Publicidade
Publicidade
01/01/2004
-
09h05
REINALDO JOSÉ LOPES
free-lance para a Folha de S.Paulo
Ninguém ainda sabe muito bem como o cérebro humano se tornou tão complexo, mas um dos ingredientes, sugere o trabalho de um neurocientista brasileiro, pode ter sido uma simples molécula de gordura, capaz de encher o cérebro de meros camundongos com dobramentos semelhantes aos do Homo sapiens.
O lipídio que operou a façanha atende pelo nome de LPA (sigla inglesa para ácido lisofosfatídico) e pode desempenhar papel importante para entender e tratar doenças do cérebro.
"Nosso trabalho mostra quanta complexidade pode ser gerada a partir de um único fator", afirma Stevens Kastrup Rehen, 32, que, apesar do nome, é carioca e professor-adjunto da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), além de atuar como pesquisador no Instituto de Pesquisa Scripps, no Estado americano da Califórnia. O estudo de Rehen e de seus colegas dos EUA foi publicado na edição do mês passado da revista científica "Nature Neuroscience" (www.nature.com/neurosci).
Ele conta que a função da molécula foi investigada com um modelo de laboratório que permite observar o desenvolvimento do cérebro inteiro fora do corpo dos camundongos. Ainda na fase embrionária, o cérebro dos bichos é retirado, suas duas metades, ou hemisférios, são separadas com um bisturi e cultivadas de forma a manter a conexão entre os neurônios
(as células nervosas).
Depois da separação, uma das metades passou a receber o LPA, enquanto a outra permaneceu como estava, para efeito de comparação. Já se desconfiava que a molécula de gordura tivesse um papel no desenvolvimento correto do cérebro, mas a transformação operada no córtex cerebral dos camundongos não deixou de ser uma surpresa para os cientistas.
Os hemisférios tratados com o lipídio apresentaram extensos dobramentos depois de 16 horas, e uma espessura 30% maior que a dos hemisférios que não receberam o LPA. Normalmente, o córtex dos bichos permaneceria liso, assim como ocorre com a maioria dos outros mamíferos.
Maturação celular
Ao investigar em detalhes como a molécula poderia ter alterado o córtex em desenvolvimento, os pesquisadores verificaram que o LPA diminuía a morte das células nervosas e favorecia a diferenciação dos neurônios, ou seja, sua chegada à "idade adulta" celular, de forma que eles migravam para o córtex e o tornavam bem mais complexo do que o normal.
Outra pesquisa, publicada na revista "Science" por americanos no ano passado, havia conseguido gerar estruturas semelhantes usando uma proteína conhecida como beta-catenina. No entanto, de acordo com Rehen, o efeito do LPA foi mais geral, afetando todas as regiões do córtex.
A equipe ainda pretende verificar que efeitos o cérebro complexo poderia ter sobre camundongos vivos, mas Rehen diz que as repercussões do experimento vão além disso. Drogas com estrutura química semelhante à do LPA poderiam, por exemplo, ser usadas para tratar doenças neurológicas em que o córtex se apresenta liso, e não enovelado, como deveria ser em seres humanos.
A atividade da proteína sobre o desenvolvimento dos neurônios poderia também se mostrar útil para guiar a transformação das células-tronco (capazes de assumir a função de diversos tecidos do organismo) em células nervosas, que seriam usadas para tratar doenças neurodegenerativas, como o mal de Parkinson.
Por fim, de acordo com Rehen, os achados do estudo podem ser má notícia para quem se recusa a incluir gordura na dieta: afinal, a fonte do LPA para o organismo são alimentos com colesterol. Um pouco de gordura, portanto, pode ser salutar para o cérebro.
Molécula de gordura cria cérebro complexo em roedor
Publicidade
free-lance para a Folha de S.Paulo
Ninguém ainda sabe muito bem como o cérebro humano se tornou tão complexo, mas um dos ingredientes, sugere o trabalho de um neurocientista brasileiro, pode ter sido uma simples molécula de gordura, capaz de encher o cérebro de meros camundongos com dobramentos semelhantes aos do Homo sapiens.
O lipídio que operou a façanha atende pelo nome de LPA (sigla inglesa para ácido lisofosfatídico) e pode desempenhar papel importante para entender e tratar doenças do cérebro.
"Nosso trabalho mostra quanta complexidade pode ser gerada a partir de um único fator", afirma Stevens Kastrup Rehen, 32, que, apesar do nome, é carioca e professor-adjunto da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), além de atuar como pesquisador no Instituto de Pesquisa Scripps, no Estado americano da Califórnia. O estudo de Rehen e de seus colegas dos EUA foi publicado na edição do mês passado da revista científica "Nature Neuroscience" (www.nature.com/neurosci).
Ele conta que a função da molécula foi investigada com um modelo de laboratório que permite observar o desenvolvimento do cérebro inteiro fora do corpo dos camundongos. Ainda na fase embrionária, o cérebro dos bichos é retirado, suas duas metades, ou hemisférios, são separadas com um bisturi e cultivadas de forma a manter a conexão entre os neurônios
(as células nervosas).
Depois da separação, uma das metades passou a receber o LPA, enquanto a outra permaneceu como estava, para efeito de comparação. Já se desconfiava que a molécula de gordura tivesse um papel no desenvolvimento correto do cérebro, mas a transformação operada no córtex cerebral dos camundongos não deixou de ser uma surpresa para os cientistas.
Os hemisférios tratados com o lipídio apresentaram extensos dobramentos depois de 16 horas, e uma espessura 30% maior que a dos hemisférios que não receberam o LPA. Normalmente, o córtex dos bichos permaneceria liso, assim como ocorre com a maioria dos outros mamíferos.
Maturação celular
Ao investigar em detalhes como a molécula poderia ter alterado o córtex em desenvolvimento, os pesquisadores verificaram que o LPA diminuía a morte das células nervosas e favorecia a diferenciação dos neurônios, ou seja, sua chegada à "idade adulta" celular, de forma que eles migravam para o córtex e o tornavam bem mais complexo do que o normal.
Outra pesquisa, publicada na revista "Science" por americanos no ano passado, havia conseguido gerar estruturas semelhantes usando uma proteína conhecida como beta-catenina. No entanto, de acordo com Rehen, o efeito do LPA foi mais geral, afetando todas as regiões do córtex.
A equipe ainda pretende verificar que efeitos o cérebro complexo poderia ter sobre camundongos vivos, mas Rehen diz que as repercussões do experimento vão além disso. Drogas com estrutura química semelhante à do LPA poderiam, por exemplo, ser usadas para tratar doenças neurológicas em que o córtex se apresenta liso, e não enovelado, como deveria ser em seres humanos.
A atividade da proteína sobre o desenvolvimento dos neurônios poderia também se mostrar útil para guiar a transformação das células-tronco (capazes de assumir a função de diversos tecidos do organismo) em células nervosas, que seriam usadas para tratar doenças neurodegenerativas, como o mal de Parkinson.
Por fim, de acordo com Rehen, os achados do estudo podem ser má notícia para quem se recusa a incluir gordura na dieta: afinal, a fonte do LPA para o organismo são alimentos com colesterol. Um pouco de gordura, portanto, pode ser salutar para o cérebro.
Publicidade
As Últimas que Você não Leu
Publicidade
+ LidasÍndice
- Gel contraceptivo masculino é aprovado em testes com macacos
- Sons irritantes de mastigação fazem parte do cérebro entrar em parafuso
- Continente perdido há milhões de anos é achado debaixo do Oceano Índico
- Por que é tão difícil definir o que é vida e o que são seres 'vivos'
- Conheça as histórias de mulheres de sucesso na Nasa
+ Comentadas
- Criatura em forma de saco e sem ânus poderia ser antepassado do homem
- Atritos entre governo estadual e Fapesp são antigos, dizem cientistas
+ EnviadasÍndice