquadrava no clima generalizado de mobilização e emoção que o Brasil então atravessava.

O episódio é lembrado por Domingos Leonelli, 58, e Dante de Oliveira, 52, em "Diretas-Já: 15 Meses que Abalaram a Ditadura", que procura dar a versão bastante completa daquilo que os autores qualificam, com muita propriedade, de "o maior movimento de massas do século 20 no Brasil".

Na madrugada de 26 de abril de 1984 a votação terminou com 298 a favor, 65 contra e três abstenções. Faltaram 22 votos para que a emenda fosse para o Senado.

Mas a campanha, ao menos nas ruas, recolocou a democracia na agenda nacional. O regime militar não sobreviveria, em janeiro, à escolha do novo presidente pelo Colégio Eleitoral.

Os dois autores, peemedebistas quando da votação, não são mais deputados. Dante de Oliveira foi em seguida ministro da Reforma Agrária e governador de Mato Grosso. Sem mandato, está hoje no PSDB. Domingos Leonelli é presidente do PSB baiano.

A ênfase que eles dão é centrada no PMDB e na maneira pela qual o partido operou a partir do Congresso. O papel do PT é no livro francamente coadjuvante, o que com certeza melindrará as lideranças daquele partido.

Oliveira e Leonelli não erram ao colocar em primeiro plano a figura de Ulysses Guimarães (1916-1992), então presidente nacional do PMDB.

Relatam as dificuldades de Ulysses dentro de sua sigla, onde governadores eleitos em 1982 hesitavam em entrar em atrito com o governo federal.

Um deles, o amazonense Gilberto Mestrinho, o demonstrou com o autoboicote do comício pelas diretas em Manaus, em 18 de fevereiro de 1984. Quatro dias depois o mesmo governador poria 20 mil pessoas nas
ruas para recepcionar o presidente João Batista Figueiredo (1979-1985).

Assim, as Diretas-Já não foram um processo linear, ao qual a oposição e segmentos da sociedade civil aderiram como se fossem passageiros que tomavam seus assentos nas sucessivas paradas de uma viagem cívica.

Muitos dos que dela participaram tinham projetos pessoais. O caso mais singular foi o de Tancredo Neves. O livro traz confidências do então governador de Minas, para quem a emenda Dante de Oliveira não tinha fôlego político para ser aprovada.

Ele intuía, no entanto, que só a presença maciça do povo nas ruas fraturaria o establishment oficial e, por extensão, seu partido no Congresso, na época majoritário. Isso permitiu que, no momento seguinte, Tancredo derrotasse Paulo Maluf e se elegesse presidente pelo pleito indireto, com os votos da oposição (menos os do PT), somados aos de uma dissidência do PDS, o atual PFL.

Outro mérito do livro está em dissecar as intenções que entravam em conflito nos momentos em que a campanha atingia uma de suas encruzilhadas.

Um exemplo. O governador de São Paulo, Franco Montoro (PMDB), foi de certo modo imobilizado pelo sucesso do comício de 25 de janeiro de 1984 na praça da Sé. Acreditava que era grande o risco de não atrair novamente uma multidão equivalente. Ele quis "esfriar" a campanha.

Chegou a não enviar representante ao comitê que discutia um novo ato público, desta vez no Anhangabaú, finalmente realizado a 16 de abril.
Um outro exemplo está no permanente jogo de xadrez entre Ulysses e Tancredo. Eram ambos candidatos à Presidência.

Abril de 1984. Tancredo, no dia 21 em Ouro Preto, aconselha a oposição a não aceitar "confrontos desiguais e funestos". No dia 23, daria entrevista na qual dizia aceitar negociar com o governo, desde que mandatado pelo PMDB. Ele se preparava para o "day after" e sinalizava entendimentos com o grupo palaciano moderado do chefe da Casa Civil, Leitão de Abreu.

Oliveira e Leonelli demonstram que no fundo coexistiram duas campanhas pelas Diretas-Já. A primeira, nas ruas. A segunda, nos chamados bastidores em que as segundas intenções prevaleciam num jogo de simulações.

Diretas-Já: 15 Meses que Abalaram a Ditadura

Autores: Dante de Oliveira e Domingos Leonelli
Lançamento: Record (em São Paulo, no próximo dia 19)
Quanto: R$ 68,90 (643 págs.)
 

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