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29/09/2003 - 09h05

Queimadas ameaçam reservas do cerrado brasileiro

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REINALDO JOSÉ LOPES
free-lance para a Folha de S.Paulo

As áreas de proteção ambiental do cerrado passam por mais uma temporada de incêndios, causados pelo uso das queimadas no manejo do solo. O número de focos de incêndio detectados por satélite, em todo o país, já é pelo menos 20% maior neste ano que no mesmo período de 2002 --e 60% dos focos se localizam no cerrado, um dos ecossistemas mais ameaçados do Brasil.

Embora o problema seja comum no fim da estação seca, os danos à biodiversidade poderão ser mais graves neste ano. Entre as maiores preocupações está a área do Jalapão (TO), ainda pouco estudada e com espécies que só aparecem ali (alto grau de endemismo, como dizem os biólogos).

"É o esperado, mas é frustrante", disse à Folha Heloiso Bueno Figueiredo, 59, chefe do Centro Nacional de Prevenção e Controle de Incêndios Florestais do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis). Para ele, quase todos os incêndios são gerados pela ação humana, já que as tempestades de raios que podem incendiar a vegetação só começam com a estação chuvosa, em outubro.

Pelo menos seis incêndios em áreas protegidas foram combatidos pelo Ibama neste mês. Entre as áreas afetadas estão o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (GO), o Parque Nacional da Ilha Grande (entre Paraná e Mato Grosso do Sul), o Parque Nacional da Serra da Canastra (MG), o Parque Nacional de Itatatiaia (RJ), o Parque Nacional do Araguaia (TO) e a região tocantinense do Jalapão, que pode ter perdido 80% da Estação Ecológica Serra Geral, de acordo com o governo do Estado (veja o quadro acima). "Os dados sobre os danos ainda são estimativas, que precisam ser revisadas", ressalva Figueiredo.

"No geral, a situação parece pior do que no ano passado no país todo. De julho a setembro, houve 243 mil focos de incêndio [em 2002], enquanto já temos mais de 300 mil neste ano. E o cerrado responde por cerca de 60% disso", diz o biólogo Ricardo Bomfim Machado, 41, diretor do Programa Regional do Cerrado da ONG Conservation International.

De certo modo, o cerrado é o ecossistema brasileiro mais preparado para lidar com o problema dos incêndios. "Estudos históricos mostram que a paisagem do cerrado, como as árvores com cascas grossas e troncos retorcidos, foi moldada pelo fogo", diz Figueiredo. O grande problema, contudo, é que a ocupação agropastoril do bioma pode ter levado a ação desse elemento a um novo patamar, bem menos benigno.

Mais que o natural

"O perigo é a situação atual", explica Machado. "A análise do pólen acumulado no fundo de lagoas desde 18 mil anos atrás sugere que a frequência dos incêndios ficou cerca de 30 vezes maior. Temos incêndios de dois em dois anos, ou anualmente. A gente não tem uma idéia clara de como isso está afetando a fauna, mas é possível que extinções locais estejam ocorrendo", alerta o biólogo.

O ritmo desenfreado dos incêndios tem origem certa: as queimadas que acontecem em volta das áreas protegidas, o modo mais rápido e barato para preparar o solo ou limpar o terreno para o cultivo no fim da estação seca. Queimando pastagens antigas pouco antes das primeiras chuvas, os criadores garantem que o capim rebrote mais palatável para o gado.

Para Machado, a situação atual é preocupante por afetar áreas que devem ter alto endemismo. Um pássaro como o chororozinho-do-bananal (Cercomacra ferdinandi), por exemplo, só existe na região do Parque Nacional do Araguaia e é considerado espécie vulnerável pelo Ibama.
Os recursos para o combate ao fogo e para a prevenção são escassos, afirma Figueiredo: "Nós tínhamos R$ 9 milhões previstos no orçamento deste ano, dos quais só cerca de R$ 3 milhões foram liberados até agora.
Precisaríamos de R$ 50 milhões". Há cerca de 1.500 pessoas (entre funcionários e brigadistas temporários) capacitadas para lidar com o problema nas cerca de 60 unidades federais de preservação.

"Precisamos investir na prevenção. Dá para diminuir muito o risco de a queimada se espalhar orientando os produtores para que usem aceiros [áreas limpas de vegetação nas bordas do trecho que vai ser queimado], que impedem que as chamas os ultrapassem", afirma Figueiredo.

Um sistema inaugurado anteontem na serra do Curral, perto de Belo Horizonte, busca outra forma de evitar que o problema comece: na estação seca, aspersores umedecem a vegetação, minimizando o risco de fogo.

"Além disso, precisamos criar alternativas de uso e manejo da terra", diz Figueiredo. Machado concorda: "É preciso incentivar uma diversificação maior das atividades. Não dá para ficar com 1.000 ha só de pastagem".
 

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