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02/11/2003 - 03h51

Artigo: Genomas públicos e privados

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MARCELO LEITE
editor de Ciência da Folha de S.Paulo

A discussão sobre a genômica ser uma nova e revolucionária ciência ou apenas uma técnica pedestre --ciência sem hipótese, como já se disse-- encontra versão menos escolástica no dilema da publicidade que se pode ou deve dar às montanhas de dados genéticos que produz. No Brasil, cientistas engajados no sequenciamento (soletração) do DNA de organismos de interesse agroindustrial, como eucalipto e cana-de-açúcar, sempre debatem a questão, mas o fazem entre as paredes de laboratórios e instituições de amparo à pesquisa.

Como a maior parte desse esforço é sustentada com dinheiro público, todo dado genético obtido nesse tipo de pesquisa deveria em princípio ser posto à disposição da comunidade científica brasileira e internacional nos bancos de dados de acesso livre, como o GenBank (www.ncbi.nlm.nih.gov/Genbank).

O sequenciamento do eucalipto terminou em fevereiro de 2002. Teve a participação de quatro empresas, cada uma investindo cerca de US$ 100 mil: Votorantim, Ripasa, Suzano e Duratex. A Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), que catalisou a formação do consórcio, deu US$ 530 mil.

Todos os parceiros firmaram um acordo de propriedade intelectual sobre possíveis aplicações dos genes identificados. Afinal, há muitos interesses em jogo: o Brasil tem mais de 3 milhões de hectares de área plantada de eucalipto e produz cerca de 6,3 milhões de toneladas de celulose por ano. Até hoje não saiu um artigo científico apresentando os resultados do trabalho --as revistas especializadas costumam exigir que os autores ponham as sequências de DNA à disposição de outros cientistas no GenBank.

Já o genoma da cana-de-açúcar, com um custo de R$ 4,4 milhões bancados pela Fapesp e minoritariamente pela empresa Copersucar, seguiu percurso diverso. O anúncio da finalização do sequenciamento dos genes da planta que responde por 30% do produto agrícola do Estado de São Paulo, há dois meses, foi paralelo ao da aceitação de um "paper" na revista especializada "Genome Research" (www.genome.org).

Como de praxe, as sequências foram depositadas no GenBank, vale dizer, lançadas no domínio público. Em tese, isso permite que outros pesquisadores as estudem para a produção de inovações de interesse para a agroindústria da cana.

"Não podemos proibir os pesquisadores de publicar, senão [o trabalho] fica secreto", justifica José Fernando Perez, diretor científico da Fapesp e mentor dos projetos genoma bandeirantes.

Perez ressalva que se trata de dados brutos, não dos resultados do processamento que lhes agrega valor potencial, e que esses dados de interesse não estão nem estarão no GenBank. A publicação foi antes autorizada por comissão da Fapesp, que, por cautela, distribuiu em junho um termo de compromisso de confidencialidade dos dados a todos os integrantes do projeto. "O fato de ter sido tornado público não autoriza ninguém a pedir patente [por conta própria]."

Mais ainda: nem todos os trechos de DNA soletrados e candidatos a genes foram escancarados. Pelo menos mil deles, objeto de uma parceria com a empresa belga Crop Design, ficaram de fora.

A Fapesp nada recebeu pela entrega desse milhar de sequências que serão esmiuçadas na Bélgica, mas receberá 7,5% da receita, quando e se a análise resultar em patentes relacionadas com outros vegetais além da cana, e 92,5%, se a patente contemplar o vegetal sequenciado no Brasil.
"Estamos aprendendo ainda a fazer essas coisas", diz Perez.

E-mail: cienciaemdia@uol.com.br
 

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