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17/10/2003 - 10h31

Estudo desvenda falha em terapia gênica

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REINALDO JOSÉ LOPES
da Folha de S.Paulo

Os responsáveis pelo que parecia ser o único sucesso incontestável de terapia gênica acabam de desvendar por que o tratamento acabou causando leucemia em 2 de 10 portadores de uma rara doença imune. Segundo eles, o vírus que carregava o material genético "corretivo" ativou um gene que desencadeou a doença.

Os dois meninos de três anos de idade que acabaram adquirindo leucemia conseguiram se curar, mas o trabalho mostra que ainda há um caminho longo e imprevisível à frente antes que a manipulação de genes no organismo humano se torne algo seguro.

Foi a própria equipe responsável pelo aparente sucesso do tratamento, num experimento de 2000, que se pôs a vasculhar as razões do aparecimento da doença. O grupo, liderado pelo médico francês Alain Fischer, 54, da Universidade Paris-5, publica os resultados desse inquérito na edição de hoje da revista "Science" (www.sciencemag.org).

A doença combatida pelos experimentos de Fischer e seus colegas tem um nome tão indigesto quanto seus sintomas: imunodeficiência severa combinada ligada ao (cromossomo) X. Seus pacientes costumam ser apelidados de "meninos da bolha", porque o sistema de defesa de seus organismos é tão débil que eles precisam ser mantidos em isolamento completo do mundo exterior.

"Eles têm uma deficiência imune muito profunda e são incapazes de produzir linfócitos T [células cruciais do sistema de defesa do organismo]. A expectativa de vida não passa de meses", explica Fischer. A doença afeta o DNA do cromossomo X e por isso só acomete meninos --essoas do sexo feminino (XX) conseguem compensar o problema com sua segunda cópia desse cromossomo, que os homens (XY) não têm.

Cavalo-de-tróia

Para corrigir o problema, Fischer e seus colegas inseriram num vírus a sequência de "letras" químicas de DNA que especifica a proteína cuja falta impedia a sobrevivência dos linfócitos T nos garotos doentes, então com alguns meses de vida. "O retrovírus [tipo de vírus usado no experimento] é modificado de forma que só restam as extremidades de seu material genético, que lhe permitem se inserir no cromossomo", diz o pesquisador francês.

A transferência do gene foi feita infectando com o retrovírus células precursoras hematopoiéticas (as células da medula óssea que dão origem a glóbulos vermelhos, linfócitos e todos os outros componentes do sangue) e recolocando-as nos dez garotos. Cada um recebeu cerca de 25 milhões delas por quilo de peso corporal.

Por mais de dois anos, parecia que os meninos haviam ganhado definitivamente uma vida normal. Há um ano, a equipe detectou em dois deles a proliferação de linfócitos T, sobrepujando todos os outros tipos de célula no sangue. Eles tinham desenvolvido uma forma de leucemia.

Diante disso, Fischer e seus colegas examinaram o genoma dos linfócitos T e descobriram que, nos dois garotos doentes, o retrovírus havia se inserido no mesmo lugar: a área que regula o funcionamento do gene LMO2. É uma região do DNA essencial para a produção de células do sangue.

"Em certo sentido não foi uma surpresa, porque outros casos de leucemia já tinham sido ligados a alterações nesse gene", conta o médico americano David Williams, 49, do Centro Médico do Hospital Infantil de Cincinnati (EUA). Williams, que é um dos pioneiros da técnica, comentou o estudo de Fischer na "Science".

Embora pareça muita coincidência que dois dos pacientes tivessem a inserção no mesmo gene --quase como se o LMO2 estivesse "atraindo" o retrovírus--, Williams afirma que, por enquanto, não há como saber por que isso aconteceu logo ali. "Se você fizer as contas, verá que a probabilidade de isso acontecer aleatoriamente não é tão pequena assim."

Outro problema, aponta o médico: o gene inserido é um fator que impede a morte celular programada (apoptose). "Em condições normais, ele simplesmente manteria as células T vivas pelo tempo necessário, mas, com a desregulação do LMO2, elas passaram a viver ainda mais", afirma.

Para Fischer, o revés não atinge todas as formas de geneterapia, mas apenas as que exigem a inserção de DNA nos cromossomos. O risco de alterações poderia diminuir se poucas células modificadas fossem inseridas, pondera ele.
 

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