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24/10/2003
-
08h12
REINALDO JOSÉ LOPES
da Folha de S.Paulo
O ingrediente que faltava para reunir as moléculas orgânicas da Terra primordial numa membrana, formando um esboço de célula, pode ter sido uma simples fôrma de argila --um pó ou pasta acinzentada comum em diversos lugares do planeta.
É isso o que sugerem experimentos feitos por cientistas norte-americanos, nos quais a mera adição desse condimento mineral multiplicou em cem vezes a tendência de ácidos graxos (as moléculas que compõem os lipídios ou gorduras) de formar uma membrana de camada dupla, parecida com a que todas as células bacterianas, animais ou vegetais ostentam até hoje.
Esse projeto de célula, no entanto, vai muito além da mera formação: ele também consegue "crescer", incorporando mais partículas de ácido graxo espalhadas nas proximidades, e até se "dividir" --embora precise de um certo grau de estímulo dos pesquisadores para conseguir realizar essa última proeza.
"Não estamos querendo dizer que foi exatamente assim que aconteceu durante a formação da vida", declarou à Folha o bioquímico Jack Szostak, 50, da Universidade Harvard (EUA). "O que o nosso experimento faz é demonstrar que precursores celulares poderiam aparecer sem a necessidade de mecanismos bioquímicos complexos", afirma o pesquisador, cujo trabalho sai hoje na revista norte-americana "Science" (www.sciencemag.org).
O experimento de Szostak (pronuncia-se "chôstak") e seus colegas marca mais um ponto em favor da humilde argila, que já tinha demonstrado outra propriedade suspeitamente pró-vida. Ela é capaz de induzir a formação de cadeias de RNA, a molécula-irmã do DNA que também armazena instruções genéticas e, ao contrário dele, consegue induzir reações químicas sozinha. Para muitos cientistas, o RNA é o candidato ideal para primeiro material genético da história da vida.
Do barro à vida
"Nós nos inspiramos nessa capacidade conhecida da montmorillonita [o tipo de argila mais utilizado no experimento] para ver se ela conseguia induzir o mesmo processo com os ácidos graxos", conta Szostak. As membranas celulares verdadeiras são formadas por moléculas bem mais complicadas, embora aparentadas: os fosfolipídios, que incluem também átomos do elemento fósforo.
A tendência desses ácidos é se juntar em pequenos aglomerados. Os pesquisadores, no entanto, viram que a adição de um pouco de montmorillonita à mistura aumentou em cem vezes essa tendência. As vesículas de dupla camada que surgiram da reação englobavam as partículas de argila.
Como tanto o mineral quanto as camadas de ácido têm carga elétrica negativa (e portanto deveriam se repelir), a hipótese dos pesquisadores é que uma camada de partículas positivas adjacente à argila atraia as vesículas.
Os pesquisadores misturaram ainda RNA, marcado com uma tinta fluorescente vermelha, à argila. Ele também foi englobado --mais um passo em direção a uma "célula", com membrana e material genético. Na presença de mais matéria-prima, as vesículas cresceram, absorvendo-a, e os pesquisadores causaram sua "divisão celular" (que ocorreu sem perda do material interno) fazendo-as atravessar uma rede de microporos.
"Se pudéssemos fazer com que o RNA iniciasse algum tipo de síntese dentro dessas vesículas, seria um grande passo. Mas esse é um grande projeto, ao qual ainda temos de dar prosseguimento", afirma Szostak. "Temos de ter a mente aberta e tentar simular um caminho completo, da formação das moléculas orgânicas à das células." Uma coisa, no entanto, é certa: matéria-prima não faltava.
Argila pode estar na origem das células
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da Folha de S.Paulo
O ingrediente que faltava para reunir as moléculas orgânicas da Terra primordial numa membrana, formando um esboço de célula, pode ter sido uma simples fôrma de argila --um pó ou pasta acinzentada comum em diversos lugares do planeta.
É isso o que sugerem experimentos feitos por cientistas norte-americanos, nos quais a mera adição desse condimento mineral multiplicou em cem vezes a tendência de ácidos graxos (as moléculas que compõem os lipídios ou gorduras) de formar uma membrana de camada dupla, parecida com a que todas as células bacterianas, animais ou vegetais ostentam até hoje.
Esse projeto de célula, no entanto, vai muito além da mera formação: ele também consegue "crescer", incorporando mais partículas de ácido graxo espalhadas nas proximidades, e até se "dividir" --embora precise de um certo grau de estímulo dos pesquisadores para conseguir realizar essa última proeza.
"Não estamos querendo dizer que foi exatamente assim que aconteceu durante a formação da vida", declarou à Folha o bioquímico Jack Szostak, 50, da Universidade Harvard (EUA). "O que o nosso experimento faz é demonstrar que precursores celulares poderiam aparecer sem a necessidade de mecanismos bioquímicos complexos", afirma o pesquisador, cujo trabalho sai hoje na revista norte-americana "Science" (www.sciencemag.org).
O experimento de Szostak (pronuncia-se "chôstak") e seus colegas marca mais um ponto em favor da humilde argila, que já tinha demonstrado outra propriedade suspeitamente pró-vida. Ela é capaz de induzir a formação de cadeias de RNA, a molécula-irmã do DNA que também armazena instruções genéticas e, ao contrário dele, consegue induzir reações químicas sozinha. Para muitos cientistas, o RNA é o candidato ideal para primeiro material genético da história da vida.
Do barro à vida
"Nós nos inspiramos nessa capacidade conhecida da montmorillonita [o tipo de argila mais utilizado no experimento] para ver se ela conseguia induzir o mesmo processo com os ácidos graxos", conta Szostak. As membranas celulares verdadeiras são formadas por moléculas bem mais complicadas, embora aparentadas: os fosfolipídios, que incluem também átomos do elemento fósforo.
A tendência desses ácidos é se juntar em pequenos aglomerados. Os pesquisadores, no entanto, viram que a adição de um pouco de montmorillonita à mistura aumentou em cem vezes essa tendência. As vesículas de dupla camada que surgiram da reação englobavam as partículas de argila.
Como tanto o mineral quanto as camadas de ácido têm carga elétrica negativa (e portanto deveriam se repelir), a hipótese dos pesquisadores é que uma camada de partículas positivas adjacente à argila atraia as vesículas.
Os pesquisadores misturaram ainda RNA, marcado com uma tinta fluorescente vermelha, à argila. Ele também foi englobado --mais um passo em direção a uma "célula", com membrana e material genético. Na presença de mais matéria-prima, as vesículas cresceram, absorvendo-a, e os pesquisadores causaram sua "divisão celular" (que ocorreu sem perda do material interno) fazendo-as atravessar uma rede de microporos.
"Se pudéssemos fazer com que o RNA iniciasse algum tipo de síntese dentro dessas vesículas, seria um grande passo. Mas esse é um grande projeto, ao qual ainda temos de dar prosseguimento", afirma Szostak. "Temos de ter a mente aberta e tentar simular um caminho completo, da formação das moléculas orgânicas à das células." Uma coisa, no entanto, é certa: matéria-prima não faltava.
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