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27/10/2000 - 04h16

Veja o perfil de Marta Suplicy publicado pela Folha de S.Paulo

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da Folha de S.Paulo

As línguas de esgoto à beira do córrego do Pirajuçara foram dribladas, o discurso aos moradores do bairro pobre de Campo Limpo já terminou, mas a candidata do PT à Prefeitura de São Paulo, Marta Suplicy, não consegue seguir para o próximo evento.

Agora, é o repórter de uma rádio comunitária das redondezas quem a aborda: ""Na nossa região, não temos um vereador. Então, eu queria saber o que você poderia fazer por nós, que não temos quem lute pela gente lá".

Impaciente, a petista responde: ""Olha, essa é uma compreensão equivocada do papel do vereador. Vereador não é despachante. Vocês não precisam de vereador para conseguir o que querem".

No compromisso seguinte, na Unisa (Universidade de Santo Amaro), Marta Suplicy é saudada por um mestre-de-cerimônias, no púlpito de um auditório lotado. Quando o anfitrião afirma que, após a palestra, as perguntas deverão ser encaminhadas por escrito, é interrompido.

"Acho que houve um equívoco, não foi isso o acordado", diz a candidata petista. "Não tem palestra, não tem pergunta. Vou fazer só uma saudação."

O reitor da universidade põe panos quentes, dá razão a Marta Suplicy, mas valoriza: ""Pelo que estou sabendo, a Unisa é a única universidade que está sendo visitada no segundo turno".

"Não, ontem eu fui à USP", retruca a adversária de Paulo Maluf (PPB) no segundo turno. Risos na platéia, que a aplaude efusivamente depois da "saudação".

Na USP, na véspera, Marta recebeu flores de meninas, mas, como de costume, não segurou as crianças no colo.

Na rádio Capital, uma ouvinte de nome Odete apela: "Sempre fui sua fã, sempre votei no seu marido (senador Eduardo Suplicy, PT-SP), nunca consegui nada com ele, mas tenho certeza de que desta vez vou conseguir (...). Eu queria uma casinha (...)".

Marta a frustra: "Não vou nem prometer. Nem deveria falar isso, porque a gente está em eleição e devia ficar um pouco mentirosa, mas não adianta".

Num outro programa, na Rede TV, contrariada com mais uma questão de espectador sobre seu projeto arquivado de incentivo ao estudo de presos, com diminuição de um dia da pena a cada 12 horas de aula, Marta resmunga: ""Tá meio repetitivo, não tem pergunta mais variada?"

A psicóloga Marta Teresa Smith de Vasconcellos Suplicy, 55, patrimônio declarado de R$ 996 mil, projetada nacionalmente na década de 80 como consultora sexual no programa "TV Mulher", ex-deputada federal (1995-98) e candidata derrotada a governadora em 1998 não é, definitivamente, um candidato-padrão em campanha eleitoral.

Acenar, ela acena. Cumprimentar, cumprimenta. Sorrir, sorri. Desfilar em jipe, desfila. Discursar, discursa. Buscar votos, busca, porque é deles que precisa para obter o segundo mandato petista na capital paulista, de novo com uma mulher -o primeiro (1989-92) foi com Luiza Erundina, hoje deputada federal pelo PSB.

Promessas pessoais, contudo, não faz -pelo menos a Folha não presenciou nenhuma na semana passada. E a simpatia, por vezes, apesar de licenças como uma exibição de samba no pé na praça da República, está longe de ser o seu melhor trunfo.

"Eu não diria isso, diria que não sou um político tradicional", afirmou Marta à Folha. "Não faço concessão além do que acho que tem que fazer. Isso eu vou ser até o fim da vida. Se tiver que perder qualquer eleitor por causa disso, vou perder."

Ao mesmo tempo em que veste um figurino político soft, esmaecendo a imagem de intransigência do PT, Marta incomoda fatias do eleitorado -e da própria militância católica do partido- com sua pregação fundamentada em bandeiras como a parceria civil de homossexuais.

Sua ascensão partidária é sintoma das inflexões na esquerda, uma década após a queda do Muro de Berlim, mas frequentemente é obrigada a rebater uma artilharia que lembra os dias do mundo cindido em blocos.

Dedicada a pregar a transparência no trato do dinheiro público, exalta-
se ao ser questionada sobre o auxílio-moradia que embolsou por dois meses quando deputada, mesmo morando no apartamento funcional do marido senador (Eduardo Suplicy) em Brasília.

Avessa a confidências pessoais, como detalhes da plástica com que o cirurgião Ivo Pitanguy retocou seus dotes naturais, sabe que suas formas são um tititi nas incursões à periferia.

Sexo e censura
Em 1980, convidada para estrelar o quadro "Comportamento Sexual", no "TV Mulher", programa das manhãs da Rede Globo, tornou-se, pela primeira vez, polêmica nacional.

Convocada pela Censura Federal, ainda na era militar, levou uma dura devido ao emprego da expressão "pênis" para designar o órgão masculino.

O censor preferia "membro". Ao ouvir que, na família da sexóloga, "membro" era grosseria, o censor sugeriu "falo". Empurra daqui, empurra dali, ficou "pênis" mesmo.

Em 1982, alegando pressões do governo, a Globo suspendeu ""Comportamento Sexual", que voltou no mesmo ano e sobreviveu até 1986.
Marta Suplicy já é então filiada ao PT. Sua participação é descrita por petistas, com boa vontade, como discreta.

Em 1994, dois anos após a derrota de Eduardo Suplicy para Paulo Maluf na eleição para a prefeitura paulistana, incentivada pelo marido e pela cúpula petista, lança-se candidata a deputada federal, com uma plataforma pró-minorias e e em defesa da regulamentação do aborto nas formas previstas em lei. Elege-se com 76 mil votos.

Em Brasília, passa a morar com o marido no apartamento funcional a que ele tem direito, mas recebe, mesmo assim, o auxílio-moradia de cerca de R$ 3.000 destinado a deputados aos quais a Câmara não cede imóvel.

A verba paga a Marta Suplicy, embora legal, provoca constrangimento no PT quando é revelada pela revista ""Veja". Ela abre mão do benefício.

"Em vez de colocar dessa forma, você coloque da forma correta", disse Marta ao repórter da Folha.

"Ao contrário, eu abdiquei do direito ao salário-moradia. Eu recebi dois meses de auxílio-moradia, e tinha direito. Aí abdiquei do direito. Eu tinha e tenho direito."

Parlamentar, Marta aprofunda a convivência num partido que, com um pé no passado de influência marxista, e outro num futuro com inspiração social-democrata, avança, mesmo com três fracassos em eleições presidenciais.

Na semana passada, os PTs se encontraram na campanha de Marta. Na Marcha Mundial das Mulheres, em frente ao Teatro Municipal, militantes cantaram uma musiquinha com o refrão ""trabalhadores no poder".

Falando a empresários que aderiram à sua candidatura, ela afirmou, antenada com o PT do presente e do futuro: "Nós sabemos da riqueza do empresariado paulista, do dinamismo desse empresariado, da sensibilidade desse empresariado e de como ele tem vontade de cooperar com uma prefeitura decente".

Assessor estrangeiro
À saída do comitê, foi embora em companhia do motorista, do assessor de imprensa e de um personagem quase onipresente no segundo turno: o franco-argentino Luís Favre.

No debate com Maluf, na Rede Bandeirantes, Favre integrou a equipe que orientou a candidata.

Numa entrevista ao programa "Opinião Brasil", da TV Cultura, foi ele quem se colocou à frente de Marta, determinando, com gestos, o rumo das respostas.

Antes de deixar o comitê de empresários, a Folha procurou-o. Ele disse que nada tinha a falar, que só estava no carro por ser amigo do chofer.

"Favre é um amigo do PT, está aqui assessorando algumas coisas", disse Marta. ""Ele morou muitos anos no Brasil, hoje mora na França, passou duas semanas aqui no primeiro turno, foi para a França, onde trabalha, e voltou". Indagada sobre a função de Favre, Marta não deu detalhes.

É uma incógnita o que leva um assessor de destaque a se recusar a falar do lugar político que ocupa na campanha. Sua trajetória, porém, ajuda a compreender o amadurecimento do PT.

Aparentando perto de 50 anos de idade, Luís Favre, durante as décadas de 70 e 80, foi dirigente de uma facção da 4ª Internacional, organização mundial de extrema esquerda, com ramificações inclusive no Brasil.

Antes do fim dos anos 80, teria trocado a plataforma ultra-radical por um ideário com feição mais social-democrata.

Na campanha de rua, a candidata propagandeou projetos como o Renda Mínima (ajuda financeira a famílias que mantenham filhos na escola) e o Começar de Novo (treinamento e busca de trabalho para desempregados com mais de 40 anos), mas nem sempre era isso o que chamava mais a atenção da população.

A petista é discreta: revela que ganhou 3 kg na campanha (Maluf perdeu 5 kg), que consome dez cápsulas e comprimidos diários de vitaminas diversas (Maluf toma quantidade igual, especialmente de óleo de alho) e que, de fato, operou-se com Ivo Pitanguy. Sobre o que a tesoura do cirurgião cortou, não fala.

Durante toda a semana passada, Marta Suplicy foi alvo de ataques de Paulo Maluf, que afirmou ser "devassa" a vida da rival "pró-gays" e "pró-aborto".

De segunda a sexta-feira, ela disse 14 vezes que ""com esse sujeito, haja paciência".

Se vencer a eleição, não lhe faltarão chances de exercitar o dom da paciência nos próximos quatro anos.
(MÁRIO MAGALHÃES)

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