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09/05/2004 - 11h32

Em Paris, Stédile critica mínimo e pede demissão de Palocci

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JOÃO NOVAES
Especial para a Folha Online, em Paris

O economista e líder do MST (Movimento Sem Terra), João Pedro Stédile, criticou ontem, em Paris, o aumento para R$ 260 do salário mínimo, pediu a demissão do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, e propôs a realização de um plebiscito para decidir se os bingos devem ou não ser fechados.

Em entrevista a um grupo de jornalistas durante um evento organizado pelo jornal "Le Monde Diplomatique", o líder do MST reiterou seu apoio --mesmo que moderado-- ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva, mas também insistiu sobre a necessidade de mobilização popular para pressionar o governo.

"A eleição do governo Lula não está dando resposta à ansiedade que o povo brasileiro tinha por mudanças", afirmou.

Sobre o próprio MST, Stédile disse considerar o movimento "conservador", e chegou, em tom de brincadeira, a compará-lo com o PRI (Partido Revolucionário Institucional), partido político considerado de direita que governou o México durante 80 anos consecutivos no século passado.

Stédile foi um dos convidados do evento chamado "Vozes da Resistência", organizado para comemorar o cinqüentenário do jornal "Le Monde Diplomatique", uma versão mensal do tradicional diário francês "Le Monde", voltado para análises e debates sobre o panorama internacional.

O brasileiro participou de um painel para discutir o que significa a palavra "resistência" nos dias de hoje, no qual estavam ainda o escritor português José Saramago --ganhador do Prêmio Nobel de Literatura em 1998--, o escritor e jornalista uruguaio Eduardo Galeano, o líder da Confederação Campesina francesa, José Bové, e o líder da esquerda boliviana, Evo Morales, entre outros.

O evento teve início com um discurso gravado pelo lingüista Noam Chomsky, que citou o Brasil e o presidente Lula como exemplos de democracia a serem seguidos pelos EUA e pela Europa Ocidental, pois, ''seria inimaginável que alguém vindo do povo possa assumir o poder nessas regiões''. No entanto, ele reconheceu que, ''na atual conjuntura, Lula pouco pode fazer''.

Antes de discursar, Stédile participou de uma entrevista coletiva com jornalistas brasileiros, na qual comentou diversos temas em relacionados à globalização. Confira os principais trechos da entrevista:

O que é Resistência

''O mundo esta em crise. Uma crise na qual o capital financeiro internacional está exacerbando seus graus de exploração ao ponto de utilizar a indústria bélica para sair dela. Impõe guerras injustificáveis como a do Afeganistão, do Iraque, da Palestina e agora está tentando levar a Colômbia a uma guerra civil.

E nós, que estamos na periferia, no Terceiro Mundo, e dependentes do capital e da grande política do Império, sofremos estas conseqüências. É por isso que nos últimos 20 anos, nós percebemos que em toda a América Latina houve um decaída do movimento de massas, duramente golpeado pela piora das condições de vida, pelo desemprego nas grandes cidades e pelo grau de violência social que atingiu as periferias.

Felizmente, de uns dois anos para cá, começamos a perceber sinais de resistência popular. Em vários países da América Latina, as populações estão começando a dizer não ao neoliberalismo. Nós vemos esses sinais em algumas vitórias eleitorais populares importantes, como a vitória do [presidente da Venezuela, Hugo] Chávez. A eleição do Lula foi um protesto à continuidade do neoliberalismo.

Temos também revoltas populares, embora não organizadas, como no Equador, Peru Argentina e Bolívia. Tudo isso ainda não acumulou força suficiente para construirmos um projeto alternativo, popular, que resgate os interesses do povo. Mas são manifestações de resistência . O povo se deu conta que nem a dominação do Império nem o neoliberalismo resolverão seus problemas".

Mobilização popular

''Mesmo quando o povo votou nas eleições contra o neoliberalismo, não foi em um projeto histórico de construir um projeto alternativo. Os governos tem se elegido muito mais por protesto do que por construção de um projeto.

E é por essa razão que em vários países, mesmo governos eleitos pela esquerda acabam não dando respostas ao povo e assim a crise continua. Assim ocorreu na Bolívia e na Argentina e assim esta acontecendo no Brasil. A eleição do governo Lula não está dando resposta à ansiedade que o povo brasileiro tinha por mudanças.

E qual é a solução num quadro deste? São necessárias três medidas fundamentais.
1) que haja na sociedade um amplo debate sobre um projeto alternativo. Evidentemente não estamos falando de uma revolução socialista. Precisamos discutir um projeto popular para cada país. Que projeto é esse? Ele não sairá da cabeças dos intelectuais nem de uma carta na manga milagrosa. Um projeto social só é verdadeiro se for construído em debate com toda a sociedade.
2) É preciso estimular lutas sociais. E é através delas que nós poderemos melhorar as condições de vida. Quando os sem-terra ocupam terras, não é contra o Lula, é contra o latifúndio. As mobilizações de massa dos sem-terra, a rigor, são a favor do governo. A única maneira dele ter força para justificar mudanças reais é se houver pressão popular. No caso brasileiro, o próprio Lula, em diversos eventos dos quais participa conosco, diz que só conseguiremos mudar alguma coisa se o povo sair das arquibancadas e entrar em campo.
3) A terceira medida tem que partir do governo. Eles têm que estimular a participação popular, pois é dele que virão as energias para a mudança.''

Apoio a Lula

"Na política, as situações são muito dinâmicas. O MST se recusa a reduzir a conjuntura brasileira apenas ao Lula. Não queremos apoiar cegamente o governo nem queremos criticá-lo sectariamente. Nossa posição é de autonomia. Mas achamos que, sozinho, ele não tem forças para fazer mudanças. Talvez essa seja a avaliação do Chomsky. Pois o contexto da correlação de forças o amarra tanto que ele sozinho não muda.

Eu não acredito em sã consciência, pelo que conheço dele e pelos interlocutores que temos dentro do governo que o Lula, como presidente e líder operário, esteja de acordo com a política econômica. E não muda porque não têm força.

O Palocci disse que a atual política econômica é a continuidade do programa do Fernando Henrique Cardoso. Se eu fosse o Lula naquela situação, o demitiria por telefone, pois ele deveria ser ministro do Serra.''

Plebiscitos

O que nós pedimos do governo Lula é que ele dê sinais, estimule o povo brasileiro a participar de todas as questões. Por exemplo, agora o governo levou uma rasteira da burguesia brasileira no caso dos bingos, que é uma máfia.

Todo mundo sabe que no Brasil os bingos são apenas fachada para lavar dinheiro do narcotráfico e da máfia italiana. Não estou contando nenhuma novidade, saiu no "Jornal Nacional". Por causa dessa tacada das elites no Senado, corremos o risco de ter os bingos de volta.

Este é o momento do governo chamar um debate nacional. O povo é a favor dos bingos? Chame um plebiscito. E ele poderia fazer a mesma coisa depois com os transgênicos, com a Alca, enfim, com todos os temas que podem ter influência em nossa organização social. Devia fazer isso sobre o salário mínimo. As elites vão lá, deixam o governo refém, não o deixam aumentar, pois R$ 10 a mais no salário mínimo representam R$ 12 bilhões no Orçamento.

Muito bem. E um 1% dos juros anuais que o governo paga para os bancos, quantos bilhões representam no nosso Orçamento? Ninguém fala. Já que o governo não tem força para aumentar o salário mínimo, que convoque a população.''

Reforma agrária

''Esta questão não precisa de plebiscito. Ela é um consenso nacional. Várias pesquisas dão que 92% da sociedade brasileira quer a reforma agrária. As pessoas até podem criticar que nós fizemos ocupação, se isso é violência ou não. Podem ter até opiniões diferentes sobre a forma de como fazer a reforma agrária, mas ela é uma unanimidade. Todo mundo sabe que o latifúndio atrasa o desenvolvimento das forças produtivas.

O que deve-se discutir é a forma de fazê-la. E nós somos conservadores. Nos só queremos que o governo aplique a Constituição. Não há nada mais conservador do que lutar para aplicar a Constituição! Nós viramos o PRI, que é o partido da burguesia mexicana. Tudo porque nós também queremos uma mudança institucional. Mas nem isso os latifundiários aceitam, porque, no fundo, eles querem manter seus privilégios.''

Abril vermelho

''Vejam o terrorismo que criou-se contra nós quando eu anunciei que no mês de abril o MST faria uma jornada de lutas. Sempre as fizemos, desde 1997, quando paramos Brasília por um dia. E de lá para cá, todos os meses de abril estamos nos mobilizando. Mas quando falamos que o mês de abril seria vermelho, caiu o mundo.

A cor vermelha está ligada historicamente com o Socialismo, com as lutas operárias e sociais, e é por isso que todos os movimentos sociais no Brasil têm bandeira vermelha, e não a preta, do fascismo, nem a verde dos integralistas.''

Alca

"É um problema complexo. Uma das saídas para a crise do imperialismo da qual falei anteriormente é que, na América Latina, as multinacionais americanas precisam ter liberdade total para nos explorar. O que significa ter acesso irrestrito às nossas riquezas, ao nosso mercado, à biodiversidade, à água, aos serviços, e não só do comércio --como a Wall-Mart está querendo tomar conta de nossos mercadinhos--, mas também da Educação, e dos meios de comunicação.

No Brasil, temos uma campanha nacional contra o acordo e que está sendo fusionada à uma campanha continental. Há dois anos, foi realizado um plebiscito popular que contou com a participação de 10 milhões de eleitores brasileiros. O resultado foi de 92% contra.

O governo brasileiro têm se comportado dubiamente. Todo mundo sabe que o Sr. Furlan [ministro do Desenvolvimento, Comércio e Indústria, Luis Fernando Furlan], o Sr. Rodrigues [ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues] e o Sr. Palocci [ministro da Fazenda, Antonio Palocci] defendem a Alca.

Nós temos dado força à posição do Amorim [ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim] porque nos parece razoável. Ninguém é contra que o Brasil tenha acordos comerciais com os EUA, mas acordos como a chamada Alca Light, ou do Mercosul com a Europa. Um acordo no qual as duas partes negociam, um perde mais, outro perde menos e chega-se a certos níveis de entendimento."

Mercosul

"O grupo como foi originalmente concebido, e na época do Fernando Henrique, não passava de uma estratégia neoliberal das multinacionais brasileiras e argentinas. Agora percebe-se que a diplomacia brasileira transformou o Mercosul numa instância de articulação política, o que é fundamental, pois pelo menos, dá mais força para que as posições latino-americanas atuem em bloco contra os EUA. Com a vitória do Kirchner [Néstor Kirchner, presidente da Argentina], se recuperou uma força regional ao redor do bloco, pois basicamente o que pesa é a unidade política do Brasil e da Argentina.''

Livre comércio

''Repito que é importante fazer acordos comerciais. Comércio sempre existiu, e é bom que exista. Mas uma coisa é estimular o comércio entre as nações, outra é vender a ilusão de que o livre comércio soluciona os problemas nacionais. Este se resolvem com políticas locais de aumento da produção, geração de empregos e distribuição de renda.
A burguesia brasileira tem colocado na grande imprensa que a solução para o Brasil é o livre comércio internacional. Isso é uma idiotice. Não resolve problema algum.''

Incentivos agrícolas

''Este tema é complexo. Na Via Campesina (articulação de movimentos camponeses de 87 países), a posição defendida é a seguinte: cada país ou governo faz sua própria política agrícola. Se um país adotar uma política de subsídios agrícolas para proteger seus pequenos agricultores, é um direito dele. Somos contra que os governos apliquem políticas de subsídio à produção agrícola para disputar o mercado internacional. Isso sim, afeta os países mais pobres, e é uma forma disfarçada de fazer dumping, pois cria-se um preço artificial para disputar o mercado. Somos contra os subsídios para exportação utilizados no comércio agrícola.

Por exemplo, o Japão tem uma política de subsidiar arroz. Os EUA são contra, não porque eles produzem arroz, mas porque eles comprariam o produto da Colômbia ou do Brasil e revenderiam aos japoneses. Mas essa política japonesa protege seu pequeno agricultor e proporciona uma vida rural mais digna no meio rural local.

Já no Brasil, há um subsídio disfarçado da soja brasileira. A Lei Kandir isentou as exportações agrícolas de ICM. Na Europa, fechou-se os olhos para isso, pois a soja chega mais barata para eles. Quem paga isso é o povo brasileiro. A maioria dos Estados brasileiros exportadores agrícolas como o Rio Grande do Sul, o Paraná, Goiás e Mato Grosso do Sul estão tendo dificuldades de pagar seu funcionalismo publico. No Rio Grande do Sul, há dificuldades de pagar os professores, que estão em greve.''

Transgênicos

''Somos frontalmente contra a adoção de sementes transgênicas, semelhante à posição da Via Campesina Internacional.

O principal motivo é científico. Já está comprovado que a adoção de sementes transgênicas vai eliminando a biodiversidade na natureza. As lavouras ficam muito homogêneas. A Argentina, que adota soja transgênica há sete anos, já está enfrentando problemas ambientais, de desertificação e diminuição da fertilidade.

Outra razão científica é que as multinacionais se negam a fazer pesquisa sobre o efeito desses produtos na saúde humana.

Outra razão pela qual somos contra as sementes transgênicas é que elas são uma forma das multinacionais controlarem nossa agricultura. E essas sementes não representam obrigatoriamente aumento na produtividade. A soja convencional já provou ser mais produtiva que a transgênica.
Não podemos aceitar que se comece a difundir transgênicos comercialmente e criar fato consumado, como foi com a soja no Rio Grande do Sul. Agora já estamos escutando que os mesmos grupos multinacionais querem fazer o mesmo com o algodão e o milho."

Amazônia

"Acho que o Lula deve ter levado um puxão de orelha da Marina Silva (ministra do Meio Ambiente). Como pernambucano, ele não tem obrigação de saber sobre a Amazônia, mas como presidente, deveria ser mais cauteloso. Ninguém defende a Amazônia como intocável, mas não as defendemos para as madeireiras.

Não aceitamos que haja cultivo de soja lá, que é uma região que não tem condições climáticas para defendê-la. Precisamos de formas de cultivo que respeitem o meio-ambiente. Companheiro Lula: escute mais a companheira Marina Silva, pois ela é acreana e conhece a Amazônia um pouquinho mais que você.''

Assentamentos

''Essa questão mudou muito com o novo governo, pois há vontade política. É evidente que o novo governo tem mais vontade de acertar. Mas ainda não temos a implementação do Plano Nacional de Reforma Agrária, que poderia mudar a política para os assentamentos. Esta é uma questão está ligada à política agrícola em geral.

Quero convencer o governo de que é possível e necessário fazer assentamentos massivos e com qualidade, pois é muito barato. Hoje, assentar uma família custa R$ 30 mil e gera em média 2,5 empregos. Tudo precisa R$ 50 mil, R$ 80 mil para gerar empregos. Então, é investimento barato que gera trabalho para pobre e que o ajuda a tirá-lo da pobreza.''
 

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