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04/04/2005 - 09h47

PF investiga loteamento de terras do Incra

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SILVIO NAVARRO
da Agência Folha, em Porto Velho

Considerado um dos braços mais radicais dos movimentos sociais agrários do país, o chamado MCC (Movimento Camponês Corumbiara) é investigado pela Polícia Federal de Rondônia por denúncias de falsificar marcos de demarcação do Incra, comercializar os lotes e usar armas para patrulhar seu acampamento.

Rondônia foi apontada pelo ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto, como um local com iminência de "graves conflitos" rurais depois da onda de violência no campo ocorrida no Pará. No final do mês, o Estado receberá deputados e senadores que integram a CPI da Terra, instalada no Congresso.

O MCC surgiu em 1995 liderado por sem-terras que participaram do conflito com a Polícia Militar em Corumbiara (sul do Estado). À época, o confronto deixou dez sem-terra e dois PMs mortos e trouxe repercussão internacional negativa para o país.

Desde então, o grupo invadiu --e foi despejado-- cerca de seis áreas, migrando em direção ao entorno de Porto Velho (norte do Estado). Atualmente, gera tensão numa disputa por terras com cerca de 150 posseiros na área da fazenda Urupá, em Candeias do Jamari. No local, funcionou a extinta Agropecuária Industrial e Colonizadora Rio Candeias S/A.

O terreno, com cerca de 33 mil hectares, foi cedido à empresa pela União em 1983. À época, o Senado autorizou a cessão por alienação vinculada à implantação de um projeto agropecuário que beneficiasse a região. Alegando que a empresa não cumpriu as exigências, o Incra tenta reaver a área.

A empresa fatiou o terreno e repassou os lotes para posseiros. A PF apura, a pedido do Incra, se os posseiros compraram esses terrenos por até R$ 40 mil, num negócio de cerca de R$ 6 milhões.

O advogado Tadeu Fernandes, que defende a empresa e também tenta a posse da área no TRF (Tribunal Regional Federal), afirma que a Rio Candeias deixou a cidade, e a área foi ocupada a esmo pelos agricultores e pecuaristas.

O MCC, liderado por Adelino Ramos, o Dinho, invadiu 200 hectares da fazenda em 2002. O acampamento inchou, tem hoje 623 famílias, segundo o MCC, e toma a maior parte parte dos 8 mil hectares da fazenda Urupá.

Ex-militante do MST (expulso em 1995), Ramos já foi preso por invasão de propriedade e incitar a violência. Outros processos, por formação de quadrilha, foram engavetados. A Folha teve acesso a cinco depoimentos tomados pela polícia e pelo Ministério Público Federal de ex-acampados que o acusam de violência e coação. Ele nega todas as acusações.

Num dos depoimentos, a agricultora Carmelina Amorim diz que "muitas vezes o sr. Adelino nos mandava assinar papéis sem sabermos o que estava escrito".

Em outro, Edvaldo Pereira dos Santos diz que Adelino os "obrigava a ficar em trincheira e emboscada ao redor do acampamento com arma cartucheira".

O conflito entre os posseiros e o MCC se agravou no mês passado, quando os sem-terra contrataram dois topógrafos e demarcaram seus lotes sem autorização do Incra. Os lotes avançaram sobre antigas cercas dos posseiros, que se rebelaram contra o Incra já que os marcos tinham inscrição federal.

"Os trabalhadores estão conscientes de que é ilegal demarcar a área, mas o objetivo era encontrar os donos das terras, invasores sem perfil para a reforma agrária. O Ibama, o Incra, entram lá e correm, agora já têm os nomes dos posseiros", afirma Ramos.

O Incra levou o caso à PF. Afirma que as estacas de concreto são obsoletas --hoje são de alumínio-- e que se trata de falsificação. Também distribuiu 20 mil folhetos alertando que "é crime comprar, vender, ceder lotes em projetos de assentamento".

Por um lote delimitado, cada família pagou R$ 337. Adelino Ramos afirma que o dinheiro não passou pelo caixa da direção do MCC porque foi pago diretamente aos topógrafos. A PF abriu inquérito para apurar o caso.

Famílias de sem-terra dizem que ainda pagaram R$ 100 para ter direito à cesta básica enviada pelo Incra e R$ 10 para integrar cadastro do MCC.

Um dos topógrafos contratados para marcar a área, Wilson da Costa Nogueira, diz que comprou os marcos na Só Tubos Rondônia. Diz que que trabalha para o engenheiro Luiz Arashiro, ex-funcionário do Incra. A empresa, no entanto, fechou há dois anos. O engenheiro vive no Acre há cinco.

Outro lado

"Para enfrentar balas criminosas do Estado existem foices e gasolina. O povo vai morrer queimado e vai queimar muita gente."

Com ou sem o apoio do Incra, a ordem de Adelino Ramos, o líder do MCC, aos acampados é resistir à eventual reintegração de posse das fazendas, monitorada pela polícia. Além disso, segundo Ramos, "a polícia vai ter muito trabalho para retirar os 300 trabalhadores espalhados na mata".

Ramos nega que existam armas escondidas no acampamento, conforme investiga a PF, e diz haver uma tentativa de demonizá-lo por parte dos posseiros e dos órgãos governamentais, "porque o MCC denuncia falcatruas e má aplicação de recursos".

As falcatruas a que se refere são denúncias de conivência do Incra e do Ibama com os posseiros, que estariam extraindo madeira em tora sem licença ambiental.

"Não tenho medo porque se eu comandasse grupo armado não estava dando entrevista. Se o governo vier aqui, eles [posseiros] serão todos presos por devastação. O MCC é denunciado porque protege árvores", afirma.

Ramos reclama de descaso do Incra. Cita, por exemplo, atraso de quatro meses na distribuição de cestas básicas. O Incra nega.

Barril de pólvora

Diz ainda que contratou um advogado para processar "todos que o caluniaram". Para ele, o conflito agrário ainda vai explodir no Estado.

"O Pará é um paraíso perto de Rondônia. O barril de pólvora está armado", afirma, referindo-se ao choque entre sem-terra e supostos pistoleiros.

Ex-integrante do MCC, Jânio Batista, 42, o Camarão, afirmou que abandonou o grupo de Adelino Ramos por não concordar com a cobrança de "pedágio" pago por famílias acampadas à espera de um lote num futuro assentamento.

"Eu larguei o MCC por causa dessa coisa de gastar o dinheiro dos pobres. Ele [Adelino] fazia muita sacanagem com o dinheiro, pegava e gastava", afirma Batista.

Segundo ele, quando integrava o movimento, o preço para ter o nome numa lista de possíveis beneficiários dos programas do governo federal era R$ 40.

Especial
  • Leia o que já foi publicado sobre o MCC
  • Leia o que já foi publicado sobre o Incra
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