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13/08/2006 - 00h40

O empreendedor que apostou no pluralismo e criou a Folha moderna

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FREDERICO VASCONCELOS
da Folha de S.Paulo

"A TRAJETÓRIA DE OCTAVIO FRIAS DE OLIVEIRA", livro do jornalista Engel Paschoal, traça um perfil biográfico do publisher da Folha e ajuda a entender por que "o velho sábio que habita o jornal", no dizer do colunista Clóvis Rossi, costuma afirmar que já viveu o suficiente para ver tudo acontecer --e também seu contrário.

A obra expõe os êxitos e os reveses do empreendedor que completou 94 anos no dia 5 deste mês. O livro traz revelações inéditas sobre o período da ditadura militar, quando, por exemplo, ameaçado de morte por organizações de esquerda, o empresário, literalmente, teve que habitar o prédio do jornal, com a família, sob proteção da polícia.

Paschoal diz que não houve restrições para escrever o livro: "A família Frias abriu absolutamente todas as informações e não criou nenhum empecilho. Não mudaram uma vírgula".

Visto como um "outsider" nos negócios das comunicações nos anos 60, quando adquiriu a Folha, então um veículo sem maior expressão, Frias transformou-o no jornal mais influente e de maior circulação no país.

"À semelhança de Roberto Marinho e Victor Civita, meu pai ajudou a trazer uma mentalidade de empresa ao ambiente senhorial, pré-capitalista, da imprensa da época", diz Otavio Frias Filho.

Paschoal entrevistou o publisher da Folha, valeu-se de depoimentos anteriores e colheu opiniões de parentes, amigos e colaboradores do jornal. Editado pela Mega Brasil Comunicação, o livro teve apoio da Telefônica.

Primeiros passos

Frias nasceu em Copacabana, no Rio de Janeiro, em 5 de agosto de 1912, oitavo filho de Luiz Torres de Oliveira e Elvira Frias de Oliveira. Sua família descende dos barões de Itaboraí e Itambi, mas ele teve uma infância marcada por grandes dificuldades. Seu pai era juiz de direito, licenciou-se da magistratura para trabalhar em São Paulo com Jorge Street, tio de Elvira, um pioneiro do setor têxtil.

Aos domingos, a família Oliveira visitava a família Street, no bairro dos Campos Elíseos. "Aquilo me marcou muito. A gente via os três carros na garagem do tio Street e ia para casa de bonde", diz Frias.

Antes de completar oito anos de idade, Frias perdeu a mãe. Em seguida, a família foi abalada com a quebra da indústria de Street. Frias estudou no Colégio São Luís, na avenida Paulista, freqüentado pela elite paulistana. Mas sofria com as dificuldades financeiras do pai, os pagamentos atrasados do colégio, o sapato furado, que usava com jornal para tapar o buraco.

Aos 14 anos, sem passar nos exames, resolveu trabalhar. Abandonou o sonho de ser advogado. Com os sapatos do irmão, foi pedir emprego a um tio na Companhia de Gás de São Paulo. Admitido como office-boy, passou a ajudar nas despesas da casa.

A rapidez na operação de uma máquina de calcular Elliot Fischer trouxe-lhe a promoção a mecanógrafo. O representante da Elliot Fischer convidou-o para uma demonstração na Recebedoria de Rendas, que adquiriu as máquinas em concorrência e contratou o operador.

Frias virou funcionário público, recebendo 600 mil réis por mês. Para aumentar a renda, vendia rádios à noite. Adotou uma estratégia de vendas que bem poderia ter sido usada décadas depois por um Akio Morita, da Sony: "Eu batia na casa e oferecia um rádio, deixava o aparelho lá de experiência e dias depois voltava".

Banqueiro e pobre

Causaria nova surpresa, 15 anos depois, ao deixar o serviço público para criar o Banco Nacional Imobiliário (BNI) com Octavio Orozimbo Roxo Loureiro, "um homem extremamente controvertido e discutido, inteligente, com boa cultura, mas pobre". "Entrei com a cara e a coragem", diz Frias. Foi sua a idéia do condomínio a preço de custo. Foram construídos mais de dez prédios nesse sistema. O mais famoso é o Copan, de meados dos anos 50. Frias trouxe para São Paulo o arquiteto Oscar Niemeyer, que projetou o edifício.

O BNI inovou ao criar o "canguru-mirim", campanha de estímulo à poupança infantil. Chegou a vender prédios para José Nabantino Ramos, então controlador da Folha. Nabantino pediu ajuda a Frias para capitalizar a empresa com a emissão de ações. Como Loureiro não se interessou, Frias abriu a Transaco --Transações Comerciais Ltda., uma das primeiras firmas a vender títulos.

O BNI enfrentou problemas. Houve negócios mal conduzidos pelo sócio. Frias decidiu sair. Mas, a pedido de Loureiro, não retirou o seu nome da diretoria para evitar uma corrida ao banco. O BNI ficou sem liquidez. Para evitar a intervenção, Frias tentou vender o banco a Amador Aguiar, mas Loureiro não concordou. "Fiquei com meus bens bloqueados", diz. Anos depois, Aguiar admitiria que o único erro na vida foi não ter se unido a Frias.

No dia seguinte ao rompimento com Loureiro, Frias caiu do cavalo e quase teve uma fratura de espinha. Ficou seis meses engessado. Semanas depois, o automóvel que dirigia entrou na traseira de um caminhão parado, sem sinalização, na Dutra. Morreram Zuleika Lara de Oliveira, a primeira mulher, e um irmão dele, José.

Frias lembra-se de quando caminhava, com as mãos no bolso, pensando: "Estou sem dinheiro, sem mulher, sem nada, partindo da estaca zero". Ninguém lhe ofereceu emprego. Foi trabalhar na Transaco, vender assinaturas da Folha. Em dois meses, já estava vendendo 6.000 assinaturas permanentes por mês, ganhando 30% de comissão. Na Transaco, Frias conheceu Dagmar de Arruda Camargo, a mãe de Maria Helena, que é médica, de Otavio, diretor de Redação, de Maria Cristina, que escreve sobre economia no jornal, e de Luís, presidente do Grupo Folha.

Os negócios da Transaco iam muito bem quando Frias recebeu convite de Gastão Vidigal, dono do Banco Mercantil de São Paulo, para assumir uma diretoria. Ele dizia que Frias precisava de status, para eliminar a mancha do banco quebrado. Ninguém dizia um "não" a Vidigal, mas Frias recusou.

Seu filho Luís comenta, no livro, a determinação do pai: "Tem uma paciência notável, e isso até se mistura com essa determinação, essa obstinação, essa coisa de insistir, insistir. E sempre teve uma grande devoção ao trabalho".

Compra do jornal

Frias e o sócio Carlos Caldeira deram o sinal numa sexta-feira, 13 de agosto de 1962. O resto foi pago em 24 prestações. "Esse cheque você só pode depositar na segunda-feira, porque não tem fundos hoje", Frias disse a José Nabantino Ramos. "Na primeira semana, eu só queria saber para quem eu ia empurrar a Folha. Porque me arrependi, e como". Havia um passivo grande.

"Fiquei presidente porque eu era o homem encarregado de levantar o dinheiro e porque o Caldeira não queria aparecer", diz Frias. "Todo santo dia eu estava lá pedindo ou reformando empréstimos com os bancos". Os dois reinvestiam na empresa: "Nunca tiramos um tostão e por isso conseguimos fortalecer muito o jornal". No livro, sua filha Maria Cristina diz que "o dinheiro para ele nunca representou luxo nem coisas supérfluas. Ele tem uma vida muito espartana".

Frias e Caldeira entenderam que deviam ter outros jornais para baratear a distribuição. Compraram "Última Hora", de São Paulo, e "Notícias Populares". A idéia era ocupar nichos em que a Folha não atuava.

Em julho de 1967, a Folha deu início à revolução tecnológica e à modernização: "Cidade de Santos" foi o primeiro jornal em off-set, um presente de Frias para Caldeira, que fazia aniversário naquele mês e era natural de Santos. A Folha começaria a ser rodada em off-set em 1968. Foi o primeiro jornal a usar o sistema eletrônico de fotocomposição. Frias acompanhava pessoalmente a compra do maquinário.

O engenheiro Pedro Pinciroli, que foi vice-presidente do grupo Folha, diz que, por recomendação de Frias, não se recorria a bancos nem na compra de papel-jornal. "Essa posição econômico-financeira sólida permitiu um jornalismo independente", diz Pinciroli.

Da ditadura às "Diretas"

"Como toda a imprensa, o grupo Folha apoiou o movimento militar no início", registra Paschoal. O jornal foi alvo de atentados da guerrilha porque, em alguns casos, caminhões da Folha foram usados por equipes do DOI-Codi para operações de repressão à oposição armada.

"Tenho a convicção de que isso foi feito à revelia do meu pai e até do Caldeira", Otavio Frias Filho disse a Paschoal. Caldeira tinha amizade antiga com o coronel Erasmo Dias, à época secretário da Segurança Pública, pois ambos eram de Santos.

"Queimaram três caminhões da Folha, ameaçaram de morte o meu pai. Minha família morou no prédio da Folha, da morte do Lamarca, em setembro de 1971, até fevereiro de 1972", disse Frias Filho.

Só depois de dez anos da compra, quando a situação financeira do jornal estava consolidada, o publisher da Folha voltou-se para a Redação, com a preocupação de fazer um jornal independente e que alcançasse "O Estado de S. Paulo".

Num jantar, em 1964, Júlio de Mesquita Filho, de "O Estado", passou ao marechal Castello Branco um bilhete, num guardanapo, sugerindo investigar o crescimento da Folha. Um procurador federal foi nomeado para apurar a origem dos recursos do jornal. Concluiu que era legal.

O guardanapo foi mostrado a Frias pelo general Golbery do Couto e Silva. Dez anos depois, Golbery lhe expôs o plano de distensão lenta, gradual e segura do regime militar imaginado por Geisel. Interessava ao governo a existência de um outro jornal paulista de prestígio, além de "O Estado". Golbery não ofereceu ajuda à Folha, como anúncios de empresas estatais ou linhas de crédito.

Em 1965, Frias contratou o jornalista Cláudio Abramo para chefiar a reportagem. Estava entusiasmado, porque ele havia sido diretor de Redação de "O Estado de S. Paulo". Como houve resistência dos editores, Abramo trabalhou um período na Transaco, fazendo a crítica diária do jornal. Foi o primeiro "ombudsman" da Folha.

Foi idéia de Frias a seção de artigos na página 3, com opiniões a favor e contra o regime militar. A página foi desenhada por Abramo, que congregou uma grande equipe de colaboradores. A seção começou em junho de 1975 e abrigou textos de intelectuais e políticos perseguidos pelo regime militar.

Em agosto de 1977, relatório do Serviço Nacional de Informações dizia que a Folha tinha "o esquema de infiltração mais bem montado da chamada grande imprensa", para "isolar o governo da opinião pública".

Em 1º de setembro, o colunista Lourenço Diaféria publicou o texto "Herói. Morto. Nós", sobre bombeiro que salvara a vida de um garoto num poço de ariranhas no zoológico de Brasília e o comparava ao duque de Caxias. E falava da estátua de Caxias, em São Paulo: "O povo está cansado de estátuas e de cavalos. O povo urina nos heróis de pedestal".

Segundo Frias, "o Diaféria escreveu essa crônica que não tinha mal nenhum e daí foi preso saindo da casa dele. Nós ficamos muito irritados e resolvemos manter a coluna em branco, enquanto o Diaféria não fosse solto". O general Hugo Abreu, chefe da Casa Militar, telefonou para Frias. "Se amanhã sair a coluna em branco no jornal novamente, o seu jornal será fechado. E o senhor também será enquadrado na Lei de Segurança Nacional".

"Decidimos não publicar mais a coluna em branco. Nos reunimos e achamos que não adiantava bancar o herói, que era melhor que o Cláudio se afastasse da Direção de Redação do jornal". O jornalista Boris Casoy foi convidado para substituir Abramo. Alberto Dines deixou de assinar a coluna do Rio. O nome de Frias como diretor-presidente foi retirado da primeira página. Ele e Caldeira se afastaram oficialmente da direção da empresa.

No livro, Fernando Henrique Cardoso afirma que "o afastamento do Cláudio era uma manobra tática do Frias". Ele diz que Frias "recolheu algumas velas, mas não mudou o rumo". No início dos anos 80, o jornal liderou a campanha das "Diretas-Já" e consolidou sua presença no mercado.

Por orientação de Frias, o jornal introduziu novos sistemas de produção, o planejamento com metas determinadas, treinamento, controles de custos e avaliação do desempenho da Redação. Entusiasta da pesquisa de opinião, ele criou o Datafolha. O jornal inaugurou um moderno parque gráfico e manteve suas principais características: o pluralismo e o apartidarismo.

"Frias acha que realizou todos os sonhos que tinha com relação ao Grupo Folha e está com a missão praticamente cumprida", conclui Paschoal.

"Não me arrependo de nenhuma decisão que eu tomei. Faria tudo igualzinho", diz o publisher da Folha.

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