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15/08/2004 - 10h00

Novo embaixador dos EUA elogia Lula, mas cobra compreensão sobre Iraque

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ELIANE CANTANHÊDE
Colunista da Folha de S.Paulo
ANDRÉ SOLIANI
da Folha de S.Paulo, em Brasília

O novo embaixador dos EUA no Brasil, John Danilovich, 54, não poupou elogios à política externa "agressiva" e "dinâmica" do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, durante sua primeira entrevista exclusiva no país. "A liderança do Brasil no mundo é óbvia, existe e está crescendo com o tempo", afirmou. "Os EUA vêem com bons olhos tudo isso. Isso é bom para o Brasil e bom para os EUA."

Ele deixou claro, no entanto, que o governo de George W. Bush espera, senão apoio, pelo menos compreensão de seus parceiros em relação à invasão do Iraque.

"O fato é que o Brasil não foi atacado, os EUA foram. Três mil brasileiros não foram mortos, 3.000 americanos foram. Isso precisa ser compreendido", disse.

Numa conversa de mais de uma hora na embaixada, ele mostrou um caderno de capa verde com o título manuscrito e meio gasto de "Brazil". Trata-se de um trabalho escolar de quando tinha 11 anos. "Sempre gostei do Brasil."

Danilovich, que não é diplomata de carreira e sim empresário, assumiu sua primeira embaixada na Costa Rica, em 2001, por indicação política de Bush. Segundo ele, "a Alca não morreu, apenas está tomando fôlego".

Veja abaixo trechos da entrevista:

Folha - Com poucos dias de Brasil, o senhor ouviu o presidente Lula num dia e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso no outro. Que diferenças o senhor identifica nessas duas visões de mundo?
John Danilovich -
O Brasil e os EUA têm um relação muito robusta e não poderia ser diferente. O Brasil é uma potência, o maior país na América do Sul, a maior população, o maior PIB, tem fronteira com quase todos os países da região. É um gigante. O presidente Lula é muito agressivo e muito dinâmico nas suas declarações sobre política externa e nas iniciativas no cenário internacional. No campo externo, houve grandes iniciativas da gestão de Lula, que se engajou em buscar o livre comércio com a China, com a União Européia, com a África do Sul. Os EUA vêem com bons olhos tudo isso. Isso é bom para o Brasil e bom para os EUA.

Folha - No debate que o sr. participou com FHC em São Paulo, o especialista em relações internacionais Miguel Diaz disse que a América do Sul e o Brasil estão completamente fora dos radares do governo americano. É verdade?
Danilovich -
Eu fiquei surpreso ao ouvi-lo dizer aquilo, porque eu ouvi do presidente da República e do Secretário de Estado que há grande interesse na América do Sul, na sua participação no hemisfério, na democracia, no comércio, na estabilidade.

Folha - No mesmo encontro, FHC disse que, se o Brasil disputar com os EUA, vai perder. O sr. concorda?
Danilovich -
Eu não lembro como e em que contexto essa declaração foi dada e não sei exatamente em que arena poderia haver uma disputa assim. O que me lembro é de uma outra manifestação do presidente Cardoso. [Rindo] Foi quando ele disse: "Nós não queremos estar no radar dos EUA, nós queremos estar fora desse radar. Não queremos que eles nos olhem, queremos decidir nossas próprias coisas".

Folha - Que conclusão o sr. tirou de estar num dia ouvindo Lula defendendo uma guinada do Brasil dos EUA para a África e para a Ásia e, no dia seguinte, ouvindo FHC defendendo o oposto, o foco nos EUA?
Danilovich -
Não foi exatamente o oposto. Durante o almoço, depois da fala do presidente Cardoso, alguém me disse: "O sr. é o novo embaixador, só está aqui há algumas horas e já está ouvindo tudo isso, não é provocativo?". Eu acho que é democracia.

Folha - O subsecretário do Departamento de Agricultura dos EUA, J.B. Penn, afirmou que o Brasil deveria ser tratado como um país rico para efeitos de negociação. O Brasil é um país em desenvolvimento ou desenvolvido?
Danilovich -
Essas classificações de emergentes ou em desenvolvimento são um tanto irrelevantes. O Brasil é uma potência. É preciso reconhecer a força do Brasil.

Folha - Inclusive na Alca? Ou a Alca só caminha para trás?
Danilovich -
A Alca não está morta. Neste momento, o Brasil está muito envolvido nas negociações com a União Européia, mas isso não significa que não haja contato entre Brasil e EUA. A negociação está tomando fôlego.

Folha - Numa eventual vitória dos democratas nas eleições presidenciais, o que mudaria nas relações com o Brasil e com a região?
Danilovich -
Vocês sabem bem qual é a posição do governo Bush a favor do livre comércio. A posição de [John] Kerry é provavelmente menos clara. O seu vice-presidente [John Edwards] já foi bem protecionista. Qual seria a mudança para a política externa? Bem, ainda não está claro.

Folha - O senhor recomendaria ao Brasil apoiar a reeleição de Bush?
Danilovich -
Eu acho que vocês devem votar no Brasil, e eu devo votar nos EUA.

Folha - O governo e a opinião pública brasileira não apóiam a invasão do Iraque.
Danilovich -
Essa é uma decisão americana, não precisa ser uma decisão brasileira. Nosso país, nossa democracia, nossa República haviam sido atacados. O World Trade Center mudou a relação dos EUA com a sua segurança. O Brasil, como outros, deixou muito claro que não se sentia ameaçado, mas nós tomamos uma posição. Se não é possível dar um apoio total, pode-se, pelo menos, compreender. A decisão, quem sabe, causou antipatia e antiamericanismo, mas é uma estratégia que precisamos seguir para proteger o nosso país.

Folha - Essa foi uma de suas respostas mais longas, mas o senhor não mencionou a palavra Iraque nenhuma vez.
Danilovich -
Os EUA invadiram o país por um motivo muito claro, desde de junho há um governo independente no Iraque e deve haver eleição nos próximos meses.

Folha - As mortes continuam, inclusive de americanos.
Danilovich -
Americanos e iraquianos. Mas pessoas também foram mortas no World Trade Center. A percepção é a mesma no governo Bush, no Congresso e na opinião pública.

Folha - Mas os EUA atacaram o Iraque sem autorização da ONU.
Danilovich -
O fato é que o Brasil não foi atacado, os EUA foram. Três mil brasileiros não foram mortos, 3.000 americanos foram. Isso precisa ser compreendido. É preciso saber e compreender que há uma rede terrorista internacional. Houve atentados e seqüestros no Reino Unido, na Espanha...
O sucesso do Brasil é o sucesso dos EUA, e o sucesso dos EUA no combate ao terrorismo é também um sucesso do Brasil, apesar de o Brasil não ter dado suporte aos EUA nessa matéria.

Folha - E a pretensão do Brasil de ter um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU?
Danilovich -
A liderança do Brasil no mundo é óbvia, existe e está crescendo com o tempo. A abertura de vagas permanentes faz parte de uma discussão sobre a estrutura e o funcionamento da ONU em geral, na qual a inclusão do Brasil está inserida. Há outros países que também desejam um assento permanente. Isso é um longo processo, mas a condição de líder do Brasil, esteja ou não no Conselho de Segurança, é óbvia.

Folha - A posição brasileira contrária à invasão do Iraque feriu suscetibilidades, deixou mágoas e seqüelas?
Danilovich -
Não concordo com essas expressões, de suscetibilidade, de mágoa. Não creio que sejam adequadas. Os países têm suas políticas. Os EUA têm a sua, o Brasil tem a dele, o Reino Unido também tem. É muito bom ter apoio. Gosto do Brasil e espero que vocês gostem dos EUA. Vocês podem é não gostar de nossas políticas. No mais, é importante manter conversações na base de multilateralismo, livre comércio.

Folha - Neste domingo, haverá um...
Danilovich -
...referendo. Democracia em ação...

Folha - Pois é, na Venezuela. Setores do país temem que a vitória do presidente Hugo Chávez, apontada pelas pesquisas, possa reforçar a chamada esquerda do continente, com Lula, Néstor Kirchner (Argentina) e Chávez?
Danilovich -
Citar Lula, Kirchner e Chávez juntos não convém a nenhum desses três cavalheiros. E é preciso dizer que Lula e o governo brasileiro têm sido muito operativos ao promover estabilidade e democracia no hemisfério.

Folha - E quanto ao presidente Chávez?
Danilovich -
Quanto ao referendo? Bem, democracia fala mais alto. Vamos ver o que vai acontecer. O mais importante é que eleições livres sejam garantidas, que o resultado seja respeitado pelo povo venezuelano e que a Venezuela tenha uma democracia forte e livre.

Folha - Os EUA são acusados de colaborarem com o oposição que liderou o golpe de 2002 contra Chávez. Os EUA torcem para algum resultado no domingo.
Danilovich -
Sim, nós apoiamos o resultado da democracia. EUA são acusados de muitas coisas, mas acho que de uma coisa não podem ser acusados -de serem antidemocráticos. Nós damos suporte à democracia dentro do nosso próprio país, no hemisfério e no próprio mundo.

Folha - Há setores do governo Lula insatisfeitos com o tratamento a cidadãos brasileiros que vivem ilegalmente no país. O que fazer?
Danilovich -
É preciso fazer uma distinção entre esses poucos e coitados migrantes que até morrem e os milhares e milhares de brasileiros que vivem nos EUA. Imigração nos EUA não é um assunto fácil e foi complicado ainda mais depois do 11 de Setembro. A fronteira com o México é um problema e o contingente brasileiro é o segundo maior a atravessar aquela fronteira ilegalmente. É um ato ilegal, um ato criminoso. É uma realidade lamentável, mas, infelizmente, nós precisamos defender as nossas fronteiras.

Folha - O governo brasileiro tem manifestado insatisfação?
Danilovich -
Descortesia, seja com imigrantes legais ou ilegais, é inadmissível.

Folha - Quanto às restrições para a entrada de turistas brasileiros legalmente?
Danilovich -
O governo americano vem trabalhando para diminuir essas restrições mais e mais, mas é um duro processo, porque, como vocês sabem, todos os responsáveis pelos atentados tinham vistos regulares. É uma situação que não pode mais ocorrer.

Folha - E quanto às restrições impostas no Brasil a turistas americanos recentemente?
Danilovich -
Houve incidentes com alguns cidadãos americanos, mas logo no início daqueles procedimentos. Não se ouve mais falar nisso, o que é uma boa coisa.

Folha - Os EUA acabam de impor barreiras temporárias à importação de camarão do Brasil. Serão suspensas?
Danilovich -
No momento, o processo ainda não foi concluído e está em análise. Uma decisão final só será tomada em dezembro.

Folha - O Brasil conseguiu um parecer da OMC contrário aos subsídios americanos ao algodão. Os EUA irão eliminá-los?
Danilovich -
Os casos do algodão e do açúcar estão em processo de apelação [na OMC]. Eu sei que decisões da OMC dificilmente são mudadas durante a apelação, mas o processo de revisão esclarece a situação. Os dois lados concordam que negociações são melhores que disputas.

Folha - Os EUA seguirão a recomendação da OMC?
Danilovich -
Os EUA sempre foram a favor da eliminação de barreiras ao comércio. Não é apenas o fim dos subsídios ao algodão que fará com que o livre comércio funcione. Na última reunião em Genebra da OMC, os países concordaram que os subsídios deveriam cair. Mas isso não pode ser uma decisão unilateral, depende de um compromisso de todos.

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