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30/10/2003
-
07h38
REINALDO JOSÉ LOPES
da Folha de S.Paulo
A expressão "cérebro de passarinho" soaria tão ofensiva para um pterossauro, no que respeita à sua habilidade para voar, quanto para qualquer ser humano, em relação à sua inteligência. A conclusão vem de um modelo virtual do cérebro desses répteis voadores extintos --entre eles um famoso fóssil brasileiro-- criado por cientistas dos EUA, que revela regiões neurais maiores e mais especializadas no controle de equilíbrio e destreza no vôo do que as de seus parentes com penas.
Isso não quer dizer que as criaturas voassem melhor que o pardal da esquina, mas certamente indica que falta de sofisticação não esteve entre as causas da extinção dos bichos, que dominaram os céus da Terra por quase 100 milhões de anos.
"É fantástico. Eles começaram com o cérebro de um lagarto e o construíram do nada", afirma o biólogo Lawrence Witmer, 44, da Universidade de Ohio.
Witmer é o coordenador do estudo que sai hoje na revista científica "Nature" (www.nature.com), mas outra de suas estrelas é um nordestino de 115 milhões de anos. Trata-se do fóssil do pterossauro Anhanguera santanae, descoberto na chapada do Araripe (que engloba partes de Ceará e Pernambuco) em 1985.
O bicho brasileiro tinha 4 m de uma ponta a outra das asas, enquanto o outro animal analisado pelo estudo, o alemão Ramphorynchus muensteri, tem 150 milhões de anos e asas que mediam 1,10 m de envergadura. "Como a maioria dos fósseis de pterossauro é delicada e está esmagada, escolhemos esses espécimes porque eles não sofreram esse tipo de distorção", afirma Witmer.
Tomografias
Os crânios dos dois répteis alados foram submetidos a uma tomografia computadorizada de raios X --uma forma de os pesquisadores conseguirem enxergar em detalhe a região que abrigava o cérebro. Segundo Witmer, é a melhor imagem que já se conseguiu do cérebro e do ouvido interno desses animais, capaz de oferecer informações sobre a dimensão das diferentes áreas do órgão.
A reconstrução feita com base nesses dados não é um retrato perfeito do cérebro, mas passa bastante perto, já que o órgão e os vasos sanguíneos que o circundam se encaixam milimetricamente dentro do crânio. "O que, infelizmente, nós não obtemos com isso é a fiação cerebral, ou seja, como uma área estava conectada com a outra", diz o biólogo.
De cara, a análise confirmou que os bichos tinham um cérebro maior que o de qualquer réptil vivo em relação ao corpo, mas menor do que o que aparece nas aves. Por outro lado, a organização geral do órgão lembrava bastante a dos pássaros.
"É um resultado que nós já tínhamos observado em 1996, em outros pterossauros do Araripe", afirma o paleontólogo Alexander Kellner, 42, do Museu Nacional da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Em parceria com Diógenes de Almeida Campos, foi Kellner quem descreveu e batizou o A. santanae. Para o brasileiro, os dados da tomografia são o principal avanço do novo trabalho sobre o espécime.
Witmer e seus colegas vão além. Eles descobriram que os canais semicirculares (áreas do ouvido interno que respondem pelo equilíbrio) e os lobos floculares (que coordenam movimentos da cabeça, pescoço e corpo) são bem mais desenvolvidos do que o de répteis modernos ou aves.
Os canais têm o dobro do tamanho dos das aves, enquanto os lobos respondem por nada menos que 7% do cérebro, quando não passam de 1% a 2% nos pássaros.
Membrana sensorial
Para Witmer, essa sofisticação toda se explica pela diferença de material nas asas. Aves têm penas, enquanto os pterossauros tinham uma complexa membrana de fibras, músculos e nervos entre seus membros --alguns fósseis até preservaram esses tecidos.
"Tudo isso se tornaria um novo órgão sensorial, que mandaria informações sobre o quanto a membrana está esticada, direção e força do vento e como os movimentos do pterossauro influenciam isso", especula o biólogo.
Com esse "computador de bordo", os pterossauros ganhariam grande estabilidade e flexibilidade de vôo, tornando-se capazes de manter o olhar fixo na vítima no meio de manobras complicadas. Seria algo indispensável para predadores alados cujo tipo de vida mais comum parece ter sido a caça de peixes no mar ou em lagoas costeiras (caso do Araripe).
Kellner diz que a teoria de Witmer é válida, mas difícil de provar. O paleontólogo ressalta a necessidade de combinar os dados do cérebro com o resto do esqueleto para avaliar a eficiência do vôo dos pterossauros. "Além disso, as conclusões que eles conseguiram vieram de duas espécies que se alimentavam de peixes. Mas havia pterossauros que comiam insetos, por exemplo", afirma Kellner.
O biólogo americano diz que a sofisticação dos répteis, extintos junto com os dinossauros (grupo ao qual eles, aliás, não pertenciam) há 65 milhões de anos, é inegável. "Os pássaros tinham uma vantagem inicial porque evoluíram a partir de um grupo de dinossauros carnívoros [os terópodes] cujo cérebro já era bem grande. Na verdade, eu me impressiono mais com o que os pterossauros conseguiram."
Cérebro de pterossauro nasceu para o vôo
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da Folha de S.Paulo
A expressão "cérebro de passarinho" soaria tão ofensiva para um pterossauro, no que respeita à sua habilidade para voar, quanto para qualquer ser humano, em relação à sua inteligência. A conclusão vem de um modelo virtual do cérebro desses répteis voadores extintos --entre eles um famoso fóssil brasileiro-- criado por cientistas dos EUA, que revela regiões neurais maiores e mais especializadas no controle de equilíbrio e destreza no vôo do que as de seus parentes com penas.
Isso não quer dizer que as criaturas voassem melhor que o pardal da esquina, mas certamente indica que falta de sofisticação não esteve entre as causas da extinção dos bichos, que dominaram os céus da Terra por quase 100 milhões de anos.
"É fantástico. Eles começaram com o cérebro de um lagarto e o construíram do nada", afirma o biólogo Lawrence Witmer, 44, da Universidade de Ohio.
Witmer é o coordenador do estudo que sai hoje na revista científica "Nature" (www.nature.com), mas outra de suas estrelas é um nordestino de 115 milhões de anos. Trata-se do fóssil do pterossauro Anhanguera santanae, descoberto na chapada do Araripe (que engloba partes de Ceará e Pernambuco) em 1985.
O bicho brasileiro tinha 4 m de uma ponta a outra das asas, enquanto o outro animal analisado pelo estudo, o alemão Ramphorynchus muensteri, tem 150 milhões de anos e asas que mediam 1,10 m de envergadura. "Como a maioria dos fósseis de pterossauro é delicada e está esmagada, escolhemos esses espécimes porque eles não sofreram esse tipo de distorção", afirma Witmer.
Tomografias
Os crânios dos dois répteis alados foram submetidos a uma tomografia computadorizada de raios X --uma forma de os pesquisadores conseguirem enxergar em detalhe a região que abrigava o cérebro. Segundo Witmer, é a melhor imagem que já se conseguiu do cérebro e do ouvido interno desses animais, capaz de oferecer informações sobre a dimensão das diferentes áreas do órgão.
A reconstrução feita com base nesses dados não é um retrato perfeito do cérebro, mas passa bastante perto, já que o órgão e os vasos sanguíneos que o circundam se encaixam milimetricamente dentro do crânio. "O que, infelizmente, nós não obtemos com isso é a fiação cerebral, ou seja, como uma área estava conectada com a outra", diz o biólogo.
De cara, a análise confirmou que os bichos tinham um cérebro maior que o de qualquer réptil vivo em relação ao corpo, mas menor do que o que aparece nas aves. Por outro lado, a organização geral do órgão lembrava bastante a dos pássaros.
"É um resultado que nós já tínhamos observado em 1996, em outros pterossauros do Araripe", afirma o paleontólogo Alexander Kellner, 42, do Museu Nacional da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Em parceria com Diógenes de Almeida Campos, foi Kellner quem descreveu e batizou o A. santanae. Para o brasileiro, os dados da tomografia são o principal avanço do novo trabalho sobre o espécime.
Witmer e seus colegas vão além. Eles descobriram que os canais semicirculares (áreas do ouvido interno que respondem pelo equilíbrio) e os lobos floculares (que coordenam movimentos da cabeça, pescoço e corpo) são bem mais desenvolvidos do que o de répteis modernos ou aves.
Os canais têm o dobro do tamanho dos das aves, enquanto os lobos respondem por nada menos que 7% do cérebro, quando não passam de 1% a 2% nos pássaros.
Membrana sensorial
Para Witmer, essa sofisticação toda se explica pela diferença de material nas asas. Aves têm penas, enquanto os pterossauros tinham uma complexa membrana de fibras, músculos e nervos entre seus membros --alguns fósseis até preservaram esses tecidos.
"Tudo isso se tornaria um novo órgão sensorial, que mandaria informações sobre o quanto a membrana está esticada, direção e força do vento e como os movimentos do pterossauro influenciam isso", especula o biólogo.
Com esse "computador de bordo", os pterossauros ganhariam grande estabilidade e flexibilidade de vôo, tornando-se capazes de manter o olhar fixo na vítima no meio de manobras complicadas. Seria algo indispensável para predadores alados cujo tipo de vida mais comum parece ter sido a caça de peixes no mar ou em lagoas costeiras (caso do Araripe).
Kellner diz que a teoria de Witmer é válida, mas difícil de provar. O paleontólogo ressalta a necessidade de combinar os dados do cérebro com o resto do esqueleto para avaliar a eficiência do vôo dos pterossauros. "Além disso, as conclusões que eles conseguiram vieram de duas espécies que se alimentavam de peixes. Mas havia pterossauros que comiam insetos, por exemplo", afirma Kellner.
O biólogo americano diz que a sofisticação dos répteis, extintos junto com os dinossauros (grupo ao qual eles, aliás, não pertenciam) há 65 milhões de anos, é inegável. "Os pássaros tinham uma vantagem inicial porque evoluíram a partir de um grupo de dinossauros carnívoros [os terópodes] cujo cérebro já era bem grande. Na verdade, eu me impressiono mais com o que os pterossauros conseguiram."
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