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28/03/2006 - 19h37

Confira a íntegra do discurso de Lula na posse de Mantega

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da Folha Online

Confira abaixo a íntegra do discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva feito hoje durante a posse do ministro da Fazenda, Guido Mantega:

"Meu querido companheiro José Alencar, vice-presidente da República e ministro da Defesa,
Meu caro Guido Mantega, agora empossado ministro da Fazenda,
Meu eterno companheiro Palocci,
Meu caro senador Renan Calheiros, presidente do Senado Federal,
Meu caro Aldo Rebelo, presidente da Câmara dos Deputados,
Ministros de Estado aqui presentes,
Deputados,
Senadores,
Familiares do Palocci, de Ribeirão Preto,
Jornalistas,
Empresários,
Meus amigos e minhas amigas,

Não é de praxe um presidente da República falar cada vez que sai e entra um ministro, porque se assim for, no dia 31 eu terei que fazer dez discursos aqui, pelo que eu conheço de gente que quer ser candidato a deputado, senador ou governador.

Mas este, para mim, é um momento especial. Eu estava vendo agora a tensão que sempre acontece num ato como este, e eu estava lembrando a tensão da véspera da eleição de 2002, a tensão depois da vitória de 2002 e a tensão para montar o governo, que não foram momentos de facilidade. Foram momentos de muita dificuldade, em que alguns companheiros aqui presentes ajudaram muito para que nós conseguíssemos construir a equipe que governou praticamente todo esse período junta.

E foi uma coisa muito estranha, para muita gente o fato de eu ter trazido o Palocci para ministro da Fazenda. E muita gente me perguntava: "mas puxa vida, um médico de Ribeirão Preto, um prefeito para ser ministro da Fazenda?" Eu posso dizer que até o próprio Palocci estranhou quando eu o convidei. Só não estranhou o Aloizio Mercadante que, durante todo o período, era o ministro da Fazenda, e depois agraciado, com 10 milhões de votos, disse: "eu não quero mais ser ministro da Fazenda, eu quero ser senador da República."

E o Palocci, eu tenho certeza, para muitos empresários, para muitos deputados, para muitos senadores, para muitos economistas, o Palocci estava fadado ao fracasso. Não era da área, nunca tinha escrito um artigo sobre economia, não participava dos debates sobre economia, quando muito participava das equipes de saúde de Ribeirão Preto, para criar o SUS, ou seja, era um homem que não tinha a tradição na área da economia.

O que aconteceu, de fato? O que aconteceu é que o Palocci, junto com outros companheiros, foram os autores da engenharia da Carta ao Povo brasileiro. A carta que possibilitou nós ultrapassarmos a barreira dos 30, ou seja, eu dizia para todo mundo que eu não tinha mais interesse em ser candidato, porque 30%, eu não precisava de ninguém, ou seja, eu já tinha 30%, eu precisava era chegar a 50%. E trabalhamos para chegar a esses 50%. E a Carta ao Povo brasileiro, sem dúvida nenhuma, foi o marco na campanha de 2002. A sensação antes dela e depois dela foi a sensação de um divisor de águas que permitiu à gente apontar para outros segmentos da sociedade brasileira e para outros segmentos no mundo dos negócios, de que nós estávamos dispostos a fazer o que tinha que ser feito para que o Brasil não caísse definitivamente no abismo.

O que aconteceu é que aqueles que não tinham esperança de que as coisas pudessem dar certo num primeiro momento ficaram surpresos. Primeiro, com a solidez do nosso comportamento, não houve, em nenhum momento, da parte do companheiro Palocci, qualquer vacilação em tomar qualquer medida, por mais dura que ela fosse.

E isso permitiu, num curto espaço de tempo, ao Palocci conquistar a confiança internacional, ganhar a confiança interna. Num primeiro momento, muita gente do nosso próprio partido fez muitas críticas à política econômica, muita gente que hoje critica, defendendo o Palocci.

Hoje, aqueles que criticavam no partido defendem o Palocci, aqueles de fora que elogiavam, criticam o Palocci. Ou seja, o dado concreto é que o Palocci conseguiu, com o seu jeito de ser, com o seu jeito de falar, com o seu jeito de agir, angariar, certamente, alguns adversários, mas, eu não tenho dúvida, que por onde andamos neste mundo afora, e quem já conversou com Palocci sabe perfeitamente bem que nós estávamos diante não de um ministro da Fazenda, não apenas de um economista, mas de um homem em que o seu grande conhecimento econômico era a fineza política que dava aos debates econômicos.

Eu penso que nunca - poderia aqui evocar o nosso companheiro Armando Monteiro, presidente da CNI, não sei se tem prefeitos aqui -, mas eu nunca vi alguém discutir a economia com a fineza política, eu nunca vi alguém dizer não e as pessoas saírem tão satisfeitas como quando se reuniam com o Palocci, às vezes mais satisfeitas do que com um sim meu ou um sim de outra pessoa qualquer. Essa arte a gente não aprende na universidade, essa arte a gente não aprende no Ministério da Fazenda, essa arte se aprende praticando essa arte, que foi o que Palocci fez a vida inteira. De menino Trotskista, a vereador, a deputado estadual, a deputado federal, a prefeito, a prefeito outra vez e a ministro da Fazenda.

Eu acho, meu querido companheiro Palocci, que a vida nossa é marcada por momentos extraordinários, de acúmulo de prazeres e alegria, e a vida nossa é marcada por dissabores, por acusações, às vezes por leviandades, às vezes acusações que nós temos que humildemente provar que não são verdadeiras, mas eu penso que tudo isto, Palocci, significa para um jovem como você, apenas mais uma lição, mais um aprendizado, que certamente encaixou na sua consciência e, mais do que qualquer um de nós, você sabe quais os passos que você dará daqui para frente.

Eu ontem ouvi os discursos de alguns senadores, de alguns deputados, e me surpreendi quando um senador, até então muito crítico seu dizia: "o Palocci é o maior ministro da Fazenda da história do Brasil". É o caso de perguntar: nem tanto! Mas, de qualquer forma, para quem é achincalhado num dia, no outro dia receber um elogio dessa envergadura, termina sendo gratificante. Eu queria te dizer, Palocci, que possivelmente você não tenha sido o melhor ministro do Brasil, não sei quem o foi, eu não sei se o Brasil teve o melhor ministro da Fazenda, eu não sei. Normalmente quando as pessoas morrem ficam melhor do que quando estão vivas, é assim no mundo. Mas eu vou te dizer uma coisa, de sentimento de presidente da República, de brasileiro, de cidadão comum: eu penso que você, mais do que milhões e milhões de pessoas, tem motivo para se orgulhar, porque se hoje nós estamos vivendo uma situação na área econômica que estamos vivendo, se hoje nós somos reconhecidos no mundo como somos reconhecidos - e quem viaja sabe do que eu estou falando - se hoje nós conquistamos a confiança na área econômica e podemos mostrar à sociedade brasileira uma política econômica com dados muito sólidos, se hoje nós podemos dizer que poucas vezes se criou uma quantidade de empregos como nós criamos nesses últimos anos, não existe um único mês negativo no nosso governo, um único mês, todos os meses são empregos positivos, se pudemos melhorar substancialmente a recuperação do salário mínimo, se hoje o trabalhador consegue comprar praticamente o dobro do que ele comprava antes com o mesmo salário, se pudemos criar o Bolsa Família, se pudemos melhorar na área da educação, e na área da saúde - obviamente que você não era o Ministro de tudo - mas, certamente, todos nós aqui, os mais críticos, os menos críticos, os apoiadores, todos nós sabemos que um pouco disso nós e o Brasil devemos a você, pela serenidade com que você conduziu o teu período no Ministério da Fazenda, a equipe que você montou.

E você sabia que não era uma coisa fácil, você sabia pelos jornais, sabia nas reuniões, o quanto de divergência... Eu penso que foi assim também na história do Brasil. Não é um mérito nosso ter, dentro do governo, o desenvolvimentista, o economista, aquele que pensa, o monetarista, ou seja, a história do Brasil é assim. O que é importante é que de todas as discussões que houve, nós conseguimos construir esse momento para dizer exatamente no momento da tua saída que nós, certamente, entregaremos ao povo brasileiro um Brasil infinitamente melhor que aquele que nós recebemos, infinitamente melhor.

Quero dizer ao companheiro Guido Mantega, companheiro que já esteve junto contigo no Conselho Monetário Nacional, como ministro do Planejamento, companheiro que trabalha comigo há mais de 20 e poucos anos, companheiro que era presidente do BNDES e que assume agora o Ministério da Fazenda. Dizer para ele, Palocci, o mesmo que eu disse para você no começo: não existe mágica em economia. A economia não depende da vontade apenas de uma pessoa, depende de um conjunto de acertos que a pessoa fizer e de um conjunto de pessoas que estiverem convencidas daqueles acertos.

Portanto, meu querido companheiro Guido, se você continuar fazendo o que precisa ser feito, mostrar seriedade, fazer acontecer a política de desenvolvimento que todos nós queremos que aconteça, sem oferecer para a sociedade nenhum milagre, mas oferecendo apenas a oportunidade de mais empenho, de mais sacrifício, de mais trabalho, porque termina sendo o trabalho que pode resultar na economia com crescimento acima do que nós crescemos até agora, ao longo de tantos e tantos anos. E eu não tenho dúvida nenhuma de que você está, não só qualificado para fazer o que o Palocci fez, como está qualificado, com o aprendizado que todos nós tivemos com o Palocci, de fazer mais e melhor, como disse o companheiro Palocci.

Da minha parte, Guido, eu sou o companheiro de todas as horas, ou seja, quando tiver bons ventos, bons momentos. Eu dizia sempre para o Palocci: quando a coisa estiver boa, não precisa me procurar, aliás, ninguém procura quando as coisas estão boas. O gabinete do Presidente só é visitado quando tem alguma encalacrada, ou seja, a notícia boa a pessoa anuncia pelo próprio Ministério, a notícia ruim, com exceção do Furlan, que toda vez que aumenta a balança comercial, vai lá me dizer: "olha, exportamos um bilhão a mais, 500 milhões a mais".

Mas é verdade. Eu quero te dizer, Guido, na hora em que as coisas estiverem indo bem, você não precisa nem pedir audiência comigo. Na hora em que precisar tomar alguma atitude que implique enfrentamentos políticos, que implique posições que possam parecer duras para alguns, você não tenha dúvida que tomaremos a posição, sem vacilação, porque o legado que todos nós precisamos deixar para a futura geração é a seriedade com que a gente trata a coisa pública neste país.

Não foi nem uma, nem duas, nem três vezes que, neste país, se apresentou à sociedade um modelo econômico que ia salvar o Brasil. Ele durou, às vezes três meses, às vezes um ano, às vezes dois anos, e nós queremos garantir ao povo brasileiro um ciclo, quem sabe uma década, quem sabe duas décadas, quem sabe três décadas de crescimento virtuoso, para que a gente possa recuperar, em alguns anos, a dívida social que foi acumulada durante séculos e séculos neste país.

Portanto, meu querido Guido, boa sorte e, a partir de hoje, quem quiser falar mal da economia, por favor não fale mais mal do Palocci, fale mal do Guido Mantega.

É importante lembrar que também nós fizemos mudança na Caixa Economia Federal. A Maria Fernanda vai assumir a Caixa Econômica, a partir do momento em que o Conselho da Caixa decidir. Já indicamos o nosso presidente do BNDES, que é o Demian Fiocca, que está aqui presente, e em algum momento o Guido vai dar posse para ele.

E no mais Palocci, terminar dizendo o seguinte: meu caro eu não confundo a minha relação política com a minha relação de amizade pessoal. Eu acho que a única coisa que um ser humano leva depois da sua passagem pela terra é a sua relação de amizade, é quantos companheiros nós criamos na vida. Tem muita gente que tem muito amigo para isso, muito amigo para aquilo, mas eu quero ver quem consegue colocar nos dedos da mão, 10 verdadeiros companheiros. Eu quero saber quem consegue falar - eu só tenho nove, a minha está com a valorização do dedo aqui. Mas eu gostaria de saber porque a gente pensa que tem muito companheiro, a gente pensa que tem muita amizade, mas na hora em que a gente encosta a cabeça no travesseiro, tenta colocar no dedo da mão quem é companheiro de verdade.

Eu posso terminar dizendo, Palocci, uma coisa que eu já falei a vida inteira e vou dizer para você: todo mundo tem família, em toda família tem briga, Eu digo sempre o seguinte: nem todo irmão da gente é um grande companheiro, até porque você não escolhe irmão, mas companheiro você escolhe. E eu posso te dizer, Palocci, que se é verdade que nem todo irmão é um grande companheiro, é verdade que um bom companheiro é um grande irmão. É por isso que posso te dizer, Palocci, independente deste momento que estamos vivendo agora, eu posso lhe dizer: a nossa relação é de companheiro, possivelmente mais do que a relação de irmão.
Muito obrigado, querido."

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