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18/04/2005
-
09h55
FÁBIO ZANINI
da Folha de S.Paulo, em Brasília
O governo tem promovido um "vale-tudo" na edição de medidas provisórias, freqüentemente misturando até três assuntos sem relação entre si na mesma MP.
De acordo com a oposição e com o entendimento de especialistas, a prática demonstra que há violação do quesito constitucional que estabelece que a medida provisória deve atender aos critérios de relevância e urgência.
Levantamento feito pela Folha nas últimas 26 MPs editadas mostra que, em nove delas (mais de um terço), houve a prática de "contrabandear" no texto um tema sem ligação com o objeto principal da medida provisória.
A manobra tem irritado deputados, da oposição e da base aliada, que vêem um abuso. Alguns chegam a falar em "deboche" por parte do governo.
Mistura
A análise de algumas medidas provisórias ilustra a mistura de assuntos. A MP 233, editada no último dia de 2004, é um caso.
Em 48 longos artigos, a medida trata da criação da Superintendência Nacional de Previdência Complementar, vinculada ao Ministério da Previdência.
Em seguida, abruptamente, muda de assunto: o artigo 49 cria cargos de assessoramento para os ministérios da Defesa, do Esporte, da Ciência e Tecnologia e para a Comissão Nacional de Energia Nuclear.
No artigo 50 da mesma medida provisória, novo tema --a mudança do nome do Instituto Nacional do Semi-Árido para homenagear o economista Celso Furtado, que morreu em novembro do ano passado.
Outro exemplo é o da medida provisória 229, que trata, ao mesmo tempo, da destinação de recursos obtidos com loterias para clubes de futebol, de regras para a concessão de bolsas a atletas amadores e da prorrogação da campanha nacional de desarmamento.
Ao debater a matéria, o senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) não se conteve: "Essa medida não pode ser votada. Aqui mistura-se futebol com desarmamento. Uma coisa não tem nada a ver com a outra", disse. "Só se for desarmamento de torcida organizada", ironizou o líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM).
Já a MP 227 é dedicada à criação do Programa de Biodiesel, mas inclui um "contrabando" no final: regras para a importação de equipamentos esportivos.
As medidas provisórias foram criadas pela Constituição de 1988 para dar ao governo a possibilidade implementar rapidamente matérias que não pudessem esperar pela tramitação no Congresso Nacional. Elas substituíam os decretos-lei, usados pelos governos durante o regime militar.
Desde a sua criação, no entanto, elas têm causado polêmica.
"A medida provisória foi criada para ser uma coisa excepcionalíssima, mas está banalizada. A prática de tratar assuntos diferentes na mesma MP é uma prova disso", afirma Flávia Piovesan, professora de direito constitucional da PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo.
Trancando a pauta
O governo Luiz Inácio Lula da Silva já emitiu 148 medidas provisórias, uma média de 5,38 por mês. O número é menor se comparado ao governo de Fernando Henrique Cardoso, que teve uma média mensal de 6,8, mas não é suficiente para segurar os ânimos dos parlamentares.
Um dos mais contrariados é o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), que não se conforma com o fato de MPs trancarem a pauta e impedirem a votação de projetos de deputados. Há no momento dez medidas esperando para ser votadas.
Uma comissão de deputados federais e senadores foi formada para estudar a mudança no rito de tramitação das MPs e deve divulgar seu relatório preliminar na próxima semana.
"É preciso haver um reequilíbrio dos Poderes. Existe uma hipertrofia do Executivo, que é um resquício do período da ditadura militar, o que se traduz, entre outras coisas, na edição desregrada de MPs", afirma Piovesan.
Os governistas, muitas vezes, reconhecem que é preciso mudar a situação, mas procuram justificar a prática de misturar temas.
"O fato é que o governo precisa da agilidade que só a MP proporciona. Mas estamos abertos ao debate sobre a mudança na interpretação do que é urgente e relevante", diz o líder do PT na Câmara, Paulo Rocha (PA).
A resposta não convence a oposição. "O governo agrega às MPs temas que não são relevantes. Praticamente todas incluem criação de cargos, por exemplo, o que não precisa ser feito dessa forma", diz o líder do PFL na Câmara, Rodrigo Maia (RJ).
Especial
Leia o que já foi publicado sobre medidas provisórias do governo
"Contrabando" aparece em um terço das MPs
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da Folha de S.Paulo, em Brasília
O governo tem promovido um "vale-tudo" na edição de medidas provisórias, freqüentemente misturando até três assuntos sem relação entre si na mesma MP.
De acordo com a oposição e com o entendimento de especialistas, a prática demonstra que há violação do quesito constitucional que estabelece que a medida provisória deve atender aos critérios de relevância e urgência.
Levantamento feito pela Folha nas últimas 26 MPs editadas mostra que, em nove delas (mais de um terço), houve a prática de "contrabandear" no texto um tema sem ligação com o objeto principal da medida provisória.
A manobra tem irritado deputados, da oposição e da base aliada, que vêem um abuso. Alguns chegam a falar em "deboche" por parte do governo.
Mistura
A análise de algumas medidas provisórias ilustra a mistura de assuntos. A MP 233, editada no último dia de 2004, é um caso.
Em 48 longos artigos, a medida trata da criação da Superintendência Nacional de Previdência Complementar, vinculada ao Ministério da Previdência.
Em seguida, abruptamente, muda de assunto: o artigo 49 cria cargos de assessoramento para os ministérios da Defesa, do Esporte, da Ciência e Tecnologia e para a Comissão Nacional de Energia Nuclear.
No artigo 50 da mesma medida provisória, novo tema --a mudança do nome do Instituto Nacional do Semi-Árido para homenagear o economista Celso Furtado, que morreu em novembro do ano passado.
Outro exemplo é o da medida provisória 229, que trata, ao mesmo tempo, da destinação de recursos obtidos com loterias para clubes de futebol, de regras para a concessão de bolsas a atletas amadores e da prorrogação da campanha nacional de desarmamento.
Ao debater a matéria, o senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) não se conteve: "Essa medida não pode ser votada. Aqui mistura-se futebol com desarmamento. Uma coisa não tem nada a ver com a outra", disse. "Só se for desarmamento de torcida organizada", ironizou o líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM).
Já a MP 227 é dedicada à criação do Programa de Biodiesel, mas inclui um "contrabando" no final: regras para a importação de equipamentos esportivos.
As medidas provisórias foram criadas pela Constituição de 1988 para dar ao governo a possibilidade implementar rapidamente matérias que não pudessem esperar pela tramitação no Congresso Nacional. Elas substituíam os decretos-lei, usados pelos governos durante o regime militar.
Desde a sua criação, no entanto, elas têm causado polêmica.
"A medida provisória foi criada para ser uma coisa excepcionalíssima, mas está banalizada. A prática de tratar assuntos diferentes na mesma MP é uma prova disso", afirma Flávia Piovesan, professora de direito constitucional da PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo.
Trancando a pauta
O governo Luiz Inácio Lula da Silva já emitiu 148 medidas provisórias, uma média de 5,38 por mês. O número é menor se comparado ao governo de Fernando Henrique Cardoso, que teve uma média mensal de 6,8, mas não é suficiente para segurar os ânimos dos parlamentares.
Um dos mais contrariados é o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), que não se conforma com o fato de MPs trancarem a pauta e impedirem a votação de projetos de deputados. Há no momento dez medidas esperando para ser votadas.
Uma comissão de deputados federais e senadores foi formada para estudar a mudança no rito de tramitação das MPs e deve divulgar seu relatório preliminar na próxima semana.
"É preciso haver um reequilíbrio dos Poderes. Existe uma hipertrofia do Executivo, que é um resquício do período da ditadura militar, o que se traduz, entre outras coisas, na edição desregrada de MPs", afirma Piovesan.
Os governistas, muitas vezes, reconhecem que é preciso mudar a situação, mas procuram justificar a prática de misturar temas.
"O fato é que o governo precisa da agilidade que só a MP proporciona. Mas estamos abertos ao debate sobre a mudança na interpretação do que é urgente e relevante", diz o líder do PT na Câmara, Paulo Rocha (PA).
A resposta não convence a oposição. "O governo agrega às MPs temas que não são relevantes. Praticamente todas incluem criação de cargos, por exemplo, o que não precisa ser feito dessa forma", diz o líder do PFL na Câmara, Rodrigo Maia (RJ).
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