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23/05/2004 - 09h32

Chineses podem tirar Brasil da letargia

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CLÓVIS ROSSI
colunista da Folha de S.Paulo, em Bruxelas

Nos últimos três anos, a China foi responsável por quase um terço do crescimento da economia do mundo.

Logo, qualquer país deve ter forte interesse em cortejar essa formidável usina de crescimento. Por extensão, a viagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva está mais que justificada, na medida em que "o presidente é um agente político, o mais importante do Estado; o seu papel é usar o seu imenso poder de convocatória e a sua liderança para lançar ou consolidar processos", como diz Sérgio Danese, diplomata que defendeu tese sobre a "diplomacia presidencial" e transformou-a em livro com esse nome --primeira edição já esgotada.

No caso, o processo a consolidar, citado por Danese, é a transformação da China em um dos mais importantes parceiros comerciais do Brasil (já é o terceiro).

É para isso, fundamentalmente, que servem viagens presidenciais, por mais que provoquem críticas e ironias em um país que um ex-presidente dado a viagens, como Fernando Henrique Cardoso, batizou de "caipira", por estar mais voltado para dentro.

O próprio FHC era ironizado no programa humorístico "Casseta e Planeta", da TV Globo, como "Viajando Henrique Cardoso".

O problema com viagens presidenciais é a eventual criação do que Danese chama de "mito do presidente caixeiro-viajante". Acrescenta: "É um mau mito, porque leva a opinião pública a cobrar do presidente resultados que muitas vezes demoram a amadurecer ou simplesmente não são mensuráveis em cifras".

No caso da viagem de Lula à China, o mito tornou-se muito forte, talvez pelo pantagruélico apetite chinês por importações. Para o jornal britânico "Financial Times", em texto de Jonathan Wheatley, mantidos os atuais índices de crescimento das exportações brasileiras, "a China responderá pela metade do aumento do faturamento com exportações do Brasil neste ano, que o governo espera que cheguem a US$ 82 bilhões, contra US$ 73 bilhões no ano passado".

Com isso, a China se tornaria responsável por um quarto do crescimento econômico de 3,5% previsto para este ano.

Não é um cálculo despropositado: de acordo com o conglomerado financeiro Goldman&Sachs, a China foi a responsável por 37% do crescimento da economia japonesa no ano passado. Se foi capaz de ajudar a içar o Japão de uma letargia de uma década, a China tem dinamismo suficiente para fazer o mesmo com o Brasil, cujo PIB caiu em 2003.

De todo modo, convém não tomar a visita de Lula como se o presidente fosse uma espécie de Marco Polo brasileiro que vai descobrir o gigante asiático.

Sua viagem é, na verdade, a continuação de um processo iniciado em 1984, ainda no regime militar, com a excursão chinesa do então presidente João Figueiredo.

Cada viagem presidencial marca uma etapa nesse processo.

A de Figueiredo encerrou a etapa de estabelecimento de relações e de início da parceira comercial.

A de José Sarney (1988) tocou consolidar o período de cooperação, de que é exemplar o projeto de satélite conjunto.

Por fim, FHC lançou a fase de incremento da parceria comercial, que Lula consolida agora em uma dimensão bem maior.

Mas o atual presidente, afirma Danese, "vai abrir uma nova etapa da relação, que é a da cooperação político-diplomática".

Como o relacionamento Sul/Sul passou a ser componente importante da política externa brasileira no governo Lula, é inescapável aprofundar o relacionamento com a China, o país do Sul até agora mais bem sucedido.

Não se trata apenas de ter mais comércio com a China, mas de, juntos, tratarem de abrir terceiros mercados. Para isso é que o Brasil chamou a China para fazer parte do G20, o grupo de países em desenvolvimento que tenta obter a liberalização do comércio agrícola nos países ricos.

O presidente funciona também ou principalmente como uma espécie de caixeiro-viajante de propostas políticas.

Mas diplomacia presidencial tem também o lado pessoal. Só o contato direto, olho no olho, permite desencadear uma química entre governantes, que tanto pode ser positiva como negativa.

No caso de FHC, a química foi extremamente positiva com ex-presidente americano Bill Clinton, mas muito negativa com o atual, George W. Bush, o que deve ter ajudado Bush a ver Lula com muito mais simpatia do que via FHC e com muito mais simpatia do que autorizaria, em tese, a divergência ideológica entre um presidente ultraconservador e um originalmente de esquerda.

"Ele é de esquerda, mas eu gosto dele", chegou a dizer Bush sobre Lula, em uma conversa com o primeiro-ministro português José Manuel Durão Barroso.

Pela guinada que foi dada pelo presidente brasileiro, talvez sua visita a Pequim permita que ele diga algo semelhante sobre os governantes chineses.
 

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