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21/08/2004
-
05h35
FLÁVIA MARREIRO
da Folha de S.Paulo
O Ministério Público do Trabalho surpreendeu ontem em flagrante donos de uma confecção que empregavam ilegalmente 11 estrangeiros --entre bolivianos, paraguaios e peruanos-- no bairro do Bom Retiro, em São Paulo. Sem registro, os funcionários eram submetidos a condições degradantes e a uma jornada exaustiva (das 7h às 21h30). Os proprietários vão responder criminalmente por manter trabalhadores em regime análogo à escravidão.
Os donos da empresa, um casal de coreanos, e os empregados foram detidos pela Polícia Federal para prestar esclarecimentos. Os 11 funcionários foram liberados mas terão de apresentar até segunda-feira documentos que comprovem estar no Brasil legalmente, caso contrário serão multados e terão prazo para sair do país (a multa pode chegar a R$ 828 e o prazo máximo para deixar o Brasil é oito dias). Passado o prazo, a PF terá de deportá-los. Dez deles informaram à Folha não possuir os papéis.
Diferentemente do que ocorre em casos do gênero com mão-de-obra brasileira, os estrangeiros ilegais sob regime análogo à escravidão não recebem indenização ou direitos trabalhistas devidos. Os empregadores terão de pagar multa de R$ 2.483 por cada trabalhador ilegal mais fiança para serem liberados. A Procuradoria vai acionar o Ministério do Trabalho e Emprego, e a confecção deve ser fechada.
No subsolo
Quando a blitz da Procuradoria chegou à confecção, o boliviano Adriano Huanca, 25, costurava o que seria mais um dos vestidos espalhados pelo local (na etiqueta, "So & Jung - Fabricado no Brasil"). Por peça produzida, Huanca contou receber de R$ 0,80 a R$ 1 --em média, R$ 350 por mês. Na rua José Paulino, perto dali, vestidos semelhantes saem por R$ 20 e até R$ 25. "É muito tempo de trabalho. Mas quis mesmo assim. Pelo menos [no Brasil] tem trabalho todo dia", disse Huanca, há dois anos no país.
O salão onde estavam o boliviano e os demais trabalhadores estrangeiros fica no subsolo do prédio da confecção, em local monitorado pelos donos por circuito de TV. Na semana, ele dormia em um dos quartos em área contígua à oficina (seis cômodos de 2 m2 separados por paredes de compensado). Outros sete trabalhadores e uma criança de seis anos dividiam o local. Os demais, só esporadicamente dormiam ali. Na parte mais recuada, havia uma cozinha precária, de onde saíam refeições dadas pelos patrões, e dois banheiros, com portas danificadas, e instalações elétricas expostas.
Ainda sem saber que seria detido pela PF, Huanca, sem visto, já planejava buscar outra confecção. "Emprego não falta. Se acabar esta costura, tem outra", afirmou o boliviano, que disse mandar cerca de US$ 50 para mãe em La Paz todos os meses.
Segundo o Sindicato das Costureiras de São Paulo e Osasco, os problemas trabalhistas no setor não atingem apenas estrangeiros ilegais, mas se agravam entre eles. Há 7.500 empresas de confecção regularizadas na região, empregando 70 mil brasileiros formalizados e cerca de 70 mil informais. Entre os estrangeiros, os salários e as condições de trabalho são piores que a dos brasileiros.
Foi do sindicato que partiu a denúncia para o flagrante de ontem. Foi a primeira operação do gênero da Procuradoria do Trabalho em 2004. "O acompanhamento é difícil, mas nós queremos fechar o cerco. Notificamos todas as confecções do Brás, e elas terão de apresentar quantas pessoas trabalham e se terceirizam o serviço. Depois, será o Bom Retiro", diz a procuradora Vera Lúcia Carlos.
A investigação esbarra na situação social dos países vizinhos e no medo dos explorados ilegais. Acuados, não costumam delatar os patrões.
Muitos, segundo a Procuradoria, nem sequer imaginam estar sendo explorados. "Todos que ouvi dizem que preferem trabalhar no Brasil a trabalhar na Bolívia", diz a procuradora Cristina Ribeiro, que vê nos bolivianos um dos grupos mais atingidos.
Entre os migrantes latinos em São Paulo, a comunidade maior é a de bolivianos --18 mil legais na contagem oficial de 98. A Pastoral do Migrante estima que, com os ilegais, eles podem chegar a 70 mil.
Especial
Arquivo: veja o que já foi publicado sobre trabalho escravo
Procuradoria flagra trabalho escravo em SP
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da Folha de S.Paulo
O Ministério Público do Trabalho surpreendeu ontem em flagrante donos de uma confecção que empregavam ilegalmente 11 estrangeiros --entre bolivianos, paraguaios e peruanos-- no bairro do Bom Retiro, em São Paulo. Sem registro, os funcionários eram submetidos a condições degradantes e a uma jornada exaustiva (das 7h às 21h30). Os proprietários vão responder criminalmente por manter trabalhadores em regime análogo à escravidão.
Os donos da empresa, um casal de coreanos, e os empregados foram detidos pela Polícia Federal para prestar esclarecimentos. Os 11 funcionários foram liberados mas terão de apresentar até segunda-feira documentos que comprovem estar no Brasil legalmente, caso contrário serão multados e terão prazo para sair do país (a multa pode chegar a R$ 828 e o prazo máximo para deixar o Brasil é oito dias). Passado o prazo, a PF terá de deportá-los. Dez deles informaram à Folha não possuir os papéis.
Diferentemente do que ocorre em casos do gênero com mão-de-obra brasileira, os estrangeiros ilegais sob regime análogo à escravidão não recebem indenização ou direitos trabalhistas devidos. Os empregadores terão de pagar multa de R$ 2.483 por cada trabalhador ilegal mais fiança para serem liberados. A Procuradoria vai acionar o Ministério do Trabalho e Emprego, e a confecção deve ser fechada.
No subsolo
Quando a blitz da Procuradoria chegou à confecção, o boliviano Adriano Huanca, 25, costurava o que seria mais um dos vestidos espalhados pelo local (na etiqueta, "So & Jung - Fabricado no Brasil"). Por peça produzida, Huanca contou receber de R$ 0,80 a R$ 1 --em média, R$ 350 por mês. Na rua José Paulino, perto dali, vestidos semelhantes saem por R$ 20 e até R$ 25. "É muito tempo de trabalho. Mas quis mesmo assim. Pelo menos [no Brasil] tem trabalho todo dia", disse Huanca, há dois anos no país.
O salão onde estavam o boliviano e os demais trabalhadores estrangeiros fica no subsolo do prédio da confecção, em local monitorado pelos donos por circuito de TV. Na semana, ele dormia em um dos quartos em área contígua à oficina (seis cômodos de 2 m2 separados por paredes de compensado). Outros sete trabalhadores e uma criança de seis anos dividiam o local. Os demais, só esporadicamente dormiam ali. Na parte mais recuada, havia uma cozinha precária, de onde saíam refeições dadas pelos patrões, e dois banheiros, com portas danificadas, e instalações elétricas expostas.
Ainda sem saber que seria detido pela PF, Huanca, sem visto, já planejava buscar outra confecção. "Emprego não falta. Se acabar esta costura, tem outra", afirmou o boliviano, que disse mandar cerca de US$ 50 para mãe em La Paz todos os meses.
Segundo o Sindicato das Costureiras de São Paulo e Osasco, os problemas trabalhistas no setor não atingem apenas estrangeiros ilegais, mas se agravam entre eles. Há 7.500 empresas de confecção regularizadas na região, empregando 70 mil brasileiros formalizados e cerca de 70 mil informais. Entre os estrangeiros, os salários e as condições de trabalho são piores que a dos brasileiros.
Foi do sindicato que partiu a denúncia para o flagrante de ontem. Foi a primeira operação do gênero da Procuradoria do Trabalho em 2004. "O acompanhamento é difícil, mas nós queremos fechar o cerco. Notificamos todas as confecções do Brás, e elas terão de apresentar quantas pessoas trabalham e se terceirizam o serviço. Depois, será o Bom Retiro", diz a procuradora Vera Lúcia Carlos.
A investigação esbarra na situação social dos países vizinhos e no medo dos explorados ilegais. Acuados, não costumam delatar os patrões.
Muitos, segundo a Procuradoria, nem sequer imaginam estar sendo explorados. "Todos que ouvi dizem que preferem trabalhar no Brasil a trabalhar na Bolívia", diz a procuradora Cristina Ribeiro, que vê nos bolivianos um dos grupos mais atingidos.
Entre os migrantes latinos em São Paulo, a comunidade maior é a de bolivianos --18 mil legais na contagem oficial de 98. A Pastoral do Migrante estima que, com os ilegais, eles podem chegar a 70 mil.
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