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12/05/2005 - 09h26

Cúpula acaba com perdas e ganhos políticos

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IGOR GIELOW
Secretário de Redação da Sucursal de Brasília da Folha de S.Paulo

A Cúpula América do Sul-Países Árabes foi o que pode ser classificado de um fracasso relativo, que teve como maior mérito deixar claras as limitações, as virtudes e os perigos da retórica triunfalista do Itamaraty sob a gestão de Luiz Inácio Lula da Silva.

Logicamente, como diz o chanceler brasileiro Celso Amorim, "cada um interprete como quiser", e será possível enxergar grandes feitos e tremendos fracassos no encontro. Do ponto de vista político, houve perdas e ganhos, com vantagem para as primeiras. Já do lado econômico, o resultado foi equilibrado.

Analisando a cúpula politicamente, é argumentável que ela foi um sucesso em si pelo pioneirismo. Não se pode aí criticar o Itamaraty por incoerência: a busca de estreitamento de laços com lugares como o mundo árabe é pedra de toque da política externa de Lula desde que assumiu.

Mas a foto em que o Brasil aparece bem começa a empalidecer quando se fazem as ressalvas necessárias. O baixo comparecimento de líderes árabes relevantes, o aparente surto de estrelismo de Néstor Kirchner e as cobranças públicas de Hugo Chávez por mais politização não ajudaram a dar contornos de uma iniciativa com aprovação unânime.

E há o documento final da cúpula, que é um pequeno petardo contra o unilateralismo americano da era Bush. O texto, diferentemente da fala de Amorim na qual ele desqualificou questionamentos sobre seu conteúdo, é ponderado em quase sua totalidade.

Não faz apologia ao terrorismo. Sua defesa do direito de defesa de populações sob ocupação (no contexto, palestinos e iraquianos) é condizente com a posição brasileira. Enxergá-la só como afronta aos EUA e Israel é algo raso.

Mais discutível, para o Brasil, é aceitar a inclusão de uma crítica direta aos EUA, no caso das sanções à Síria, independentemente aqui do mérito da ação de Washington. Mais uma vez, o Itamaraty parece mover-se por desejo de parecer independente --"altivo"--, como gosta de definir Lula. O ganho político é próximo de zero.

Há a questão da omissão à defesa da democracia. Engana-se quem pensa que houve um acalorado debate sobre a inclusão do termo. Neste tipo de reunião, essa discussão já chega pronta. E não há aceitação ampla, entre os países árabes, sobre o modelo ocidental de democracia representativa. Sem isso, não há consenso. Sem acordo, omite-se.

O que ficou estranho foi Lula aparecer no último dia falando sobre democracia, como que para aparar o inevitável estrago à imagem do governo pela co-assinatura do documento que não a cita. Talvez fosse melhor aceitar o fato de que, como dizia o ditador soviético Stálin, "diplomacia sincera é tão possível quanto água seca".

Resultados econômicos

A colheita de resultados pode ser um pouco mais otimista, contudo, analisando alguns resultados econômicos desses dias. Não muito mais, já que o principal acordo assinado não o foi sob o guarda-chuva do encontro, e sim num encontro trilateral.

Trata-se do acerto que criou a Petrosul, uma associação entre as petrolíferas do Brasil, Venezuela e Argentina para projetos em comum. Como disse a ministra Dilma Rousseff (Minas e Energia), não se trata de uma união como sonharia o próprio Chávez, mas sim da abertura de possibilidades amplas de novos negócios --o que não é pouco, visto que a Venezuela nada em petróleo.

Já a assinatura do acordo-quadro entre os países do Golfo Pérsico e o Mercosul é pouco mais que uma carta de intenções. Toda retórica de que um dia haverá um mercado comum entre os dois blocos é apenas isso, retórica.

O fórum empresarial paralelo não trouxe grandes novidades, até porque teve um comparecimento inferior à metade dos inscritos. A projeção feita pelo ministro Luiz Fernando Furlan (Desenvolvimento) de o país vender US$ 15 bilhões anuais daqui a três anos para a região não é animadora --uma parcela ínfima do total de exportações brasileiras.

Por fim, houve o tom dado pelo Itamaraty. O triunfalismo, que Lula chama de "pensamento positivo" ou algo assim, dominou. A frase de Amorim, citada acima, trai uma dificuldade de lidar com o questionamento que beira a arrogância --já tradicional quando ele lança o epíteto de "mente colonizada" sobre quem não concorda com suas políticas.

Nesse contexto, foi irônico ver Lula ter de defender a inclusão na declaração final do apoio ao Uruguai na disputa pela Organização Mundial do Comércio, após a campanha agressiva promovida por Amorim para ter a vaga.

A cúpula não foi nem um sucesso absoluto, nem um desastre completo. Para ficar nas metáforas futebolísticas caras ao pensamento lulista, foi um empate em casa, com alguns lances duvidosos, mas no qual as contusões, expulsões, cartões e xingamentos ao juiz deixaram dúvidas para o resto do campeonato.

Especial
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