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28/08/2006 - 10h14

CPIs distorcem o papel do Congresso, avalia brasilianista

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VINÍCIUS QUEIROZ GALVÃO
da Folha de S.Paulo, em Nova York

Para o economista e especialista em estudos brasileiros Albert Fishlow, da Universidade de Columbia, em Nova York, CPIs "são um passo para trás". "Não resolvem nada, distorcem o papel principal do Congresso, que é legislativo", analisa. Ele vê na dissociação da imagem do presidente Lula do PT e dos escândalos de corrupção a explicação para eventual vitória no primeiro turno da eleição de 1º de outubro.

De passagem pelo Brasil em setembro para conferências e para acompanhar as eleições, Fishlow diz que Lula precisa mostrar um projeto de governo ao segundo mandato e que o presidente não fez as reformas nem alterou as estruturas necessárias. O professor afirma não haver "nada positivo saindo" e critica a proposta de Lula de criar uma Assembléia Constituinte para reforma política. "Não vai dar resultado".

Defensor de um "Plano Real para a política", ele propõe a criação de sistema fechado para eleição de deputados. "É preciso criar maioria sem nomeações de gabinete, sem dar ministérios em troca de votos." Brasilianista e ex-subsecretário de Estado para Assuntos Interamericanos dos EUA, ele falou à Folha sobre o cenário eleitoral e as denúncias de corrupção no país.

FOLHA- O que mudou no Brasil desde o cenário eleitoral de 2002?
ALBERT FISHLOW -
Em 2002, havia taxas de juros muito altas, um período de crescimento limitado, a crise energética. Além disso havia uma série de crises, a da Argentina, a dos EUA, com o 11 de Setembro, a recessão americana. O ano era dificílimo não só do ponto de vista doméstico, mas também internacional. A situação hoje é bem diferente. O cenário internacional é muito mais positivo do que antes.

FOLHA - Qual o legado que o governo Lula deixa?
FISHLOW -
Analiso três aspectos. Primeiro, a eleição de Lula não alterou a política macroeconômica do país. Isso representa um grande avanço positivo. Embora haja diferenças políticas entre os partidos brasileiros, pela primeira vez se vê uma política econômica da maioria. Antes havia idéias de milagres possíveis. Hoje em dia se tem uma visão mais fidedigna das possibilidades.

FOLHA - E os outros aspectos?
FISHLOW -
A segunda coisa em que o governo Lula entrou foi a tentativa de ampliar as políticas sociais. Aí se tem muito mais discussão. A política social é a do aumento da receita e do número de famílias que recebem o Bolsa-Família. Mas ainda há debates sobre esse assunto. A política de distribuição de renda com o aumento dos salários não representa claramente um investimento feito para o futuro. Ainda falta muito na educação. Não está evidente que Lula tenha feito reformas e alterado a estrutura necessária.

FOLHA - E por fim?
FISHLOW -
É a área política. Não se vê nada positivo saindo. A legislação aprovada em quatro anos é limitada. A corrupção, da compra das ambulâncias ao mensalão, mostra a necessidade de uma reforma política profunda. A democracia não funciona sem um Congresso. O presidente Lula deve ter um projeto para os próximos anos com esses três elementos. É preciso melhorar a taxa de crescimento, a vida política e entrar melhor na área social e a qualidade da educação.

FOLHA - Como o sr. vê a adoção de uma Constituinte para reforma política que o presidente Lula defende?
FISHLOW -
Não vai dar resultado. A reforma deve sair do Congresso sem pressões. A Câmara e o Senado necessitam de uma posição melhor do ponto de vista dos eleitores brasileiros. Eles próprios [os congressistas] fazendo as alterações seria melhor do que colocar outra vez uma Constituinte e imaginar que seja possível ter algo extraordinário acontecendo.

FOLHA - Como deveria ser a reforma política?
FISHLOW -
Falo em um Plano Real para a política, mas sem as mesma regras. Deve ser criado um sistema fechado, um sistema distrital, em vez de um sistema estadual, para eleição dos deputados. A organização da vida partidária do país é importante para garantir representatividade. O mais necessário é a criação de um partido que possa ter maioria mínima de 25% no Congresso. É preciso criar um sistema de maioria sem nomeações de gabinete, sem dar ministérios em troca de votos. Nessa atual legislatura mais de 200 deputados trocaram de partido, de olho em vantagens pessoais, quando deveriam defender uma política definida.

FOLHA - E o que cabe ao governo?
FISHLOW -
É preciso reduzir o consumo do governo, o número de servidores. Isso resultado numa taxa de investimento limitada demais. O país investe hoje menos de 2% do PIB em bens de capital para expandir serviços públicos. O governo tem duas funções indispensáveis para garantir uma taxa de crescimento maior. Primeiro, a taxa da poupança do governo tem de aumentar. Segundo, o Brasil precisa de um governo capaz de fazer investimentos necessários na educação, na saúde, na infra-estrutura, que é insumo para produção do setor privado. É preciso também reduzir a carga tributária, os impostos em cascata, que criam ineficiência.

FOLHA - Qual o preço da corrupção para o Brasil?
FISHLOW -
A corrupção é negativa para o Brasil não só por causa da quantia em si, mas pela qualidade da corrupção. É preciso melhorar desde o nível municipal, com os vereadores, ao estadual, com as Assembléias Legislativas, ao Senado e à Câmara.

FOLHA - De onde vem a apatia da sociedade diante de tanta denúncia de corrupção? Por que não existe um movimento popular mais sólido contra isso? Mesmo com tanta denúncia de corrupção, Lula tem a melhor avaliação de um presidente desde os anos 80 e ganharia folgadamente no primeiro turno se a eleição fosse hoje...
FISHLOW -
A sociedade responde ao Lula, como presidente, e não ao PT ou aos escândalos no Congresso. Já que a economia parece bem, com as taxas de juros em queda, salários e aposentadorias aumentando, novos créditos bancários aos grupos com renda menor, exportações crescendo, não me surpreendo com o apoio a ele. Mas, no voto para o Congresso, ainda não é óbvio que nenhum impacto aconteça.

FOLHA - Há no Brasil um movimento no sentido de tolher as CPIs. Esse mecanismo de investigação traz resultados?
FISHLOW -
As CPIs não resolvem nada, não representam um passo para o futuro, mas um passo para trás.

FOLHA - Por quê?
FISHLOW -
Todas as CPIs distorcem o papel principal do Congresso, que é o legislativo. No Brasil há muitas leis ainda necessárias para que o país acelere a taxa de crescimento e melhore a distribuição de renda. Em vez de pedidos contínuos para uma ou outra CPI, e tentativas de evitá-las, deve haver maneiras melhores de tratar das atividades ilegais.

FOLHA - Qual seria então a maneira de punir os corruptos?
FISHLOW -
Não pretendo sugerir alternativas concretas. Mas creio que tudo comece com uma reforma política ampla, que altere de uma maneira fundamental o papel dos partidos políticos.

FOLHA - Quais são os riscos para economia em caso de reeleição?
FISHLOW -
O presidente Lula precisa fazer reformas. São necessárias mudanças microeconômicas, como a nova lei de falências. Em um novo mandato, o presidente deve enfatizar a área social, não só para os quatro anos. O Brasil necessita de reformas sociais para 25 anos. Lula tem de deixar claro o que tem a fazer.

FOLHA - Como o sr. analisa a política externa lulista?
FISHLOW -
O Brasil precisa de uma revisão da política externa. A Alca (Área de Livre Comércio das Américas) não existe mais. Veja a situação do Mercosul. Como conseqüência da estratégia da Argentina, o mercado não tem progredido da maneira esperada. Há limitações às exportações brasileiras. Todo ano surgem barreiras. Além disso, a entrada da Venezuela no Mercosul deixa o Brasil sujeito às decisões de Hugo Chávez. O país não vai conseguir um assento no Conselho de Segurança da ONU. Em vez de viajar tanto, Lula deveria ficar mais tempo em Brasília tratando da reforma política.

FOLHA - O que explica o desempenho da candidata Heloísa Helena?
FISHLOW -
Isso se deve ao desejo de um grupo do povo brasileiro que está decepcionado com a eleição do Lula. Um grupo mais esquerdista tem uma outra visão do país, quer a reestatização de empresas privatizadas pelo Fernando Henrique Cardoso. E esse grupo, o MST, por exemplo, quer mostrar sua importância a Lula, na esperança de que seja possível, num provável segundo mandato, ter um poder maior.

FOLHA - O tom agressivo da senadora não alerta o mercado?
FISHLOW -
O mercado financeiro dos EUA estava muito mais preocupado com as eleições no México do que com os 15% da Heloísa Helena. Ninguém espera que ela vá ganhar.

FOLHA - Que conselhos o sr. dava ao ex-presidente FHC?
FISHLOW -
Como acadêmicos nos conhecemos há 40 anos, em São Paulo. E mantive ligações contínuas com ele todos esses anos. Minha presença não estava ligada à política.

FOLHA - O sr. também dá palpites ao governo Lula?
FISHLOW -
Não. Eles não pedem e não dou, como conseqüência.

FOLHA - O que piorou desde a saída do PSDB do Planalto?
FISHLOW -
Imaginava-se, logo após a eleição, o governo de uma maioria fidedigna, como elemento da esquerda-centrista. Não aconteceu. Isso fragmentou a possibilidade de reformas das quais o país precisa.

FOLHA - Por que o Brasil não cresce, apesar de ter controlado a inflação?
FISHLOW -
O controle da inflação não é a maneira de crescer. É preciso investimento em poupança, avanço tecnológico contínuo, abertura ao exterior para importação de bens de capital avançados. Esse são os elementos que os países modernos investem para ter crescimento futuro.

FOLHA - O país perdeu a chance de deslanchar junto com a China e com a Índia?
FISHLOW -
Não. Índia e China ainda têm muitos problemas, como educação e política. Embora o Brasil não tenha aumentado a taxa de crescimento aos níveis asiáticos, não quer dizer que o país tenha perdido. O Brasil ainda tem um futuro que deve e pode aproveitar.

FOLHA - O governo foi ingênuo ao apostar na Rodada Doha?
FISHLOW -
O erro maior foi não tentar desenvolver as possibilidades de alterações da política de tarifas industriais, para a área de serviços e para proteção da propriedade intelectual. Havia área em que o país poderia ter avançado a discussão em vez de decidir que fosse necessário primeiro resolver a situação agrícola.

FOLHA - Que análise o sr. faz o Brasil nesse novo livro?
FISHLOW -
É uma tentativa de olhar melhor o passado para entender as opções futuras. A obra é focada na redemocratização e na construção de um novo país com o Plano Real. O Brasil ainda não perdeu o jogo.

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