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27/12/2003 - 07h02

"Intelecto" tem milhões de anos, diz estudo

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CLAUDIO ANGELO
da Folha de S.Paulo, em Cambridge (EUA)

"A natureza não dá saltos." A máxima de Charles Darwin está sendo confirmada por um grupo de pesquisadores do Japão num de seus aspectos mais intrigantes: a evolução do cérebro humano. Eles afirmam que os elementos principais da inteligência do Homo sapiens já estavam latentes há dezenas de milhões de anos nos primatas e só precisaram de um empurrãozinho para florescer.

Experimentos realizados ao longo dos últimos sete anos pelos cientistas e apresentados em novembro num congresso de neurociência nos EUA sugerem que os macacos japoneses (Macaca fuscata) são capazes de aprender a usar ferramentas e a interpretá-las como uma extensão de suas mãos. Poderiam também construir uma representação mental do próprio corpo e reconhecê-la num monitor de vídeo --algo que jogadores de videogame fazem instintivamente, ao chamar de "eu" o personagem que atira em monstros na tela.

Os resultados dos estudos são importantes, dizem os cientistas, porque até agora se achava que as habilidades mentais demonstradas nos macacos japoneses fossem exclusividade do homem e de seu parente mais próximo, o chimpanzé, único símio capaz de se identificar no espelho.

Separados dos humanos e dos chimpanzés por mais de 30 milhões de anos de evolução, os macacos japoneses não podem ser considerados exatamente Einsteins do reino animal. Não chegam nem a usar ferramentas na natureza, outra marca registrada dos primatas "superiores", grupo que inclui gorilas e orangotangos.

A hipótese dos pesquisadores, no entanto, é que esses animais são capazes de algo bem próximo da representação simbólica, que só apareceu nitidamente na cultura material humana há 300 mil anos, com os neandertais.

"Isso pode explicar explosões culturais mais recentes sem a necessidade de uma mutação ou algo do gênero", diz o coordenador do grupo, Atsushi Iriki, da Seção de Neurobiologia da Universidade Médica e Dental de Tóquio.

Maçãs a rodo

Iriki e seus colaboradores iniciaram em 1996 uma série de experimentos no mínimo criativos para estudar as propriedades de resposta dos neurônios dos macacos. Primeiro, treinaram os animais no laboratório a usar uma espécie de rodo para pegar pedaços de maçã que ficavam sobre uma mesa, fora do alcance de suas mãos. Depois do aprendizado, verificaram o comportamento dos neurônios do córtex parietal, porção do cérebro associada com a representação do corpo. As células de uma área específica do córtex parietal armazenam "mapas" dos membros.

A medição foi feita por meio de eletrodos que gravavam a resposta dos neurônios. Os cientistas notaram que o campo de resposta visual dessas células aumentou após o treinamento com o rodo, sinal de que a ferramenta passou a ser tratada pelo cérebro como se fosse uma extensão do braço. Mesmo quando uma tela opaca era colocada na mesa entre os olhos do macaco e sua mão, o uso da ferramenta e a resposta das células permaneciam iguais.

Num outro experimento, a mesma tela opaca foi posta entre os olhos dos macacos e a ferramenta, mas os animais podiam ver uma imagem de vídeo em tempo real da sua mão apanhando comida com ajuda do rodo. O padrão de resposta dos neurônios mais uma vez indicou a assimilação da ferramenta.

Aí Iriki resolveu complicar a vida dos macacos. Usando um efeito de vídeo, ele transformou a imagem do rodo em um único ponto brilhante numa tela escura. Agora, os macacos estavam efetivamente jogando um videogame no qual tinham de controlar uma projeção para atingir um objetivo (claro, a comida). Dessa vez, apenas 75% dos neurônios do córtex parietal responderam --número ainda consistente com a incorporação da imagem como uma representação do "eu".

Rascunho inteligente

O último trabalho da equipe, publicado em outubro, mediu a expressão de proteínas (que indica como os genes estão ativados) no córtex parietal de macacos mortos após o treinamento e mostrou que ela aumentou.

Para Iriki, os animais têm um "rascunho" de inteligência. "Eles não pensam de maneira simbólica, mas o uso de ferramentas é uma espécie de precursor do pensamento simbólico", disse o cientista à Folha. Ele acredita que os circuitos cerebrais responsáveis pelo suposto salto cognitivo humano já estavam na área há dezenas de milhões de anos e que alguma pressão seletiva aumentou o uso desse maquinário sem a necessidade de um salto evolutivo.

"Há coisas que eu compro nesse experimento e outras que não compro", diz Marc Hauser, da Universidade Harvard (EUA), que estuda cognição em macacos. Para ele, os resultados obtidos pelo grupo japonês são consistentes. "Mas dizer que [a estrutura cerebral] já estava lá esperando para ser usada? Eu não acredito."

Hauser pesquisa a evolução de características cognitivas humanas, como a moral. "Nós procuramos por isso nos macacos, e simplesmente não está lá."
 

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