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22/04/2005 - 09h11

Democracia senil trava país, diz Mangabeira

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RAFAEL CARIELLO
da Folha de S. Paulo, no Rio

O intelectual e professor da faculdade de direito da Universidade Harvard e colunista da Folha Roberto Mangabeira Unger, 57, diz que decidiu lançar sua candidatura à Presidência da República como alternativa ao que entende como falso amadurecimento da democracia brasileira, ou seja, a aproximação programática entre PT e PSDB.

"A democracia brasileira não se tornou mais madura: querem que ela se torne senil, que o país passe diretamente da infância à senilidade", afirma. A tal velhice se expressa na aceitação de "um rumo que não funciona". "Se não houver crise, continuaremos a viver a mediocridade aqui dentro. Se houver crise, ela repercutirá no Brasil em dobro".

Apesar de sua primeira aparição pública como candidato ter acontecido no programa de TV de um partido pequeno, o PHS (Partido Humanista da Solidariedade), na semana passada, ele diz que ainda não está filiado a nenhuma sigla e que, idealmente, concorreria pelo PDT.

Dono de um forte "sotaque estrangeiro", o professor de Harvard diz que não se candidataria se as circunstâncias "fossem normais". "Que um homem com sotaque estrangeiro esteja propondo o caminho da afirmação nacional é paradoxo em cima de paradoxo. Eu não escolhi esses paradoxos, foi a vida quem escolheu."

Folha - Por que o sr. resolveu ser pré-candidato à Presidência?
Roberto Mangabeira Unger - Estou convencido de que o país precisa de alternativa e quer alternativa, pela qual o eleitorado votou em 2002 e que não foi implementada. O país está num rumo que não funciona. Pelo rumo que os nossos governos recentes tomaram, se não houver crise, continuaremos a viver a mediocridade aqui dentro; se houver crise, ela repercutirá no Brasil em dobro.

O segundo sentido é que, mesmo que eu não acreditasse que o quadro sucessório está muito mais aberto do que parece, eu me sentiria na obrigação de fazer um gesto cívico. Ainda que esse gesto fosse condenado a ser apenas um símbolo de resistência e um chamamento à ação dirigido aos idealistas do Brasil.

Folha - Por que o quadro sucessório está mais aberto do que parece?
Unger - Embora o país pareça tristemente resignado ao projeto compartilhado pela coalizão do PT e do PSDB, ele não abandonou a busca de uma saída. Falta a apresentação de uma mensagem e mensageiros com credibilidade para encarnar uma alternativa. Numa só fórmula: o social como base do econômico. Vivemos anos em que nos conformamos com o modelo econômico que nos era recomendado ou imposto como o caminho necessário e com a idéia de que o social seria uma maneira de atenuar as crueldades do econômico. Fica cada vez mais claro que não é assim.

Folha - A avaliação do presidente Lula continua muito boa, e suas chances de reeleição são grandes.
Unger - O fator fundamental é a ausência de alternativa. O país só pode escolher entre as alternativas apresentadas. O que é apresentado como opção são os que governam agora ou os que governavam antes. A disputa se reduziu a um contraste de competências relativas. Diante disso, é natural que o presidente desfrute de uma grande vantagem. Ele é um homem com quem a maioria da população pode se identificar.

Folha - Por que o PHS?
Unger - Não estou filiado ao PHS nem a partido algum. Cheguei à conclusão de que tinha de atuar por minha própria conta. Nos meses que antecederam a morte de Leonel Brizola, ele discutia a hipótese de eu me refiliar ao que foi historicamente o meu partido, o PDT, e ser proposto como pré-candidato à Presidência. Esse caminho, pelo menos a curto prazo, tornou-se inviável, porque há vários pretendentes legítimos no PDT. Quando surgiram notícias nos jornais a respeito dessa minha intenção, fui procurado por esse pequeno partido, que me ofereceu apoio e tempo na televisão. Não me fez nenhuma exigência.

Folha - Para onde o sr. vai? Tem conversado com alguém?
Unger - Continuo conversando com lideranças partidárias. Em tese, poderia me filiar a um desses pequenos partidos.

Folha - Com quem o sr. tem conversado?
Unger - Com líderes de muitos partidos. Prefiro não especificar. Não sobre minha filiação, mas sobre o país e o quadro sucessório.

Folha - Opções construídas em torno do nome de uma pessoa que está fora do status quo partidário são vistas com desconfiança, e as experiências históricas desse tipo são controversas.
Unger - Mas qual é a solução que temos, na prática? Num sistema como o nosso, em que os partidos são, infelizmente, frágeis, em que a população desconfia de partidos e de políticos, qualquer alternativa tem de ser, ao mesmo tempo, programática e pessoal. Esse é o único caminho real. O que pode manter a integridade na direção é que não se reduza a um personalismo, mas que seja guiado por um movimento real na sociedade.

Folha - Muita gente vê a aproximação programática entre PT e PSDB como um sinal de maturidade da democracia brasileira.
Unger - Esse pensamento é falso e ruinoso para o país. A democracia brasileira não se tornou mais madura: querem que ela se torne senil. Que o país passe diretamente da infância à senilidade.

Folha - Qual é a alternativa?
Unger - Democratizar o mercado e aprofundar a democracia. Dentro desse marco amplo, temos uma tarefa muito específica no Brasil: fazer prevalecerem os interesses do trabalho e da produção; capacitar os brasileiros; criar uma vida pública idônea, que não seja dominada pelo dinheiro e pelos acumpliciamentos mafiosos.
A curto prazo, a primeira coisa é forçar o juro para baixo, para que o custo do dinheiro fique abaixo da taxa de lucro das empresas. Não adianta prometer emprego, mas tem de ter um governo que privilegie os interesses da produção e do trabalho. Para isso, é preciso persistir no sacrifício fiscal e usá-lo como poder de barganha do Estado e renegociar a dívida interna do país.
Temos entre metade e dois terços da população economicamente ativa no purgatório da informalidade. A maneira mais rápida e eficaz de resgatá-los da informalidade é abolir todos os encargos e tributos que recaem sobre a folha de salários e passar a financiar os direitos na base dos impostos gerais.
A segunda diretriz: o ensino. É preciso instituir um sistema de monitoramento e avaliação constante; definir mínimos de desempenho de cada escola e de investimento por cada aluno; organizar um sistema de coordenação entre os três níveis da federação para intervir corretivamente e redistribuir recursos e quadros quando os mínimos não forem atendidos.
A terceira diretriz relaciona-se ao fato de termos uma política envenenada pelo negocismo. Antes de mudar o sistema de funcionamento eleitoral, há uma medida muito simples, que não exige mudar lei nenhuma. Governante, no ponto em que chegamos, não pode conversar no escuro com grande empresário. Temos que criminalizar de fato qualquer prática de trocas de influências e favores entre os endinheirados e os poderosos. A solução simples e radical é acender as luzes.

Folha - O sr. acha que suas características pessoais, o sotaque sobretudo, podem atrapalhar a empatia com o eleitor?
Unger - Que um homem com sotaque estrangeiro esteja propondo o caminho da afirmação nacional é paradoxo em cima de paradoxo. Eu não escolhi esses paradoxos, foi a vida quem escolheu. Por outro lado, sinto que os brasileiros são magnânimos e que seria difícil encontrar no mundo um eleitorado menos preconceituoso do que o nosso. Depois do primeiro choque de estranhezas, o país vai passar para o conteúdo.

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