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27/10/2000 - 04h13

Veja o perfil de Paulo Maluf publicado pela Folha de S.Paulo

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MÁRIO MAGALHÃES, da Folha de S.Paulo

O berro anônimo vem do fundo de uma Kombi, superlotada com 17 pessoas, numa sauna natural com cheiro de suor no lugar de eucalipto: "Pára tudo, que agora o doutor Paulo Maluf vai virar cobrador e pegar R$ 1 de cada passageiro!"

"É o Malufão", grita o vizinho de banco da frente do candidato do PPB à Prefeitura de São Paulo, que viaja espremido na janela.

"É isso aí, gente boa, o Maluf é perueiro!", brada ele mesmo, entusiasmado com a recém-encerrada manifestação de apoio de cerca de 300 donos de lotações.

Parte agora numa carreata puxada pelos novos cabos eleitorais. Sem se identificar, o repórter da Folha segue na Kombi.

Paulo Maluf põe a cabeça para fora da camionete, ergue o dedo polegar direito, faz o "V" da vitória com o indicador e o médio, sorri um sorriso largo.

Tudo muito natural, afinal é campanha, quase todo candidato é assim. Um detalhe, porém: na maior parte do percurso, pela marginal do Tietê, as calçadas estão rigorosamente vazias. Maluf ignora, acena para o nada.

Nos pontos de ônibus, a maioria não esboça reação, uma parte faz gestos negativos e dispara impropérios, poucos reagem simpáticos ao ex-prefeito.
Em resposta ao sinal positivo do candidato, uma pedestre abaixa o polegar. "Dá um beijinho nela, não fica brava", diz Maluf. "Estamos numa democracia".

"Ninguém é perfeito", grita um perueiro. "E o Maluf vai ser prefeito", completa, com uma rima, o líder da categoria Laércio Ezequiel dos Santos.
Já passa das 13h, a temperatura à sombra beira os 30º centígrados, mas as sombras são raras num dia de sol fortíssimo.

Carreira
Paulo Salim Maluf, 69, patrimônio declarado de R$ 75 milhões, uma vez governador de São Paulo (1979-82), duas vezes prefeito da capital (1969-71 e 1993-96), cinco derrotas em pleitos diretos (1986, 88, 89, 90 e 98), outra na última eleição presidencial indireta (1985) e um solitário triunfo em disputa majoritária nas urnas (1992), começava na semana passada mais um dia de campanha, então ainda 32 pontos atrás da petista Marta Suplicy.

Ao chegar ao Campo de Marte, menos de duas horas antes, Maluf manobrou um microônibus, deu tapinhas em barrigas, sambou dobrando os joelhos, sem mexer os pés, saudou seus eleitores a caminho do carro de som: "Esse é gente boa, trabalhador. Tudo bem aí, zona leste gente boa? Esse é o Metralha. É isso aí, escreveu, não leu, o pau comeu".

Sobre o palanque, abre o discurso: "Meus amigos, boa tarde". "Boa tarde", responde a platéia. Como um animador de auditório, Maluf retruca: ""Tá fraco! É boooa taaarde!" Consegue o que quer.

Empolgado, fala sobre automóveis apreendidos por irregularidades: ""Vamos soltar as peruas, e vocês não terão de pagar a multa. Perueiro não é como o PT disse, não é bandido. Eu quero estar abraçado com vocês". Ao público feminino, anuncia: "Eu adoro a mulher perueira!".

Desce do caminhão, vai para a Kombi, a carreata ruma até a produtora. Na despedida, conclama: "Vamos lá! Maluf é perueiro! Maluf é o Romário da política!"

Antes de entrar, organiza a entrevista, se dirigindo a uma repórter: "Peraí, ele (outro jornalista) vai perguntar, amorzinho".
E comenta, sobre o debate com Marta Suplicy, na Rede Bandeirantes, no dia anterior: "É duro ter bate-boca com mulher".

Empresários
Dois dias depois, de gravata e blazer, surge um outro Paulo Maluf, agora num encontro com empresários da distrital oeste do Ciesp (Centro das Indústrias do Estado de São Paulo).

"Eu me orgulho de ser industrial, de ser empresário", diz aos "colegas": "Tenho orgulho de estar na quarta geração de empresários (da sua família)".

Cutuca temores atávicos: "Quero evitar que o PT tenha aqui base para alavancar a eleição do Lula em 2002. Foi o que eu disse para um amigo, na sua empresa de mil funcionários: "Você colocaria o Lula como diretor de recursos humanos?" Ele respondeu que não, e eu disse: "Peraí. Não serve para ser diretor da sua empresa e serve para ser presidente da República?"

Ao receber uma pauta com 13 reivindicações, surpreende: ""Já me permito responder de pronto. Sem me gabar, conheço a cidade de São Paulo na palma da minha mão. Não preciso de assessores nem preciso levar para casa para consultar".

Um a um, responde positivamente aos pleitos. Demora 6 minutos e 33 segundos na análise integral da lista -faz uma promessa a cada 30,2 segundos.

O último pedido talvez pudesse constranger quem demonstrara desenvoltura no Campo de Marte: ""Fiscalizar o transporte clandestino, principalmente os perueiros que trabalham de forma inadequada e perigosa".

À vontade, Maluf diz: ""Tem muito perueiro clandestino, tem até gente que trabalha com perua que não sabe qual a procedência".

"Mortes políticas"
O homem que prega a perueiros e empresários em busca de um terceiro mandato na Prefeitura de São Paulo, a considerar as numerosas mortes políticas decretadas por analistas, seria um mestre da ressurreição.

Puro engano. A despeito dos revezes, o político Paulo Maluf nunca morreu.
Assim como a operação que lhe retirou bolsas de gordura sob os olhos, os dois implantes de cabelo e a microcirurgia que reduziu sua miopia de 8,5 graus para 1,5 grau afetaram apenas a aparência de um candidato que parece ter dez anos menos. O Maluf de hoje, no conteúdo, remete ao dos velhos tempos.

Descontada a militância estudantil, o político Paulo Maluf nasce no dia 31 de março de 1964, no exato momento em que o movimento militar marchava para depor o governo constitucional de João Goulart.

"No 31 de março de 64, aos 32 anos, tomei posse como o mais jovem vice-presidente que a Associação Comercial de São Paulo já teve", lembrou Maluf à Folha.

Regime militar
É difícil imaginar como teria sido sua carreira sem o regime militar, no qual foi prefeito e governador indicado.

No dia 9 de agosto de 1979, o decreto nº 13.757, do governador Maluf, autorizou o Exército a usar terreno do Estado para a instalação do DOI-Codi, um dos principais centros de tortura e morte do regime militar.

A Folha mostrou uma cópia do decreto para Maluf, com a sua assinatura. ""Eu não cresci à sombra do regime militar, eu tenho valor pessoal", afirmou. ""Abri a primeira brecha (no regime) com a minha eleição para governador. Nunca soube que no DOI-Codi tinha tortura."

Com o fim do ciclo militar, em 1985, Maluf parte para uma sequência de quatro fracassos pessoais. Em 1986, perde a corrida para governador. Em 1988, para prefeito. Em 1989, faz figuração no disputa pela presidência -no segundo turno, apóia Fernando Collor. Em 1990, sofre nova derrota para o governo estadual.

Com uma plataforma de construtor de megaobras, reforço da segurança pública, alerta à ""ameaça do PT" e promessas de programas sociais voltados à periferia, Maluf mantém eleitorados cativos consideráveis, mesmo nas derrotas. Consolida um ideário combinando populismo com conceitos clássicos de direita.

Em 1992, favorecido pelas dificuldades da à época petista Luiza Erundina na prefeitura (1989-1992), obtém sua única vitória pessoal em eleição direta majoritária. Bem avaliado, emplaca o sucessor, seu secretário das Finanças, Celso Pitta.

Num calvário em que não faltam novos arautos proclamando sua liquidação política, padece com novas dificuldades.

No chamado Frangogate, descobre-se que a prefeitura comprou cortes congelados de frangos de uma empresa de parentes da mulher de Maluf, Sylvia, sócia da firma que fornecera frangos à empresa de sua família.

Desgastado, perde o segundo turno estadual de 1998 para Mário Covas.
Na esteira da Máfia dos Fiscais da Prefeitura de São Paulo, dois vereadores aliados de Pitta -e Maluf- acabam cassados. O prefeito é afastado do cargo, mas volta. Quando a então mulher de Pitta, Nicéa, denuncia uma série de supostas falcatruas nas gestões do marido e de Maluf, consolida-se, para muitos, a impressão de que o velho político aproxima-se do fim.

É condenado -em primeira instância- a devolver R$ 1,23 bilhão à prefeitura por causa da emissão irregular de títulos públicos.

Derrota
No dia 1º passado, quando o malufismo registra seu pior desempenho na capital paulista em todos os tempos (17,35 % dos votos válidos), há quem tenha a impressão de que seu fôlego expira.

E que, para o candidato do PPB, seria até melhor perder o segundo turno para Marta, acumulando fichas para o grande jogo da sucessão de Covas, em 2002.

Alguns dias acompanhando Paulo Maluf, em São Paulo, deixaram a impressão de que ele não quer perder nem partida de bolinha de gude. Exagero?
No sábado retrasado, um Gol capotou até parar diante da casa do candidato. Ao sair, ilesa, a motorista deu de cara com Maluf. ""A senhora estava com cinto de segurança?", ele perguntou. Diante da resposta positiva, emendou: a Lei Municipal do Cinto de Segurança foi sancionada em seu governo. Logo, Paulo Maluf acabara de salvar uma vida -e cabalar um novo voto.

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