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03/11/2003 - 08h38

Instituto de cosmologia cria "racha" no CBPF

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SALVADOR NOGUEIRA
da Folha de S.Paulo

Um dos mais tradicionais centros de física do país está passando por um "racha", talvez o pior dos últimos anos. A indefinição impera, e os pesquisadores se digladiam para definir se, quando a poeira baixar, o CBPF (Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas), localizado no Rio de Janeiro, será uma ou duas instituições.

A polêmica teve início em agosto, durante a abertura da 10ª Reunião Marcel Grossmann de Relatividade Geral, uma prestigiosa conferência internacional realizada pela primeira vez no Brasil.

Lá, o ministro da Ciência e Tecnologia, Roberto Amaral, anunciou a criação do Icra-BR (Instituto Nacional de Cosmologia, Relatividade e Astrofísica), uma vertente nacional de uma rede global de pesquisas na área.

A proposta original, do físico Mário Novello, do CBPF, pleiteava a existência do Icra como um dos nós da rede internacional Icranet. Mas Amaral foi além, ao anunciar a constituição física e independente do Icra-BR, como um novo instituto do MCT (Ministério da Ciência e Tecnologia).

O anúncio pegou todos de surpresa, da diretoria do CBPF ao autor da proposta original. A decisão do ministério causou revoltas internas, e muitos pesquisadores se sentiram traídos por apoiar uma idéia que, em sua versão final, ao invés de fortalecer a posição do CBPF, poderia acabar causando seu esvaziamento.

Para os defensores do Icra-BR, a criação de um novo instituto respondia ao surgimento de uma massa crítica de pesquisadores em cosmologia e astrofísica no Brasil. Os opositores da iniciativa, entretanto, viram no desenvolvimento apenas o fortalecimento de um dado grupo de cientistas, liderado por Novello, em detrimento do CBPF como um todo.

As farpas entre os dois lados começaram a ser trocadas publicamente na edição eletrônica do "Jornal da Ciência" (www.jornaldaciencia.org.br), uma publicação da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência).

No dia 16 de outubro, foram publicadas uma carta de Alfredo Ozorio de Almeida e Ronald Shellard, dois pesquisadores do CBPF, criticando a criação do Icra-BR, e outra de Mario Novello, José Martins Salim, Nami Fux Svaiter, Nelson Pinto Neto e Luiz Alberto Oliveira, defendendo-a.

"A partição do CBPF em dois institutos é um despropósito que certamente não serve ao interesse da física brasileira", escreveram Ozorio de Almeida e Shellard.

Antes de vir a público, a carta da dupla já havia circulado no CBPF, assim como a resposta de Novello. "É impossível que os srs. Shellard e Ozorio ignorem que a criação do Icra-BR é uma manifestação, inédita no passado recente, de apoio à pesquisa básica", responderam. "Fazer crer que a "Física Brasileira" estará ameaçada é, no melhor dos casos, mero recurso retórico de intimidação ou, no pior, arrogância delirante."

Oposição externa

O apoio ao Icra-BR anda limitado fora do CBPF. A Sociedade Brasileira de Física se mostrou contrária à criação do Icra-BR como órgão independente.

"A SBF considera muito positiva a participação brasileira na rede dessa área, enfatizando que o convite e apoio recebido da comunidade internacional sinalizam de modo inequívoco a qualidade e competência científica dos nossos pesquisadores", escreveu Adalberto Fazzio, presidente da sociedade, em uma carta enviada à Finep (Financiadora de Estudos e Projetos), à diretoria do CBPF e a Mário Novello.

"No entanto, no que se refere à criação de um novo instituto dentro do MCT, com sede, estrutura administrativa, recursos humanos e corpo de pesquisadores com completa autonomia aos existentes, não é recomendável."

O diretor do CBPF, João Carlos dos Anjos, também se vê preocupado com o que pode acontecer com a bipartição do centro. "Há o temor de que isso possa esvaziar a instituição, levando até 10% do nosso corpo de pesquisadores", disse à Folha. "Apoiamos a iniciativa do Icra como um instituto virtual, que era a proposta original, tendo o CBPF como executor. Queremos que esse grupo fique aqui e que reforce a instituição."

Conflitos constantes

Essa é apenas a última turbulência no CBPF, de uma série iniciada em 2001, quando um relatório do MCT, no governo FHC, sugeriu a extinção da pós-graduação no centro. Desde então, uma mobilização interna surgiu para fortalecer a posição da instituição, batalha que foi vencida com a mudança do governo. Agora, os cientistas que lutaram juntos estão disputando entre si para resolver que fim vão ter a cosmologia e a astrofísica nacionais.

O MCT, ponto focal do turbilhão, se posiciona de forma cautelosa, quase neutra. "Num primeiro momento, o ministro se entusiasmou", disse à Folha Wanderley de Souza, secretário-executivo do ministério. "Mais tarde, houve uma reação em relação à criação do Icra, com muita gente apoiando, e muita gente criticando."

Em princípio, o MCT vê sempre como boas as iniciativas que objetivem ampliar o número de instituições científicas, segundo Souza. Mas, em razão da polêmica, pretende observar a criação do Icra "de forma pormenorizada".

Adicionando incertezas ao futuro do CBPF está a semi-interinidade da atual diretoria. João Carlos dos Anjos começou no cargo interinamente e posteriormente foi efetivado, mas não chegou a ter um mandato claro atribuído. Agora, uma comissão acaba de ser nomeada para apontar uma lista tríplice, da qual o MCT escolherá o novo diretor do CBPF.
 

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